mercoledì 8 luglio 2015

O CAMINHO DA VIDA ESPIRITUAL




COMENTO ESPIRITUAL Á PRIMEIRA CARTA DE JOÃO



Primeira condição: romper com o pecado (1, 8-2,2)

O tema fundamental da primeira carta a João é oferecer as condições para averiguarmos a nossa comunhão com Deus. O primeiro critério é o reconhecimento do próprio pecado. O encontro com Deus, em Jesus Cristo, nos ajuda a tomar consciência do nosso pecado. Toda vez que deparamos com a santidade de Deus, percebemos a nossa diversidade.

a.     È a experiência de Isaias: Is 6 1-5.
b.     Cf a experiência de Pedro: Lc 5.
c.      Nessa altura é significativa a experiência do jovem rico (Mt 19, 15-22).
d.     Também, os apóstolos, neste sentido, não manifestaram uma atitude melhor: Lc 14, 7; Mt 16, 23.
e.      Lc 7, 36-48: Simone não consegue entender o perdão de Deus.
f.       Os fariseus: hipocrisia denunciada em Mt 23.

O primeiro elemento da comunhão com Deus é o desvendamento do nosso coração, o fato que o nosso coração vem reconhecido por aquilo que é. Ficando na frente de Deus aparecem os meus pecados, os meus limites, as minhas misérias (por isso a pouca vontade de rezar, a fatiga na oração, o cansaço. Por outro lado, quando vejo o meu coração limpo mi dá vontade de permanecer perante o Senhor).  Não querer ver o próprio pecado, não querer reconhecê-lo é uma maneira de defender a si mesmos, de se justificar, é querer ficar do lado da verdade. Este é um dos elementos que estragam uma caminhada de fé: querer ter razão.
Se dentro o nosso coração como espelho da nossa vida temos a opinião comum, então dificilmente me percebo como pecador. A nossa comparação, pelo contrario, deve ser com o Senhor Jesus: então saímos sem duvidas com vencidos, errados.

Se confessarmos os nossos pecados...”[1]. Não apenas Deus tira, perdoa os nossos pecados, mas Deus nos libera daquela tendência que existe em nós, no profundo do nosso coração: a tendência ao egoísmo, á auto-suficiência no confronto de Deus; Deus nos tira toda raiz do mal[2] .

“Se dissermos que não pecamos, fazemos dele um mentiroso”[3]. Porque? Porque a palavra de Deus acusa o homem do pecado (cf Rom 3, 9-18). Se dissermos que não temos pecado, com Cristo fazemos o que? Se o sentido da vinda de Cristo ao mundo é tirar os nossos pecados, então o primeiro fruto do nosso encontro com Ele é isso mesmo , ou seja a confissão do nosso pecado.  Se Cristo faleceu por mim, quer dizer que sem Ele eu sou perdido.

“Temos um advogado junto do Pai[4]. O intercessor é Jesus Cristo. Agora temos um intercessor perto do Pai, santificado pela sua obediência, pela dedicação total á vontade do Pai e, por isso, pode elevar uma oração fiel, crível, aceitável por Deus. Dois textos ajudam a entender isso:
Rom 8,34;
Hb 7, 24-25; 5,7s.

Existe em Jesus uma capacidade de expiação dos pecados que é maior dos nossos pecados. Jesus é maior do que nós, a redenção de Jesus é maior dos nossos pecados, aliás, é maior dos pecados do mundo todo. Nós não somos tão grandes pra podermos realizar pecados imperdoáveis, que impedem a Deus de operar com a sua misericórdia.A expiação de Jesus lava os pecados do mundo todo.


Segunda condição: observar os mandamentos, sobretudo o mandamento do amor

a. Caminhar como Jesus caminhou (2, 3-6)

O verbo (observar) quer dizer não uma simples observância externa, mecânica, mas a ponta para uma obediência ativa[5], dócil, pronta, uma observância feita pelo coração e que necessariamente deve ir junta com o amor.

