venerdì 21 giugno 2024

MISERICÓRDIA


 


anotações de Paolo Cugini

Encontro com os crismandos junho 2024

a ideia de misericórdia conheceu, ao longo da era moderna, um esquecimento constrangedor, que a levou a abandonar progressivamente a modernidade. Nesta época, a suspeita de ser inimigo da justiça concentrou-se em torno da misericórdia, representando assim o principal obstáculo à criação de uma ordem ética válida para todos. A misericórdia – assim começámos a pensar – teria como resultado inevitável o desengajamento do homem: não levaria à transformação do mundo, mas sim à inocência dos algozes, infligindo uma nova injustiça às vítimas.

Por outro lado, a desvalorização da misericórdia também encontrou aliados válidos naqueles sistemas económicos que, ao exaltar o lucro individual, viam a concorrência como o imperativo fundamental do desenvolvimento económico. Para este período, é conhecida a obstinação com que Nietzsche atacou a virtude da misericórdia. Para o autor de O Anticristo, a misericórdia seria uma expressão de fraqueza, uma disposição perigosa e hostil à vida, indigna do homem forte. Assim lemos, por exemplo, nas páginas iniciais de O Anticristo: «O Cristianismo é chamado de religião da compaixão. A compaixão […] atua num sentido depressivo. Você perde força quando tem compaixão [...]. Nada é mais prejudicial à saúde, no meio da nossa humanidade doentia, do que a compaixão cristã."

A CERTIFICAÇÃO DAS ESCRITURAS

Todas as Escrituras – tanto o Antigo como o Novo Testamento – falam do amor preferencial que Deus tem pelo seu povo e, de forma mais geral, por todos os homens.

para.                       O antigo Testamento.

 Embora o termo “misericórdia” ainda não se encontre nas primeiras páginas da Bíblia, a realidade que ele implica já está amplamente presente. A orientação mais profunda, típica e original da Bíblia é, sem dúvida, o facto de Deus encontrar o homem na história e - através das suas acções - entrar em diálogo com ele como Deus pessoal.

A ideia de misericórdia, ao contrário, torna-se explícita na segunda revelação do nome. A Moisés, que deseja conhecer o rosto de Deus, Javé responde com estas palavras: «Farei passar diante de ti toda a minha bondade e proclamarei o meu nome […]. A quem eu quiser ser gracioso, serei gracioso; e a quem eu quiser ter misericórdia, terei misericórdia” (Êxodo 33:19). Chegaremos a uma terceira revelação do nome: Javé é um “Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e rico em amor e fidelidade” (Ex 34,6).

É significativo observar que – ao nível da própria linguagem – a compaixão e a misericórdia de Deus são ditas referindo-se a uma terminologia articulada e complexa que não fecha Deus numa definição, mas propõe sempre e de novo a sua indefinição. Entre outros, destacam-se sobretudo dois termos que a exegese já nos habituou a reconhecer e identificar.

O primeiro, rahamîm , é um plural que indica antes de tudo as vísceras e, num sentido derivado, a sede dos sentimentos. Refere-se principalmente ao útero materno e ao sentimento visceral que uma mãe tem por seu filho. O sujeito desta misericórdia é sempre Deus (cf. Is 55,7; 63,15; Jr 31,20; Os 14,4; Sl 69,17), enquanto para a relação oposta – a do homem para com Deus – este léxico nunca ocorre.

Porém, há também um segundo termo, hesed – usado tanto no contexto profano quanto em relação a Deus – que indica, entre outras coisas, a benevolência do homem para com seu próximo ou seu subordinado e a fidelidade a esta atitude, até o limite da indulgência. e misericórdia. O elemento de disposição favorável da vontade é inerente a este termo. Para Yahweh, mostrar hesed para com Israel significa estabelecer livremente com ele uma relação de aliança e permanecer fiel a ela até ao extremo de cometer violência contra si mesmo para perdoar os pecados. Indica, portanto, em última análise, um dom que vai além de qualquer relação mútua de lealdade.

Resumindo: a santidade de Deus, sendo totalmente diferente do homem, não se manifesta na ira ou no domínio, mas na misericórdia. A sua transcendência não se afirma no distanciamento do homem, mas numa familiaridade que surpreende e comove. Por isso a Bíblia fala muito do coração de Deus que escuta o clamor do homem, se emociona com ele e até se volta contra si mesmo (cf. Os 11,8).

b.                       O Novo Testamento.

 Mas é sobretudo o Novo Testamento que revela a misericórdia como a maior perfeição de Deus. Aqui a novidade consiste em transferir os traços da misericórdia divina para a humanidade de Jesus – até mesmo para a carne desfigurada do crucifixo.

É sobretudo tarefa das parábolas concentrar-se, por assim dizer, nos traços inequívocos da misericórdia divina. A do Pai misericordioso (cf. Lc 15, 11-32), por exemplo, insiste no facto de que a misericórdia vai além de qualquer direito e de qualquer expectativa.

Esta misericórdia é ainda melhor ilustrada pela parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10,30-37), um semipagão que, apesar de não ter nenhuma obrigação, vê um homem vítima de bandidos, sente compaixão por ele, interrompe a sua conversa. negócio e cuida dele, pagando adiantado (cf. Lc 10,30-35). A interpretação dada pelos Padres da Igreja é bem conhecida. Viram, no Samaritano, a imagem de Cristo que, através do burro da sua humanidade, se dispôs a ir ao encontro do homem roubado, na sequência do pecado, do hábito da graça sobrenatural.

A tradição cristã – a partir daquela sedimentada nas Escrituras – nunca deixou, portanto, de indicar a misericórdia de Deus como a sua perfeição original e, por derivação, como a força motriz de toda a obra da redenção. Com efeito, para sermos rigorosos, foi precisamente a partir da contemplação da obra da redenção que identificamos, na misericórdia divina, o próprio coração de Deus.

Igualmente singular é a afirmação do Novo Testamento segundo a qual o amor de Deus “foi derramado em nossos corações” (Rm 5,5) através da obra do Espírito. Em resumo: uma leitura atenta do Novo Testamento leva-nos a atribuir misericórdia, não só ao Pai, mas ao único Deus. Portanto, em última análise, à Trindade. É a misericórdia – perfeição última de Deus – o motor de toda a obra da redenção, que encontra o seu ápice na Páscoa do Filho.

 

Nessun commento:

Posta un commento