sabato 30 marzo 2024

SÁBADO SANTO: O SILÊNCIO DO DIA TREMENDO

 





Paulo Cugini

 

Devemos ter a coragem de ouvi-la, sem subterfúgios, sem preencher significados, sem querer adoçar a todo custo. Porque não se pode adoçar o que não é doce, não se pode sorrir no dia mais triste do ano: o Sábado Santo. Nunca entendi o que há de sagrado neste dia horrendo. Como você pode, de fato, chamar de sagrado o dia mais vazio de todos, o dia do absurdo absoluto, o dia em que toda a humanidade fica sem fôlego, com a respiração suspensa. Porque toda a humanidade se levantou naquele dia sem saber a quem rezar, sem poder rezar a nenhum Deus, porque Deus havia morrido no dia anterior, barbaramente assassinado. E nem sempre dá para brincar de faz de conta, sem querer ver, sem querer ouvir. Sentimos falta de mulheres como Maria Madalena, que sabem chorar pelo seu mestre morto, que sabem sofrer intensamente sem fingir, sem esconder nada: isto é amor. Aquele amor que brota do coração e não do cálculo, aquele amor que é pura paixão e não racionalidade controlada, que calcula, que sabe fazer cálculos até com os sentimentos. E você não pode fingir que nada aconteceu e correr direto para o domingo, não pode ignorar esse dia terrível porque tem medo do escuro e fingir que nada aconteceu; você não pode fechar os olhos e os ouvidos para ir direto para a manhã de domingo. Acima de tudo, porém, o Domingo da Ressurreição não pode ser antecipado para o sábado de manhã, como infelizmente acontece muitas vezes em certas igrejas, que começam a preparar as decorações dominicais, como se não existisse o sábado de grande silêncio. Que falta de respeito!

O silêncio é necessário para ouvir o nada, para compreender o que seria o mundo sem sentido, isto é, sem Deus. O vazio deve poder penetrar no coração do homem e na consciência da mulher pelo menos uma vez na vida, para ter depois a possibilidade de pesar todas aquelas ideologias que nada mais são do que vazios disfarçados, aos quais nos agarramos para não morrer asfixiados. Obrigados a inventar significados, quando vemos a dois quilômetros de distância que não há sentido, que estamos subindo em espelhos, que estamos conversando com o vento e não temos coragem de ficar calados por medo de sentir o vazio, de sendo penetrado pelo Nada. Este é o sentido do Sábado Santo, que é santo precisamente por isso, porque nos permite tocar as cinzas da nossa vida, o nada dos nossos planos sem Deus.

Ficar suspenso no ar, pelo menos uma vez na vida, pode ser de grande ajuda para entender a quem e a que estamos vinculando nossa vida, a quem estamos nos enforcando. Rios diários de palavras inúteis para embelezar o que é naturalmente feio, o que sai mal, o que não tem forma, porque não pode ter forma, porque estamos apenas dando a eles. Bastaria um dia ter coragem de percorrer os locais onde acontecem os encontros entre adultos, ou seja, pelo menos uma vez na vida você teria que ficar mais de duas horas num bar, na padaria, no mercado e ouvir, prestar atenção, abrir bem os ouvidos para o que se diz, para o nada que se discute durante horas e horas. Falamos sobre o que somos e o que fazemos, onde o fazer é forçado a substituir o nada do nosso ser.

 É por isso que lutamos para ficar em silêncio no Sábado Santo, lutamos para compreender a profundidade do vazio criado pela ausência de Deus no mundo, porque esse vazio, esse silêncio é revelador, esse vazio daquele dia terrível revela o vazio que nós temos dentro de nós e que vamos cultivando aos poucos em cada momento do nosso dia. Porque a vida não tem um sentido externo, não tem significados que possamos tirar de fora, porque todo sentido atribuído de fora ou elaborado pela nossa mente não corresponde à realidade das coisas e é, portanto, pura ideologia e a ideologia é uma ficção, um exagero, um absurdo disfarçado de sentido. É por isso que a ideologia não nos preenche, porque é falsa e toda falsidade nos afasta da realidade e quanto mais aumenta a distância da realidade, aumenta ao mesmo tempo a distância com a verdade. E assim, permanecemos neste processo ideológico que com o tempo nos esvazia, nos torna falsos, nos faz avançar continuamente, porque já não somos capazes, já não somos capazes de captar o momento, a verdade, o autêntico. O sentido das coisas vem de dentro do mundo, de dentro do homem, do seu coração. Apreendemo-lo quando estamos em silêncio, quando entramos em nós mesmos, percebemos nestes momentos que o sentido da vida, o sentido profundo da existência não pode vir da matéria, não pode ser algo material, temporal, acidental.