Mandamentos dele”: A importância dos mandamentos é isso: A proveniência é Deus e nos leva a sua vontade, nos leva perante a sua pessoa. Somos convidados a observar os mandamentos enquanto são expressão do amor desta pessoa chamada Jesus Cristo[6].
È o amor para Jesus Cristo que me permite de observar os seus mandamentos. Esta ligação entre Jesus e o amor para os seus mandamentos a encontramos amiúde em João: Jo 14, 15. Não é possível amar a Jesus sem observar os seus mandamentos. Este ligação intrínseca a encontramos também no A.T., de uma forma especial no livro do Deuteronômio[7]. Amar a Deus significa servi-lo[8]. Se Deus nos olhou com um amor especial, de predileção, significa que devemos responder a este amor.
Também em Lv 19,2 se encontra uma palavra parecida com aquela de Dt 10. Se temos Deus como nosso Deus, devemos nos comportar como seu povo, como seus amigos. Ser em comunhão com Deus leva consigo a obrigação de sermos dignos dele. Nessa altura percebemos que acontece com Deus aquilo que acontece em qualquer relacionamento humano de amizade. Pra fazer amizade com uma pessoa precisamos aprender a aceitá-la assim como ela é. O Senhor faz isso conosco, ou seja, nos aceita assim como a gente é. Se o Senhor nos aceita do jeito que somos, devemos também nós aceitar o Senhor do jeito que Ele é.
Então observar os mandamentos de Deus não significa simplesmente observar uma lei, mas aceitar uma pessoa, através aquela lei, aceitar a presença de Deus na nossa vida. Todos os mandamentos se resumem na Palavra de Jesus[9].

Aquele que diz que permanece nele, deve também andar como ele andou[10]. Jesus se torna o modelo do comportamento cristão. Viver como cristão significa olhar o Senhor e imitá-lo[11]. Para entendermos isso é preciso lembrar o texto dos lava pés[12]. Os lava pés são uma antecipação, uma profecia daquilo que teria acontecido um pouco mais tarde, ou seja, a morte de Cristo na cruz. Fazer aquilo que Jesus fez significa fazer da nossa vida um serviço, seguindo Jesus na sua paixão. É por isso que no N.T. o tema da imitação a Jesus desemboca no tema do sofrimento, da paixão. Alguns textos são importantes para entendermos melhor este assunto[13].
O amor de Deus, a presença do Senhor, a entendemos quando fazemos a experiência dele, na comunhão[14].
João expressa a comunhão com duas expressões: ser em Jesus e permanecer nele. Pra ter fé precisa ver Jesus, precisa crer, conhecer, amar e permanecer nele. Para o discípulo a vida quer dizer permanecer perto de Jesus[15]. Se acolhermos na Eucaristia a vida que vem de Jesus, a nossa vida não vem mais do mundo, mas sim de Jesus. Nós vivemos por aquela força que Cristo nos doa, através daquela vida que Cristo nos oferece. Por isso não podemos mais viver só para nós mesmos, mas para Deus. “Quem come de mim viverá por mim”[16]. Através da fé na Eucaristia o homem perde o seu centro, não é mais ele o centro da sua vida. O fruto de uma vida Eucarística é a saída do próprio egoísmo, daquela doença espiritual que afeta o homem que é a auto-suficiência, a busca da autonomia, não como sinal de liberdade, mas sim como desejo de uma vida sem Deus. O cristão recebe a vida continuamente por Cristo, e a restitui continuamente para Cristo[17]. NO relacionamento com Deus através de Cristo, o homem aprende a se colocar, a não pensar de ser o artífice da própria vida, de ser o criador de si mesmo. Quando uma pessoa chega a manifestar-se desta forma, quer dizer que perdeu totalmente o sentido da realidade. E tudo isso com aquela totalidade que caracteriza a vida de Cristo: como Jesus é totalmente dedicado ao Pai, e não consegue viver fora da perspectiva dele, assim o cristão é totalmente dedicado a Cristo e não consegue viver fora da perspectiva de Cristo. Por isso João gosta muito do verbo “permanecer”, pois resume a experiência cotidiana do cristão que é um permanecer em Cristo, é atingir em Jesus a fonte da nossa vida.
Neste sentido é extremamente significativa a alegoria da videira que se encontra em Jo 15. Jesus é a origem da vida dos discípulos. È nele que recebemos a nossa existência. Na carta a João o fruto que o cristão deve produzir é a caridade. Quando a vida do discípulo se torna amor, então está produzindo fruto. Também podemos folhar outros textos significativos para entendermos melhor este assunto[18].

