COMENTO ESPIRITUAL Á PRIMEIRA CARTA DE
JOÃO[1]
Paolo Cugini
PRIMEIRA PARTE
Prólogo: 1, 1-4. O Verbo da vida.
Nestas primeiras linhas da
carta, João quer manifestar a própria admiração por aquilo que experimentou. A
primeira atitude que devemos resgatar na nossa caminhada de fé é isso mesmo : a
admiração por aquilo que Deus realiza conosco. De fato, um dos maiores
obstáculos na vida de fé é o costume, ou seja, quando entra a rotina no nosso
dia a dia da fé. Nessa altura é preciso resgatar a beleza e a grandeza das
coisas de Deus através da maravilha, da admiração. Se quisermos que a vida de
fé permaneça pura, precisamos todos os dias renovar a nossa decisão para Deus,
em qualquer circunstância estamos vivendo, precisamos renovar a nossa admiração
de podermos viver com Ele e por Ele.
Aquilo que chama atenção é
a constatação que quando João escrevia estas palavras já tinham passado pelo
menos 40/50 anos da morte e ressurreição de Jesus. Apesar disso João continua
admirado por aquilo que viu e experimentou. João expressa esta experiência com
esta frase: “A vida se fez visível”. A vida da qual João fala é a vida eterna,
sem limites, a vida completa, aquilo que o homem busca desde sempre. De fato, a
vida que o homem possui é uma vida limitada, sujeita aos sofrimentos, doenças
e, sobretudo, condenada a morte. A nossa vida é pobre, num sentido existencial,
porque vivemos como condenados à morte. A nossa vida é, de uma certa forma, uma
vida pequena, limitada.
O homem é um ser em busca
da vida. Já no Evangelho encontramos exemplos desta busca (ex: o jovem rico; a
mulher samaritana). Folhando o jornal dá pra entender o que o homem é capaz de
aprontar para uma vida melhor, em todos os sentido ela seja entendida.
João, nestes poucos
versículos, afirma que esta mesma vida que os homens buscam dispostos a pagar
preços altíssimos, a encontrou pelo caminho, a apalpou, a viu, a escutou, a
conheceu, a contemplou, a amou.
(mito de Gilgamesh).
Também no livro do Gênesis
encontramos o desejo de Adão de ser como Deus, de possuir a vida eterna de
Deus; apesar disso este desejo de vida eterna e destinado a fracassar por causa
da pobreza e do limite da possibilidade humana (seria importante aprofundar
este contraste entre desejo de vida e possibilidade humana).
É nesse quadro, com estas
considerações que é possível entender a grandeza da mensagem de João: “A vida se manifestou”. Não fomos capazes
de conquistá-la, de alcançá-la, Ela mesma nos alcançou. Não fomos capazes de
subir até Deus, Ele mesmo desceu para nos encontrar. Não temos a vida nas
nossas mãos, foi a mesma vida que veio para nos encontrar. Deus veio a busca do
homem[2]
para comunicar ao homem a sua mesma vida (cf. Jo 10,10).
Este é o sentido da
primeira carta de João: é o grito de vitória do discípulo porque encontrou a
resposta á sua busca, que não foi fruto de uma conquista pessoal mas que
recebeu como um dom. João encontrou a vida eterna como um dom, com uma presente,
além daquilo que João mesmo é, daquilo que ele tem. A vida que em Cristo se
manifestou é um dom de Deus que pode ser somente acolhido.
Claramente em quanto João
fala disso pensa ao mistério da Encarnação, que porem não começou apenas com o
nascimento de Jesus, mas teve a sua origem no A.T., pois Deus veio na busca do
homem desde sempre. Toda a historia da salvação pode ser lida na perspectiva da
Encarnação:
- Ex 2, 23-25: Deus escuta
o grito do seu povo.
- Ex 29, 45-46: Deus deseja
morar no meio do seu povo.
- Sal 8: Deus toam conta do
homem.
- Sal 113, 4-9: Deus se
abaixa para levantar o homem[3].
- Dt 4: maravilha por algo que
nunca aconteceu.
- Jo 1, 1-4: o Verbo se fez
carne.
