João 7 – 8
Paolo Cugini
7-8 Descreve
o ministério de Jesus desde sua partida definitiva da Galiléia até as vésperas
da semana que procede a Páscoa.
Durante a festa das tendas, Jesus está ensinando no
templo de Jerusalém.
Segundo o Quarto Evangelho, o ministério de Jesus na
Judéia é ao mesmo tempo seu processo de condenação pelas autoridades judaicas,
processo que os sinóticos situam após sua prisão.
João situa antes do discurso da vida pública o
confronto entre o enviado de Deus e seus juizes: sobre um fundo fanático de
hostilidade e de não – fé , Jesus prossegue
a revelação de sua identidade e da missão que recebeu, afirmando a
revelação sem igual que o une a Deus, seu Pai, e proclamando um solene EU SOU.
“A pergunta quem és tu?” feita a Jesus pelos judeus
(8, 25) subjaz ao texto dos capítulos 7-8 e o ensinamento de Jesus progride ao
longo dos capítulos para culminar no EU SOU de 8,58; esta proclamação final
responde ao pedido dos irmãos “ Manifesta quem tu és!” (7,4).
Alguns dados gerais:
1.
situação da Igreja joanina:
O texto reflete as controvérsias que, na época do
evangelista opunham os meios oficiais do judaísmo aos discípulos de Jesus.
Desde a queda de Jerusalém sob o poder dos romanos no ano 70 e a
destruição do templo que havia posto fim
ao culto tradicional, ortodoxia farisaica permanecia como único garante da
identidade judaica e da cesão do joio. Daí seu enrijecimento com relação a todo
grupo distinto, em particular o dos cristãos de origem judaica.
Diante da recusa
da sinagoga, o evangelista deixa de lado os múltiplos ensinamentos de Jesus que
a tradição sinótica relatara, e até o comportamento de Jesus para com os
deserdados da terra, para concentrar a mensagem exclusivamente na pessoa do
enviado e em seu mistério. Ele mostra em Jesus bem mais que o Messias de
Israel; mostra o logos porque o Pai se expressa e em quem os fiéis participam
da filiação divina.
2.
Situação na narração
evangélica -
Jesus já subiu duas vezes a Jerusalém (2,13 e 5,1) mas as breves
estradas que o fizeram conhecido na cidade foram marcadas por ameaças contra
Ele.
Esperando a chegada da hora, desenvolve-se o processo
de condenação de Jesus diante dos Judeus, bem antes da prisão efetiva. Os
capítulos 7 – 8 apresentam o primeiro ato, cujo tom já fora dado pelo capítulo
5. Este processo prossegue até o capítulo 10.
3. No templo: O confronto de Jesus com
seu povo passa-se no lugar sagrado. Após
a tentativa de
apedrejamento provocado por seu supremo anúncio, Jesus “sai” do templo
(8,59) como não pensar em YHWH que abandonou o santuário (Ez 11,23) ?.
Jesus
não ensinará mais no lugar santo, ele vai mesmo deixar a Judéia e retirar-se
para além do Jordão (10,40).
4.
Na festa da Tendas – A festa das tendas ( das cabanas) é uma das mais importantes entre as
quatro festas principais do ciclo anual ( Páscoa, Pentecostes, Tendas, Dia das
Expiações) . De origem agrícola, ele corresponde à festa da colheita que se
celebrava no outono (Ex 23,16); habitava-se então em cabanas construídas com
folhagem, semelhante aos abrigos que se usavam nos vergéis no momento da
colheita. Por sua vez, eles recordavam a vida dos hebreus no deserto no momento
da saída do Egito ( Lv 23,42 a ) – Na época do Novo Testamento, a festa das
Tendas coroava a do Ano Novo e era
celebrada de 15 a 21 tishri, isto é, mais ou menos no fim de setembro.
Se, Segunda a descrição de Lv 23, 34-43), esta festa
era em agradecimento pela colheita obtida, sua liturgia, era orientada para o
pedido da chuva para o ano que se iniciava. No último dia, ia-se em procissão à
piscina de Siloé tirar a água que um
sacerdote derramava em libação sobre o
altar dos sacrifícios, dentro do templo.
Lembrando a Deus seu compromissos para com
Israel, a prece comunitária evocava também o fim dos tempos conforme as
profecias que anunciavam, mediante o símbolo da fonte, a renovação espiritual
de Sião. (Ez 47,1-12) fala da água que sai do lado direito do templo e Isaías
anuncia: Tirareis com alegria a água das fontes da salvação” ( Is 12,3).
No século I, em rito da luz também era
celebrado durante a festa. Este de pano de fundo litúrgico dos capítulos 7 e 8 permite
melhor situar o apelo de Jesus para beberem da sua água e também, sua
autoproclamação como luz do mundo.
5.
Os personagens – sozinho diante dos judeus, na ausência de
qualquer discípulo, Jesus aparece perfeitamente livre, iluminado interiormente
pela consciência de sua unidade com o Pai e de sua missão.
Diante
dele, os outros atores são representados em grupos: os irmãos, a multidão,
algumas pessoas de Jerusalém, as autoridades, os fariseus e os sacerdotes, os
guardas do templo e, de modo geral, os judeus.
Estes
grupos estão todos alvoroçados, agitados por sentimentos diversos. No proxênio
, a multidão de peregrinos e de pessoas de Jerusalém distribuíam-se em facções
de tendências opostas ou então se debatem entre as evidências contrárias a
respeito de eventual Messias.
Entre
Jesus e seus interlocutores não haverá diálogo algum porque eles permanecem
fechados a todo anúncio que não se enquadra em seu sistema de pensamento
(8,43).
6.
Dois perigos maiores ameaçam o fiel que se apoia num texto revelado. O
primeiro é o tradicionalismo. Os “ judeus” do relato têm certa razão de
agarrar-se à tradição da Lei; eles erram ao fechá-la num sistema que não deixa
mais espaço ás aberturas que ela mesma contém, nem a Deus, o vivente, que
renova sem cessar as leituras que o homem faz da Sagrada Escritura. Eles
preferem a letra bem estabelecida ao espírito que nem sempre predomina. Jesus
falava de “palavra” e de “ensinamento”; eles se referem às santas Letras, da
qual se consideram os depositários: Deus exprimiu-se num texto num texto
definitivo. Assim encarado, este não arrisca sufocar a Palavra viva? E eis o
tradicionalista resvalando pelo declive do integrismo.
Um
segundo perigo ameaça aquele que, conscientemente, se interessa por levar à
prática os preceitos de sua Igreja. Para apreciar a qualidade de um
comportamento, ele julga a partir da observação ou da transgressão de uma Lei
cujo sentido foi fixado numa prática
precisa, que não admite exceção. Considerando-se fiel a estes
mandamentos, o praticante arrisca julgar o comportamento dos outros sob o
prisma de sua ótica estreita. Como poderia ele abrir-se, então, ao apelo bem
mais abrangente que lhe dirigem os “incrédulos” e os abandonados da terra?
Na
origem destas atitudes deformadas está certa concepção da Lei. A Lei vale na
medida em que mostra a vontade de Deus e é o caminho da Palavra viva. Se o
decálogo não convida ao diálogo, ele se torna um simples catálogo, colete que
pode fazer a pessoa manter-se ereta, mas que paralisa o mensageiro de Deus.
Jesus chama todo homem, não a afastar a Lei, mas a ouvir Deus que fala através
dela. Enquanto S. Paulo se empenha em mostrar qual é o verdadeiro cristão, João
provoca seu leitor para tomar consciência de qual é o verdadeiro judeu, aquele
põe em prática as riquezas da Lei.
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