A Verdade[19] se torna, para João, o principio, a fonte das ações do cristão. Aquilo que o cristão pensa, aquilo que o cristão vive e decide deve sair da Verdade. Em João a Verdade tem a função que em Paulo tem o Espírito. O Espírito era em Cristo, e o fazia viver e pensar como Cristo, era a sua postura interior. Agora o Espírito é doado aos cristãos e se torna a origem da sua vida.
“A Verdade vos libertará[20]: nos libertará do nosso egoísmo, de todos os condicionamentos culturais, ambientais, nos libertará da necessidade de aparecer ao mundo. Nos libertará de uma maneira que as decisões que tomamos não são condicionadas dos nossos caprichos, mas tem como única origem o amor, a verdade[21].

“Quem observa as suas Palavras, nele o amor de Deus é verdadeiramente perfeito[22]. Isso quer dizer que demonstramos o nosso amor para o Senhor no momento em que vivemos conforme a sua Palavra. Além disso, este versículo que estamos comentando, tem um outro sentido, ou seja, o amor de Deus não é apenas o amor que nós temos para Deus, mas também o amor que Deus tem para nós. Quando vivemos os mandamentos de Deus, o amor que Deus tem para nós torna-se perfeito. De fato, quando nos amamos uns aos outros nós estamos abrindo o nosso coração a Deus.
O amor do Pai, passando através do homem Jesus, fez com que este homem Jesus, amasse com o mesmo amor do Pai. A amor de Cristo, chegando a nós, passando através de nós pode fazer com que nós vivamos como Jesus viveu, caminhemos como ele caminhou.


b. O mandamento novo (2,7-11).

Mandamento antigo que recebeste desde o inicio”[23]: a referencia é ao batismo, que marca o inicio na vida de um cristão. João não quer dizer algo de novo, pois a vida cristã é fidelidade ao batismo, é fidelidade a Jesus Cristo. É um mandamento que ao mesmo tempo é novo porque é uma realidade escatológica, ou seja, definitiva, que dura para sempre. Isso quer dizer que não existe nada além do amor. É um mandamento velho porque os cristãos o conhecem desde o dia do batismo; mas ao mesmo tempo é um mandamento novo porque nunca é superado. É um mandamento que se torna novo em Cristo, porque o amor com que Cristo amou é algo de novo no mundo[24]. Aonde existe o amor fraterno, ali Cristo está presente. Não então um amor que sai simplesmente do coração humano, mas é um amor que sai da presença de Cristo no coração do homem. O amor que Jesus tem por nós, tem como objetivo que nos amemos uns aos outros. Jesus nos ama para que o seu amor nos mude, modifique as nossas atitudes egoístas. Cristo nos ama para nos envolver no seu amor, para nos transformar com o seu amor.
Uma pessoa pode até ter praticado o amor; só que o amor fica sempre na nossa frente, pois é algo que devemos conquistar a toda hora. Quando Paulo fala do amor[25]não diz que é um dom, um carisma, mas um caminho. Isso é significativo, porque nos revela que no caminho do amor nunca podemos dizer que chegamos, nunca podemos sentar, mas sempre somos a caminho, pois a realização do amor verdadeiro está sempre na nossa frente[26].
Então se este mandamento se tornou verdadeiro em Cristo e em nós, então é por isso que as trevas estão sumindo e a luz verdadeira resplandece. Pode ser verdadeiro que o mundo continua indo em frente com o seu egoísmo e com a sua violência. No mundo, porém, existe também Cristo, o anuncio do Evangelho, a vida fraterna dos cristãos. Perante esta luz as trevas estão rarefazendo-se[27]. Aonde o evangelho é anunciado, aonde é presente o anuncio do amor de Deus, as trevas começam a sumir e aparece a luz. No tempo presente trevas e luz convivem. Se continuam as trevas no mundo, tem porém ao mesmo tempo a luz. Se uma pessoa quer ser na luz deve ser no amor. Aonde não tem amor tem ódio: somos obrigados a escolher. O ódio é treva. O ódio acha de defender a si mesmo, mas na realidade, é um caminho de destruição de si mesmo.
Aonde existe a caridade não tem ocasião para tropeçar. A fé se expressa na caridade e a caridade aumenta a abertura a Deus. Se quisermos amadurecer no nosso relacionamento com o Senhor como relacionamento de fé, se quisermos que a comunhão nos fortaleça, o caminho é a caridade, a pratica do amor.


Terceira condição: guardar-se do mundo

a. Exortação para os cristãos (2, 12-14).

A comunhão com Deus consiste também em se proteger do mundo. É preciso escolher entre o amor de Deus e o amor do mundo[28].