Carne: débil, fraca, limitada, ou seja, tudo aquilo que pertence á
experiência da humanidade. A humanidade é carne, extremamente pobre na sua
natureza. Então o Verbo se fez carne, a potencia de Deus se fez débil, tão
débil que o seu destino é a cruz, tão débil que pode ser recusada, rejeitada,
traída Uma expressão deste paradoxo se encontra em Is 40, 6-8).
Pelo fato que a Palavra se
fez carne permite ao homem de caminhar rumo a vida. O homem não consegue se
tornar Deus, a conquistar a vida; sendo porem, que a vida se tornou visível, o
homem pode agora caminhar para encontrar a vida.
Jo 1, 18: Agora em Cristo, é
possível ver o rosto de Deus. João, vendo este homem em carne e osso, Jesus de
Nazaré, viu o mesmo Deus, pois o rosto de Deus não é que o rosto de Cristo.
Aquilo que Deus é foi revelado em Cristo. Então o desejo que existe no nosso
coração de buscar, conhecer, amar a Deus, torna-se o desejo de buscar,
conhecer, amar o rosto de Cristo. Nós não temos outros caminhos para chegar a
Deus: “Ninguém chega ao Pai se não por
mim” (Jo 14,6)[4].
Devemos enxergar Jesus com
os olhos da fé: só assim veremos Jesus como alguém que vem de Deus e que revela
Deus: em Jesus se conhece a Deus. Este é o fundamento da vida cristã.
“O que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos”. Para Nós não existe mais
nenhuma outra fora de conhecer a Jesus a não ser através a experiência dos
apóstolos. A Igreja é fundamentada sobre os apóstolos, os quais são os testemunhos.
Se tirarmos o testemunho dos Apóstolos, pode acontecer que Jesus Cristo se
torne uma nossa fantasia, algo que a gente inventa. Aquilo que nos salva é
Jesus assim como ele era[5].
Então devo aprender a conhecer Jesus assim como Ele era e não a deformá-lo
conforme os meus interesses. Como faço a conhecer Jesus assim como Ele era? Escutando o testemunho dos Apóstolos.
“... Para que estejais em comunhão conosco”. A palavra comunhão resume
o objetivo da vida cristã: ser cristãos é viver em comunhão com Deus, é viver
na comunhão fraterna: comunhão entre nós, comunhão entre o Pai. Este é um dos
temas centrais do Evangelho[6].
O objetivo de todo o projeto de Deus é reunir todos os homens na unidade,
unidade que não é política ou econômicas, mas unidade na mesma vida de Deus, de
uma forma tal que a Trindade se torne o modelo da vida cristã.
João escreveu a carta por
isso: porque as pessoas da comunidade não vivam mais em buscados próprios
desejos o das próprias preferências humanas, mas impelidos do amor de Deus. Só
assim serão uma só coisa, porque o amor de Deus recolhe todos os homens na
comunhão.
“E isso vos escrevemos porque a vossa alegria seja perfeita”.
A alegria da qual João
fala, não é a alegria do mundo, mas a experiência da salvação, do amor de Deus,
do ser amados por Deus. É a alegria de Cristo, que é no coração do Senhor e
consiste na perfeição da comunhão com o Pai. Jesus possui a alegria porque é
uma só coisa com o Pai: por isso é cheio de alegria e por isso promete a
alegria para os discípulos, pois a sua vida transborda de alegria e pode
esbanjá-la para quem o seguir no caminho da vida[7].
Claramente é uma alegria diferente daquela que oferece o mundo, pois se trata
de aprender a viver esta alegria no meio de conflitos e tribulações. É uma
alegria através das tribulações, o sofrimento[8].
[1] Para este comentário faço referencia a: Luciano
Monari, La vita si é fatta visibile.
Commento alla prima lettera di Giovanni, Edizioni San Lorenzo, Reggio
Emilia.
[2] Cf. A. J. Heshel, Deus em
busca do homem,
[3] O Deus da revelação não tem medo de se tornar pequeno, de se
abaixar, de tomar conta daquele ser pequeno e pobre que é o homem. Pelo fato da
Sua gloria ser integra, ele pode se abaixar. São os presuntos grandes do mundo
que tem medo de se abaixar, com medo de perder a gloria.
[4] Cf., também Jo 14,9.
[5] Cf. A. Schweitzer,
[6] Cf. Jo 17.
[7] Cf Jo 15,11.
[8] Cf. Jo 16, 20-23.
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