Semana
de retiro espiritual às irmãs adoradoras do sangue de Cristo
6-12
setembro 2024 – Manaus
Paolo
Cugini
A fonte de uma vida fraterna é o Evangelho, pois nele
encontramos o caminho de uma vida autêntica, que não se manifesta somente
exteriormente, mas nos oferece também os instrumentos para vivermos aquilo que
lemos. O Evangelho apresenta uma proposta que exige a disponibilidade a se
deixar questionar, a sair dos próprios caminhos, dos próprios projetos, para
permitir de nascer do novo, do alto, pela ação do Espírito. Nas nossas relações
humanas corriqueiras, que vivemos na comunidade, é fácil ver que tipo de caminho
estamos realizando, ou seja, se estamos deixando o Espírito de Deus agir em
nós, o se estamos segurando a nossa vida. Mais uma vez o nosso ponto de
referência é Jesus, é ele que devemos observar, compreender as suas atitudes, a
sua maneira de ser, de se relacionar com as pessoas. Tem algo de diferente nele
que deve nosso inspirar e, ao mesmo tempo, provoca uma atração. Jesus é o
protótipo da humanidade nova. Jesus manifesta a ideia que estava na origem da
criação da humanidade.
Nessa altura do discurso poderíamos nos questionar:
qual é a essência da vida de Jesus, da sua humanidade, do seu jeito de ser?
Qual é a característica que marca a diferença, que o torna tão especial?
Observando com atenção ao estilo de vida de Jesus a resposta não pode que ser
uma: Jesus é o homem que vive para os outros, que vive para o Pai. Na
existência humana de Jesus não encontramos uma célula de egoísmo, um átomo de
individualismo, um fragmento mínimo de fechamento em si mesmo. Vamos então
folear o Evangelho para apontar os momentos em que é visível esta atitude.
A
sogra de Simão estava de cama, com febre e sem tardar, falaram-lhe a respeito
dela. Aproximando-se ele, tomou-a pela mão e levantou-a imediatamente a febre a
deixou e ela pôs-se a servi-los. À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram-lhe
todos os enfermos e possessos do demônio. Toda a cidade estava reunida diante
da porta. Ele curou muitos que estavam
oprimidos de diversas doenças, e expulsou muitos demônios. Não lhes permitia
falar, porque o conheciam (Mc 1, 30-35).
Esta página apresenta um dia típico de Jesus:
mergulhado no sofrimento do mundo, uma vida totalmente dedicada para os outros,
sobretudo os doentes, os pobres, os marginalizados. DO outro lado se percebe o
desinteresse pela vida de Jesus, as suas exigências. De um lado, então, temos o
homem Jesus totalmente despojado se doando totalmente para o próximo. Do outro
lado, encontramos a humanidade egoísta, que pensa só em si mesma, na própria
doença, fechada na própria dor e exige que Jesus cure. É uma página que
desmascara a nossa realidade de humanidade mergulhada no egoísmo, que se torna
cega, incapaz de olhar o outro, perceber o cansaço, a fatiga. É importante
refletir sobre isso para não ter uma visão de um Jesus sobre-humano, super-homem.
Isso acontece com todas as pessoas que se doam de forma gratuita e
desinteressada: vivem a contato com uma humanidade cínica e egoísta que, se não
tomar cuidado, com o tempo te esgota as energias. Por isso, depois de um dia
deste jeito, encontramos Jesus se entregando na oração (Mc 1,36). É impossível
aguentar o egoísmo e a superficialidade do mundo sem apreender a preencher a
própria alma do amor do Pai. Este é o método de Jesus.
Outro dato interessante que manifesta a atitude a
viver para os outros é o jeito de acompanhar os discípulos. Tomamos como
exemplo a história de Pedro. No Evangelho de João Pedro é o discípulo que, no
contexto da ceia derradeira, declara perante os outros a disponibilidade a
morrer para Jesus. Depois de algumas horas, o mesmo Pedro renegará por três
vezes de conhecer aquele homem que estava sendo condenado a morte. É de grande
importância aquilo que acontece nas aparições depois da ressurreição assim como
são narradas em são João.