Filhinhos: somos todos nós, todos os cristãos. São remetidos os pecados. Este é o tema da primeira pregação cristã no Evangelho. Se nos foram remetidos os pecados isso quer dizer que somos livres do nosso passado. Então o nosso futuro, o nosso relacionamento com os irmãos e com Deus não é mais condicionado por ninguém. É verdade que vivemos todos os dias num contexto social, político, econômico, familiar que de uma certa forma nos condiciona. NA realidade, porém, é somente Cristo que, ao longo dos anos deve condicionar e dirigir o nosso pensamento e os nossos atos.  O Senhor reconstruiu o nosso coração[29]. Isso quer dizer que também da nossa historia de pecado Deus sabe extrair algo de bom, ou seja, a conversão, o sentimento de pobreza perante Ele, a humildade. Por isso é preciso acolher com alegria o Seu perdão, pois é um anuncio de libertação.
Esta expressão: “Vossos pecados vos foram perdoados[30] resume toda a vida de Jesus. Quando depois da ressurreição Jesus apareceu aos seus discípulos Jesus os envia[31]. O discípulo é um mandado, então um que não tem uma autoridade própria. Tudo aquilo que o discípulo diz o aprendeu por Jesus. Só desta maneira o discípulo tem autoridade. De fato, quando o discípulo prega si mesmo, não tem autoridade e moral nenhuma. É claro que pra fazer isso, para fazer aquilo que Jesus fez, não basta a nossa boa vontade[32]. Por isso Jesus soprou sobre eles o Espírito Santo[33]. Então “a quem perdoardes os pecados lhes serão perdoados[34]. Tudo aquilo que os discípulos são convidados a fazer se resume neste poder, que é o poder de Jesus de perdoar os pecados, de doar aos homens a vida.

Por meio do seu nome[35]. Sendo que somos chamados com o seu nome não somos pessoas perdidas, somos o povo de Deus, temos o seu nome que nos foi entregue no dia do batismo. Receber o nome de Cristo significa passar de propriedade, quer dizer adquirir uma nova família.

Escrevo a vós, pais: conheceis aquele que é desde o principio[36], ou seja, conhecestes Jesus Cristo. Os pais são aqueles que fizeram uma longa caminhada. O caminho do amadurecimento espiritual requere tempo, paciência.
Conhecer Jesus Cristo: não é apenas um dado intelectual, mas que envolve toda a pessoa. Cf. Fil 3, 7-11: conhecer Jesus Cristo significa que Ele se torna a segurança da nossa vida, todo  o resto não consegue mais me atrair. Para chegar á plenitude do conhecimento, é preciso conhecer a ressurreição de Cristo dos mortos, participando também dos seus sofrimentos.
O coroamento da fé é no conhecimento[37] e o conhecimento é amizade com Jesus, é passar de servo para amigo. Tudo se resume no conhecimento. A vida eterna é conhecimento[38]: então é experiência e comunhão. O Senhor não pode ser uma simples idéia, mas um amigo familiar. Sou seu discípulo, então o escuto, o entendo, o aceito. Podemos acrescentar que a comunhão com Jesus é obra do Espírito Santo, pois é o Espírito que permite ao cristão de aprofundar o seu relacionamento e de chegar a este conhecimento[39]. O Espírito Santo nos abre para o conhecimento  de um mundo novo, que nasce da morte e ressurreição de Jesus. Entender que vale a pena perdoar, significa entrar na nova maneira de raciocinar.

Eu vos escrevo, jovem, porque venceste o Maligno[40]. É típica da juventude a luta. A vida cristã é feita de lutas, fadigas, sofrimentos, riscos. A luta acontece, sobretudo no começo, apesar e ser sempre presente na vida cristã. São Paulo o descreve muito bem na carta aos Efesios[41]. É uma luta contra forças que são mais fortes do que nós e não temos nenhuma chance de resistir com a nossa inteligência e com as nossas forças. Tomamos, então, a armadura de Deus. Os jovens não devem temer, pois a vitória é certa, sendo que Jesus já derrotou o inimigo. “Esta é a vitória que venceu o mundo: a vossa fé[42] . A vitória dos cristãos reproduz a vitória de Cristo[43].

v. 14: A capacidade de resistir na luta e de vencer é ligada por João com a Palavra de Deus. Sendo que tendes a palavra de Deus, e esta Palavra permanece em vós, então já vencestes. É importante parar um pouco, para refletirmos sobre o valor da Palavra.
Hb 11,3: A Palavra de Deus Criou o mundo.
Sab 18, 14-17: a Palavra é poderosa.
Jer 23,29: a Palavra é como um fogo, um martelo que despedaça a pedra.
2Tim 3,14-16: toda palavra é inspirada por Deus.