Deve haver algo mais, mais duradouro, mais verdadeiro e profundo. Talvez este seja um dos dons mais profundos do dia terrível, daquele dia cheio de desespero que é o Sábado Santo. É, de facto, neste dia que podemos tocar em primeira mão o nada da matéria, o nada de todos os pensamentos vazios quando são ditados pela pressa de preencher de sentido o que não tem sentido. É neste dia tremendo que descobrimos a saudade de Deus, o desejo do seu amor, a beleza de estar com Ele, o sentido que Ele e só Ele pode dar à vida em todos os seus aspectos. É a partir do tremendo dia do Sábado Santo que, ao pôr do sol, podemos ver a luz radiante da madrugada do domingo, do dia mais radiante e luminoso do ano: o Domingo da Ressurreição do Senhor.

venerdì 29 marzo 2024

E ELE VIU E ACREDITOU: A PÁSCOA DO SENHOR!

 




DOMINGO DE PÁSCOA/B

(Atos 10, 34a. 37-43; Col 3,1-4; Jo 20,1-9)

Paulo Cugini

 

A Semana Santa, com as suas liturgias repletas de memórias significativas dos últimos momentos cruciais da vida de Jesus, deve ter aberto os nossos corações e as nossas mentes à novidade que o Senhor traz com a sua ressurreição. Na verdade, passamos do nível da história ao nível da fé. Não é por acaso que na primeira leitura Pedro nos adverte que Jesus apareceu depois da sua ressurreição apenas “a nós que comemos e bebemos com ele depois da sua ressurreição dentre os mortos ” (Atos 10, 41). É, portanto, aos discípulos e às discípulas que Jesus aparece depois da sua ressurreição e não a todas as pessoas, como fez quando estava vivo. É uma indicação, a meu ver, importante, porque revela que para entrar no mistério da ressurreição de Jesus precisamos sair de um caminho, movidos pelo desejo de conhecer o Senhor, que nos ajuda a fazer escolhas, que nos orientam decididamente para Ele. É como se Jesus, num certo sentido, quisesse separar-nos, isolar-nos, encontrar-nos. Esta nova presença de Jesus na história exige um novo tipo de conhecimento, que nos permita perceber a sua presença captando pistas, interpretando ausências, que falam de uma passagem, de uma presença, de um estilo, de um modo de ser.

Neste caminho de percepção de Cristo ressuscitado, o Evangelho de hoje oferece-nos algumas reflexões significativas. Qual é o significado daquela corrida de Maria Madalena, de Pedro e do discípulo que Jesus amava? A primeira cena da ressurreição narrada por João é caracterizada por uma busca num lugar onde Jesus não pode estar e que, posteriormente, gera uma série de movimentos rápidos e corridos. Há uma busca e um movimento rápido, que revela um profundo sentimento de amor por parte dos discípulos para com Jesus, revelando a profundidade dos vínculos que em pouco tempo Jesus conseguiu estabelecer com aqueles que o seguiam. A de Jesus foi uma presença preenchedora, que deu sentido às coisas, aos gestos, às escolhas. A experiência do grupo de discípulos é caracterizada pelo contato diário com Jesus, pelos gestos diários, pela partilha de tudo com Ele todos os dias. Isto diz muito sobre o significado da comunidade cristã, que não pode ser relegada a algum ritual semanal ou a algum evento durante o ano. Há uma humanidade que deve ser envolvida, há contatos humanos diários, que falam da verdade de um caminho de fé. A falta de Jesus gera naqueles que conviveram com ele um profundo sentimento de perplexidade, desespero e por isso o procuram e a percepção de que seu corpo não está onde um olhar humano imaginava que estivesse, gera pânico, um anúncio: “Eles tiraram o Senhor do túmulo ” (Jo 20, 2), que traduzido significa: “quem está vivo não pode ser procurado entre os mortos ” (ver Lucas 24,5). A partir de agora, a procura de Jesus, o estar com Ele, deverá ser abordada de forma diferente e deverá basear-se numa nova forma de relacionamento.