Tendo
eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais
do que estes? Respondeu ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus:
Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe outra vez: Simão, filho de João,
amas-me? Respondeu-lhe: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse-lhe Jesus:
Apascenta os meus cordeiros. Perguntou-lhe pela terceira vez: Simão, filho de
João, amas-me? Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez:
Amas-me?, e respondeu-lhe: Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo. Disse-lhe
Jesus: Apascenta as minhas ovelhas (João
21,15-17).
Jesus tem uma humanidade que não guarda o rancor, mas
é sempre atenta ao outro. Na perspectiva do Evangelho de João, ninguém pode
anunciar o Evangelho a não ser os discípulos e as discipulas. Pedro, na noite
da paixão de Jesus, tinha renegado o Mestre, rasgando o próprio discipulado.
Jesus não pensa aquilo que Pedro fez com Ele mesmo, mas é preocupado com ele,
com a sua caminhada de discípulo, a liderança que Jesus mesmo entregou para ele
perante o grupo dos discípulos. Depois da ressurreição Jesus dedica tempo para
que Pedro possa renovar o próprio discipulado e, assim, exercer o seu
ministério de chefe da comunidade.
Tem um outro aspecto que vale a pena apontar na vida
de Jesus: como viveu os últimos instantes da vida.
Eram
conduzidos ao mesmo tempo dois malfeitores para serem mortos com Jesus. Chegados que foram ao lugar chamado Calvário,
ali o crucificaram, como também os ladrões, um à direita e outro à esquerda. E
Jesus dizia: Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem. Eles dividiram as
suas vestes e as sortearam (Lc 23, 32-34).
Quando sofremos e vivemos situações de grande dor, a
nossa humanidade tende a fechar-se em si mesma: é a força do instinto de
sobrevivência. Em Jesus a humanidade permanece aberta para os outros também num
momento de grande dor e sofrimento físico e moral. Este aspecto vale a pena
aprofundar, pois é uma grande novidade. Poderíamos afirmar que a verdade do
nosso relacionamento com o Mistério se mede na força de dominar o instinto de sobrevivência.
Em Jesus isso é visível. A oração é autêntica e verdadeira se chega ao ponto de
ser mais forte do instinto. Por isso, nas grades experiencias místicas, se
trabalhava muito com a penitência e o jejum, para aprender a dominar os
instintos. Jesus nos ensina que o caminho para chegar ao domínio de si, é outro,
ou seja, um constate olhar em direção ao Pai. É o amor o único elemento que
pode dobrar a força do instinto.
Nessa altura do discurso poderíamos nos questionar: a
final de conta, qual é a característica de uma vida evangélica, o que reproduz
em nós e como se manifesta na vida corriqueira? Mais uma vez é Paulo que nos
oferece a resposta.
Ele
morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para
aquele que por eles morreu e ressurgiu (2
Cor 5,15).
Segundo Paulo a conversão é uma passagem de uma vida
para si, concentrada em si mesmo, para uma vida pelos outros, por Deus. A
essência da vida de Jesus, de como se manifestou na história é isso mesmo: uma
vida para os outros. Quando no dia a dia encontramos fragmentos de vida
gratuita e desinteressada, momentos silenciosos de vida doada gratuitamente
para os outros, ali é presente o Espírito do Senhor. Por isso Jesus indicava o perfeito
caminho do discipulado afirmando:
Em
seguida, dirigiu-se a todos: Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si
mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me. Porque, quem quiser salvar a sua
vida, perdê-la-á, mas quem sacrificar a sua vida por amor de mim, salvá-la-á.
Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vem a perder-se a si
mesmo e se causa a sua própria ruína? (Lc
9,23-25).
Este é o versículo que marca o discipulado, a possibilidade
de um estilo de vida diferente, liberado totalmente do orgulho e do egoísmo para
uma vida de doação gratuita de si, passa através da liberdade no confronto de
si mesmo, do próprios projetos humanos, deixando o espaço livre para o Espirito
de Deus agir.
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