Não ameis o mundo”[44]. Se antes amávamos o mundo, agora não devemos mais amá-lo.

b. As três concupiscências ( 2,15-17).

Mundo: em primeiro lugar é preciso dizer que mundo, nos textos de João, não aponta para um espaço físico, um lugar, mas sim para uma situação espiritual. Se não fosse assim seria uma contradição. De fato como é que Deus primeiro cria o mundo e depois o despreza? Mundo é, então, a criação que vive separada de Deus, sem o relacionamento com Deus, pois o relacionamento com Deus é a dimensão fundamental da experiência cristã. O mundo é aquela realidade apoiada sobre o maligno, aquele espaço cujo príncipe não é Deus, mas sim o diabo[45]. O mundo é o conjunto de todos os bens passageiros que são oferecidos aos homens. Existe a tentação constante para o homem de amar o mundo, de apegar-se as coisas mundanas. Porque isso? Porque o homem é radicalmente frágil, é uma pobre criatura, é condenado a morrer desde o dia do seu nascimento.  O homem precisa de tudo pra viver. Nesta condição o homem pode fazer o que? Defender-se, buscar proteção, amparo, etc. [46]. Ande o homem encontra esta proteção? No mundo. O dinheiro, por exemplo. As coisas são uma segurança (o mosteiro pode se tornar uma segurança material, sobretudo neste contexto). O problema é que o mundo passa com a sua concupiscência[47]. É preciso, então, vigiar sobre os desejos e os medos que temos. O problema nessa altura é o seguinte: como podemos vencer a sedução do mundo?

“Se alguém ama o mundo, o amor do pai não está nele”[48]. Aquilo que garante o homem é o amor do Pai. De fato o Pai garante o homem perante o futuro, perante os outros, perante a morte, perante os seus fracassos, os seus pecados, pois Deus é maior dos nossos pecados. Se o amor de Deus está em nós, não precisamos mendigar seguranças. Aliás, no ser amados por Deus, encontramos a paz[49].

V. 16. Existem três maneiras através das quais se expressa o amor do mundo.
Antes de tudo podemos dizer, do ponto de vista geral que a concupiscência se manifesta como vontade de viver ao contrario a realidade de Deus.
A primeira maneira é a concupiscência da carne. É a postura de quem enxerga tudo como instrumento por sim, pelo seu sucesso, pela sua satisfação. Para entendermos melhor isso precisamos folhar as paginas de Paulo. Gal 5, 16-21: a lista começa com três palavras que se referem a sexualidade: fornicação, impureza, libertinagem. Aqui a sexualidade se torna busca do próprio prazer e não dono de sim[50]. Depois tem duas palavras que falam da religião, aliás a deformação da religião. Aqui a religião torna-se um meio para se servir de Deus[51]. Depois o texto segue com uma serie de sete palavras que são relacionadas aos irmãos.

A segunda é a concupiscência dos olhos. É a vontade de possuir, a avareza, de querer pra si tudo aquilo que se vê. Santo Agostinho[52] afirma que a concupiscência dos olhos é a curiosidade: a necessidade de fazer todas as experiências.

A ultima é o orgulho da riqueza. Quando uma pessoa possui riquezas não percebe mais que é um pobre homem, que deve acolher a salvação como um dom e que não pode adquire-lo. O livro de Ezequiel descreve muito bem esta situação, na famosa historia de Tiro[53]. Por isso o evangelho fala que a riqueza é um perigo enorme no reino de Deus[54]. De fato, a riqueza tende a render o homem auto-suficiente. Pode acontecer como na parábola contada no evangelho de Lucas[55]. No final de conta, aquilo que vale é exatamente aquilo que somos perante Deus. O centro da nossa vida deve ser constantemente Deus. Paralelamente ao acumular o dinheiro, existem outras posturas parecidas: acumular a estima dos homens, gratificações. Somos pobres pessoas, e nos apegamos a tudo. Quando desfalece a confiança na proteção de Deus, o homem busca a proteção em outros lugares. A experiência do mundo não deve se tornar o todo. Devemos aprender a viver cada experiência aberta a Deus. O mundo não é o tudo do homem. O tudo do homem permanece Deus, só e exclusivamente Deus. Quando o mundo ocupa o nosso coração, não tem mais espaço para Deus. Por isso vale aquilo que Jesus dizia: aonde é o teu tesouro lá é o teu coração[56].
É claro que tudo é bom pois tudo é criação de Deus. O problema é que se as coisas são dom de Deus devem ser vividas como dom de Deus. Então é o Senhor que buscamos, também através das coisas, das quais precisamos pra viver, sem ligar o coração.