Na segunda parte do Evangelho de hoje, chama a atenção que Pedro e João vejam as mesmas coisas, mas só de João se diz que: “viu e acreditou” (Jo 20,8). Há, portanto, um ver que não provoca a fé em Cristo ressuscitado e um ver que, ao contrário, abre os olhos para a presença nova de Jesus. A partir das narrativas dos Evangelhos percebemos traços das personalidades e intenções dos discípulos. Assim, se Pedro provavelmente seguiu Jesus pelo que ele poderia representar no processo de libertação do povo de Israel da presença dos romanos, João, por sua vez, ficou fascinado pela personalidade de Jesus e sentiu um carinho fraterno por ele, a ponto de estar atento aos mínimos detalhes. Por isso, ao entrar no sepulcro vazio e ver “os panos ali postos e o sudário – que estava sobre a sua cabeça – não colocados ali com os panos, mas embrulhados num lugar separado” (Jo 20, 6-7), Pedro não “vê” nada em particular, enquanto João entende que aquela forma de colocar os panos e o sudário era típica de Jesus e, por isso, reconhece os sinais da sua presença, da sua passagem.

A Páscoa de Jesus nos diz que o conhecimento Dele vem através de detalhes, pistas que só podem ser reconhecidas por quem se dedica a Ele, que está voluntariamente com o Senhor, que gosta de ouvir a Sua Palavra porque está aí mesmo o primeiro indício de a sua presença misteriosa: “ ainda não tinham compreendido a Escritura, que era necessário que ele ressuscitasse dentre os mortos ” (Jo 20,9). Queremos encontrar o Ressuscitado? Vamos começar a ler as Escrituras!

 

mercoledì 27 marzo 2024

HOMILIA DA QUINTA-FEIRA SANTA 2024

 

 


 

JESUS ​​​​SABIA

Paulo Cugini

 

“Jesus sabendo...” (Jo 13,1). Iniciamos o Tríduo Pascal com a percepção que Jesus tem do seu próprio caminho e este pequeno versículo deve ajudar-nos a desmantelar na nossa alma aquele ensinamento tipicamente devocional e nada evangélico, que vê o Pai oferecendo o seu Filho como sacrifício pela nossa salvação.  Nada disto aparece no Evangelho de hoje, mas sim a percepção de um homem que tem plena consciência das suas próprias escolhas e está disposto a pagar por isso. O que é que Jesus sabe? Ele tem plena consciência de que a sua posição contra as tradições religiosas, contra os líderes religiosos do povo que não compreendem o ponto de vista de Jesus, a sua escolha de encarnar as profecias do messias portador da paz e da justiça e de não ser o ponto de referência das expectativas políticas revolucionárias, terá consequências graves e pelas quais, precisamente nessas horas, ele terá de pagar. É Jesus quem se entrega livremente à sua paixão (a segunda oração eucarística também o diz) e o faz por amor ao seu Pai, por amor aos seus discípulos. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim ” (Jo 13,1). Isto significa que os últimos dias da vida pública de Jesus, antes de serem um drama, são uma bela história de amor, fruto das escolhas livres de um homem livre, que mostrou o caminho de uma vida autêntica, com gestos e escolhas concretas e, precisamente por isso as suas palavras eram compreensíveis, porque eram visíveis no seu estilo de vida.

“Jesus sabendo que o Pai tinha entregado tudo em suas mãos e que viera de Deus e para Deus voltaria” (Jo 13,3). Mistério do conhecimento de Jesus sobre o caminho de sua vida. Há esta insistência no conhecimento de Jesus e, neste caso, num segundo nível de percepção. Portanto, não só Jesus se entrega gratuitamente, mas também sabe muito bem de onde vem e conhece o poder que Deus colocou em suas mãos. Que poder é esse? O poder da vida verdadeira, que só pode gerar amor em quem a acolhe. Foi isso que Jesus fez durante a sua vida, amando sem medida, devolvendo a dignidade a quem a havia perdido, abraçando os leprosos, valorizando quem foi humilhado. É o poder de quem não precisa provar nada ao mundo, porque sente que a sua dignidade depende exclusivamente do olhar do Pai. Pois bem, com a consciência no coração de ter recebido tudo do Pai, levanta-se da mesa e lava os pés dos seus discípulos. É como se Jesus quisesse esconder este poder do Pai no pequeno gesto de serviço à sua irmã, ao seu irmão. Cada vez que nos dobramos, que nos colocamos ao serviço dos outros, entramos em contacto com o poder de Deus, que é amor, vida autêntica, que, nestas situações, vivemos e que nos enche desproporcionalmente o coração.