Quarta Condição: guardar-se dos anticristos (2,18-27)


“Esta é a ultima hora”: é o tempo no qual precisamos vigiar[57]. Precisamos ser prontos para acolhermos o Senhor que vem. O pecado pior que pode acontecer conosco é adormecer, como as virgens estultas[58]. Neste contexto espiritual é preciso olhar para frente. Esta vigilância deve ser exercida, sobretudo no confronto dos anticristos. Também Paulo falava disso[59]. O tempo presente da comunidade de João era um tempo de confusão, aonde varias tentativas eram feitas para confundir a verdade[60].
Anticristo: Cf. Ap 13. Seja o que for o anticristo designa uma oposição a Cristo. A presença de muitos anticristos revela, segundo João, a aproximação do fim deste mundo. O tempo no qual vivemos é orientado para um mundo novo[61]. O sofrimento maior deriva da constatação que estes anticristos não vem de fora, mas saíram do meio da comunidade, ou seja, são cristãos que pertenciam a Igreja.

Nem todos são dos nossos”: existe uma pertença a Igreja puramente exterior, puramente física, puramente superficial, que não expressa a verdadeira pertença. Se uma pessoa é batizada, nem por isso quer dizer que seja Católica[62]. Para que uma pessoa seja dos nossos, é preciso que dentro, no coração, seja acontecida uma conversão, uma transformação.
É na hora da tentação que se verifica a verdade da nossa pertença a Igreja.

Vós, porém, tendes recebido a unção”[63]: a unção são duas coisas juntas: a Palavra e o Espírito Santo, a verdade e o Espírito. Nós recebemos de Cristo a Palavra e o Espírito. A Palavra de Deus se torna a nossa carne e o nosso sangue. Por meio do Espírito, aquilo que lemos no Evangelho se torna nossa carne e sangue, da maneira que nós mesmos nos tornamos com a nossa vida Palavra de Deus. Pelo fato que recebemos a Palavra com a força do Espírito, nós agora temos a ciência, ou seja, a capacidade de discernir o verdadeiro do falso, a verdade do erro. Existe uma sensibilidade típica do cristão que lhe permite de orientar-se na vida, que lhe permite de avaliar as situações, e de entender para onde deve ir. Nestes casos nós temos a ciência.

Nenhuma mentira procede da verdade”: a Verdade é Jesus Cristo, o Filho de Maria, que nasceu em Belém, viveu em Nazaré, pregou perto do mar da Galileia, percorrendo as estradas da Terra Santa: este é Jesus, um homem concreto. Além disso, a fé nos diz que este homem concreto é o Cristo, ou seja, a realização de todas as promessas de Deus no A.T.. Cristo é a revelação perfeita de Deus, a manifestação plena da realidade, do coração, do pensamento de Deus. Este é o grande paradoxo que cria dificuldade as mentes dos homens: que o Deus eterno possa ser limitado em um homem, que o eterno entre no tempo finito dos homens. Este é o escândalo, difícil de engolir. Este escândalo golpeou antes de tudo, os mesmos moradores de Nazaré[64]: escandalizavam-se pela sua humanidade. Aquilo que conheciam de Jesus era motivo de tropeço para eles, impedia a eles de acreditar: é o escândalo da carne. Quando o Verbo se faz carne, o homem deve superar o véu da fraqueza, para reconhecer a força e Deus[65]. Para conhecer Cristo é preciso ir além das aparências, além da carne, além da fraqueza humana de Jesus. É preciso entender que conhecer a Jesus é conhecer o Pai, assim como odiar a Jesus é odiar o Pai. A fé acredita que Jesus é a revelação plena de Deus, então é o sentido profundo do mundo. Se Jesus é o Filho e Deus então podemos dizer com João que Deus é amor[66]. Que Deus é amor o entendo olhando a cruz de Jesus: este é o sinal do amor de Deus. Um Deus que se faz carne, que toma sobre de si a minha fraqueza, que partilha a pobreza da minha condição, que sofre como eu sou capaz de sofrer, que conhece a angustia da morte, manifesta plenamente o seu amor para com o homem[67]. Um Deus assim é sem duvida um escândalo e até os discípulos, na hora da paixão, ficaram escandalizados[68].
Pela pessoa que ama a postura fundamental não é mais a defesa de si mesmo, mas é a vida do outro; então a pessoa que ama tende devagarzinho a tirar as autodefesas, se torna frágil, vulnerável. Esta fraqueza se chama fraqueza do amor. O amor é fraco, mas ao mesmo tempo é tenaz, pois é capaz de superar qualquer obstáculo, também a morte. É por isso que em Jesus encontramos a revelação do amor de Deus.

VV. 22-23: Se Jesus não é o Filho de Deus, Deus não é mais o Pai! Deus não é mais amor! Se negarmos Jesus, não teremos mais o Pai. O problema é colher que Jesus vem do Pai, que é esta a sua origem, a sua verdade.

VV. 24-25: “Procurai que permaneça[69] em vós aquilo que ouviste desde o principio[70]”: no confronto de Paulo, João sublinha mais a importância da interiorização da palavra. O Evangelho é dentro de nós: devemos conservá-lo, guardá-lo dentro. A Palavra deve crescer dentro de nós, deve se tornar minha carne[71].

VV. 28-29: O tempo presente é o tempo da ausência de Jesus. Existe uma vinda do Senhor que nós esperamos. Esta espera incide no presente: agora vivemos em função daquela vinda. Agora é o momento da vigilância, é o momento em que devemos praticar as obras da caridade. Quando o Senhor verá serão estes talentos da caridade que Ele cobrará de nós. Faz parte da experiência cristã a espera do futuro[72]. Enquanto esperamos que o Senhor venha, nós andamos ao seu encontro com uma vida perfeita na caridade. João nos convida a fazer a experiência do Senhor para podê-lo reconhecer no dia da sua vinda.  Os anos que temos pra viver nesta terra servem para nos colocarmos em sintonia com Ele. Se permanecermos em comunhão com Cristo desde agora a vida eterna será só uma mudança de substancia, de modalidade. Devemos viver agora na maneira que o encontro com o Senhor não queira dizer sermos difamados [73] .