“Você entende o que eu fiz por você?” (Jo 13, 12). Jesus nada faz por si mesmo e, assim, ensina-nos que é precisamente vivendo para os outros que fazemos algo por nós mesmos, que realizamos a nossa natureza humana, que é feita para amar e amar significa ir ao encontro do outro. um livre e desinteressado. É por isso que a Eucaristia que celebramos todos os domingos é o símbolo da vida de Jesus que queremos assimilar para que também se torne nossa: um corpo partido e um sangue derramado por nós. É o Espírito Santo que recebemos que deve poder operar em nós, formando uma humanidade capaz de sair finalmente da estreita vida individualista, de caminhar em direção aos outros, de acolher quem aparece no nosso horizonte, tal como ele fez e continua a fazer Jesus com cada um de nós.

 

lunedì 18 marzo 2024

DOMINGO DOS RAMOS/B

 




O SENHOR DEUS ABRIU MEU OUVIDO

(Is 50, 4-7; Fil 2, 6-11; Mc 11, 1-11 e  Mc 14-15)

Paulo Cugini

 

Com o Domingo de Ramos entramos na Semana Santa, durante a qual somos convidados a refletir sobre o mistério da paixão de Jesus, da sua morte e ressurreição. São dias intensos que, se nós nos deixarmos envolver, deixarão sem dúvida a sua marca no nosso caminho de fé e, em geral, na nossa vida. Acompanhando as leituras que ouviremos, poderemos aprender lições e chaves de leituras que podem nos ajudar ao longo da semana.

O Senhor Deus abriu-me os ouvidos e não resisti” (Is 50, 5). A letra do terceiro cântico do servo, que encontramos na segunda parte do livro do profeta Isaías, nos dá um personagem que, em vários aspectos, antecipa vários traços daquilo que veremos em Jesus. que se sente chamado por Deus para consolar os desanimados, com aquela Palavra que ouve pela manhã. O servo tem a clara percepção de que a possibilidade de compreender a Palavra é obra do Senhor, palavra que gera dissensão entre aqueles que a recebem, a ponto de colocar em risco a própria vida do servo de YHWH. A relação profunda com o Pai permite ao servo do Senhor enfrentar situações de conflito e não se intimidar. Levar uma palavra de amor e de justiça, num mundo conflituoso e cheio de ódio e injustiça, só pode causar tensões e incompreensões que, se não forem vividas constantemente no horizonte da relação com o Pai, correm o risco de nos esmagar e de nos ferir, colocando-nos em perigo.

“Ele se esvaziou assumindo a forma de servo” (Fl 2,7). É a resposta de Jesus à arrogância do mundo, ao orgulho típico daquela humanidade que pensa já saber tudo e se coloca na atitude de ter que ensinar os outros. Jesus responde baixando as armas, despojando-se de tudo, de qualquer elemento que pudesse temer a grandeza e, desta forma, afasta qualquer possibilidade de argumentação arrogante, porque Ele vem ao mundo como um servo disponível para servir, como então o fará. na última ceia, lavando os pés dos seus discípulos. Ele repetirá durante toda a vida que o modo de estar no mundo dos discípulos não é parecer maior que os outros, mas fazer-se pequeno, humilhar-se, como fez Aquele que, sendo rico, se fez pobre (ver 2Cor 8,9) e “mesmo estando na condição de Deus, não considerou ser como Deus um privilégio, mas esvaziou-se a si mesmo” (Fl 2,6). Jesus veio para inaugurar novas relações, uma nova forma de estar no mundo, de entrar em contato com os outros, não mais medida pela força, pela vontade de poder, mas por aquela liberdade que vem de um coração rico e cheio de amor. “Por isso Deus o exaltou” (Fl 2, 9) porque se humilhou, humilhou-se, para poder chegar a todos. Com seu estilo, Jesus criou espaço para que todos se sentissem à vontade e nos explicou com seu exemplo que relacionamentos fundados no amor de Deus exigem humilhação, humildade e delicadeza.

Foram e encontraram o burro perto de uma porta” (Mc 11, 4). É este novo estilo de Jesus que tem criado consternação, dissensão, preocupação, porque daquele que se afirma Filho de Deus, o messias esperado e, portanto, alguém importante, esperamos ações e palavras que justifiquem a suposta grandeza. E, em vez disso, Jesus segue o caminho oposto. Ele não montou um cavalo para entrar em Jerusalém, como sempre fizeram todos os reis que se prezam, mas entrou montado num burro, como fazem os servos. Jesus encarna plenamente o messias que veio estabelecer um reino de paz, para transformar as armas em ferramentas para trabalhar os campos, para arar e semear, tal como disseram alguns profetas (cf. Zc 9,9; Is 11,4). E assim, Jesus entrando em Jerusalém desta forma confirma as suas escolhas e distancia-se definitivamente de todos aqueles que lhe exigiam que encarnasse as expectativas de uma parte do povo, que exigia um messias forte, capaz de liderar o exército contra os romanos e alcançar assim a libertação de Israel. Jesus, porém, encarnando as profecias que anunciavam a vinda de um rei de paz, torna-se protagonista de uma libertação muito mais profunda, capaz de mudar a história a partir de dentro, como o grão de trigo que, morrendo na terra, produz muitos frutos. 