[1] 1 Jo 1, 9.
[2] Cf Ez 36, 26s.
[3] 1 Jo 1, 10.
[4] 1 Jo 2,1.
[5] Cf. Rom 16,26.
[6] Nisso está o fundamento da ética cristã, que não é fruto do mero esforço humano, mas sim, participação da vida divina em nós por meio dos sacramentos. Não basta, de fato conhecer os mandamentos para realizá-los: precisa da graça de Deus que age em nós para ajudar-nos a viver o amor. Neste sentido a ética cristã é bem diferente da ética filosófica. Sócrates, por exemplo, achava que para o homem bastava conhecer o bem para realizá-lo. A experiência corriqueira nos alerta que na realidade, o homem não consegue realizar o bem que percebe e conhece. É aquilo que Paulo sustenta na carta aos Romanos (7, 14s.)quando fala que o homem conhece o bem mas não consegue fazê-lo porque está dominado pelo pecado. É necessário que Cristo entre na vida do homem e da mulher para que os seus mandamentos sejam realizados. É claro que não podemos também cair no erro oposto, ou seja, num determinismo sacramental como se bastasse participar dos sacramentos para santificar a nossa vida (cf. Lúmen Gentium 14). O homem, a mulher deve fazer de tudo para que a graça de Deus possa agir na nossa humanidade e transformá-la. Quem aprofundou este assunto foi Santo Agostinho. Foi ele que percebeu na vontade uma faculdade do ser humano, uma faculdade estragada pelo pecado. Por isso, mais uma vez, para viver a caridade é necessário Cristo. E é por essa razão que são João na sua primeira carta bate sempre na mesma tecla, ou seja, a prova que Cristo está em nós é a nossa vivencia do amor, pois somente Cristo viveu o amor de uma forma perfeita, somente a sua humanidade resistiu á tentação do pecado, que empurra o homem para o caminho do egoísmo e do ódio de se mesmo e dos outros.
[7] Cf. Dt 10,15.
[8] Cf. Josué 24: a Assembléia de Siquem.
[9] Nessa altura podemos falar do sentido da aliança como compromisso entre dois parceiros. Quando um dos parceiros é Deus o conteúdo da aliança é a promessa que, para ser alcançada, exige o respeito da mesma aliança (cf. Gen 12, 1-4; Ex 24; 32).
[10] 1Jo 2,6.
[11] V. Losky acha que seja esta a diferença entre a mística católica e a mística ortodoxa, mais voltada para a contemplação (cf. ).
[12] Cf. Jo 13, 12-15.
[13]Cf. Fil 2,5-8; 1Pd2, 21; Cor 11,1.
[14] Cf. Jo 10.
[15] Cf. Jo 1,39s.
[16] Jo 6,57.
[17] Cf. Jo 5,26.
[18] Cf. Gal 5,22; Jo 17,26.
[19] “O sentido característico de aletheia no Quarto Evangelho significa a realidade eterna enquanto revelada aos homens, seja a realidade em si, seja a revelação dela... É a verdade o conhecimento da realidade, que vem por meio de Jesus Cristo” (cf. Dodd, cit. Pp.237-238).
[20] Cf Jo 8,32.
[21] Na reflexão de Ratzinger a Verdade cristã se identifica com o amor. Pra ele este é um dos dados mais elevados do pensamento cristão (cf. ).
[22] 1Jo 2,5.
[23] 1Jo 2,7.
[24] Cf Jo 13, 34-35.
[25] Cf 1 Cor 12,31.
[26] Cf. também: 1Ts 3,12.
[27] Cf Rom 13,12.
[28] Cf. Rom 8. Neste sentido permanece sempre interessante e cheia de sentido a carta a Diogneto, in modo especial o capitulo 5.
[29] Cf. Ez 36.
[30] 1Jo 2,12.
[31] Cf. Jo 20,20-21.
[32] Cf. Rom 7, 14-8,39.
[33] Cf. Jo 20,22.
[34] Jo 20, 22.
[35] 1Jo 2,12.
[36] 1Jo 2,13.
[37] Cf. Jo 8, 31-32
[38] Cf Jo 17,3
[39] Cf. Jo 16,13.
[40] 1Jo 2,13b.
[41] Cf. Ef 6,10-18.
[42] 1Jo5,4.
[43] Cf Jo 16,33.
[44] 1Jo 2,15.
[45] Cf. Jo 16,11.
[46] Nessa altura abre-se o espaço para uma reflexão de tipo sóciopolítico.
[47] Cf. 1Jo 2,17.
[48] Ivi.
[49] Cf. Tg 4, 1-5.
[50] A sexualidade do ponto de vista da antropologia bíblica é o ponto mais alto da possibilidade do conhecimento do outro. A pessoa é ao mesmo tempo carne e espírito. NA sexualidade este momento de encontro chega ao seu cume.
[51] Cf. a definição que Barth dava de religião como máxima expressão de ateísmo quando a religião é vista como um meio de tirar proveito de Deus, quando Deus é cobrado para realizar a vontade do homem.
[52] Cf. Comento a primeira carta á João.
[53] Cf. Ez 28, 1-10.
[54] Cf. Mt 19, 23-24.
[55] Cf. Lc 12, 15-21.
[56] Cf. Mt 6,19-21
[57] O tema da vigilância é um tema importante na primeira comunidade cristã. Prova disso são as cartas de Paulo que em varias circunstâncias falam deste tema.
[58] Cf. Mt 25, 1-31.
[59] 2 Tm 4,3-4.
[60] Cf. Gal 1,6s.
[61] Cf. 2Pd 3,8.
[62] Sobre este assunto Cf. Lúmen Gentium 14, e também Agostinho.
[63] Pode se fazer uma menção ao Batismo da Igreja primitiva, aonde a unção era realizada no corpo todo da pessoa.
[64] Cf. Mt 13, 53-56).
[65] Cf. a heresia de Cerinto.
[66] Cf. Rom 1, 19-20.
[67] Muito diferente é o Deus dos filósofos: cf. Aristóteles: Deus como pensamento de pensamento, que pode pensar só para si mesmo.
[68] Cf. Mc 14,25.
[69] Cf Jo 15, 1-8. O tema da permanência é um tema querido a João. É o tema do discipulado que vive na presença do Senhor, grudado nele e na sua palavra. A verdade desta permanência é a fidelidade.
[70] Cf. 2 Tm 3,14; 2 Tm 1,14.
[71] Cf. o texto de Agostinho que, no comento a estes versículos, fala do mestre interior.
[72] Cf. Rom 13, 11-12; 1Ts 5,2.5.
[73] Cf. Mt 7, 21-23.

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