sabato 16 marzo 2024

V DOMINGO DA QUARESMA/B

 



NOVA ALIANÇA


Jr 31,31-34; Hb 5,7-9; João 12, 20-33

Paulo Cugini

 

     Aproximamo-nos da Páscoa e a liturgia da Palavra dá-nos um vislumbre do sentido deste caminho espiritual que, ao mesmo tempo, é um caminho de humanização. Jesus é a nova aliança profetizada por Jeremias, é a luz nas trevas da noite, é o grão de trigo que morreu para nos dar vida. Podemos compreender esta novidade libertando-nos das nossas tentativas de autossalvação, deixando que o Espírito Santo nos toque no fundo da nossa consciência.

“Porei a minha lei no seu interior, e a escreverei nos seus corações ” (Jr 31, 33). Numa época, a do século VI a.C., em que a Palestina estava ameaçada por todos os lados - Egipto pelo Sul e Nabucodonosor pelo Noroeste - e era perceptível a ruína iminente, que, como sabemos, acontecerá a partir de 587 a.C, o profeta tenta ajudar o povo convidando-o a olhar para outro lugar, para além da destruição iminente. Se é verdade que a Antiga Aliança não funcionou, a ponto de os sábios de Israel interpretarem os acontecimentos de destruição social como consequência da desobediência do Povo às leis que Deus havia confiado a Moisés, é igualmente verdade que este fracasso não é simplesmente um sinal de um fracasso histórico sem retorno, mas torna-se espaço para uma nova possibilidade de vida. Jeremias encoraja o povo de Israel mostrando-lhe uma nova perspectiva, um novo modo que Deus escolheu para revelar a sua palavra de amor, que orienta as pessoas para uma vida mais autêntica. Há, portanto, uma iniciativa de Deus que intervém surpreendentemente na história, não para condenar a humanidade, mas para envolvê-la na sua infinita misericórdia: « Perdoarei a sua iniquidade e não me lembrarei mais dos seus pecados » (Jr 31, 34). É nesta nova aliança de amor que as pessoas são chamadas a repensar-se e a redescobrir uma nova forma de estar no mundo. Este modo de proceder de Deus manifestado pelo profeta Jeremias contém, na minha opinião, um grande ensinamento para a comunidade cristã. Em situações difíceis em vez de perder tempo a queixar-se e a pensar nos tempos passados, a comunidade cristã é chamada a pensar algo novo, a implementar novas estratégias. As leituras de hoje ensinam-nos que, neste esforço de criatividade, não estamos sozinhos porque podemos recorrer aos conteúdos que o Espírito derramou em nós, nas nossas consciências e que estão apenas à espera de serem invocados.

Se o grão de trigo não morre fica só, mas se morre produz muito fruto” (Jo 12.24). Se quiséssemos dar um nome, um rosto à Nova Aliança anunciada pelo profeta Jeremias, só podemos mencionar o nome de Jesus: na verdade, Ele é a Nova Aliança, é o seu modo de viver por amor, que quebra o estilo de vida baseado no egoísmo, é a sua doação desinteressada que rompe os padrões meritocráticos tão presentes também na vida das comunidades cristãs. Só podemos ir ao encontro do outro de forma desinteressada e livre seguindo o exemplo de Jesus, se nos encontrarmos num caminho de transformação, de relação constante com o Senhor, que nos despoja progressivamente dos resíduos do nosso egoísmo. É o Senhor quem nos salva do nosso destino de solidão, produzido pela tentativa de realizar a nossa vida confiando apenas nas nossas próprias forças, o que nos leva a ver os outros não como irmãos e irmãs, mas como inimigos a combater. Um mundo novo é possível quando aprendemos a ser visionários como o profeta Jeremias, que viu novos caminhos onde o povo só via lágrimas e desespero. Quanto a Jesus cuja hora de manifestação da sua glória se realiza na cruz, sinal do seu imenso amor para com o Pai, assim também para nós quando despojados do nosso egoísmo vivemos intensamente a vida fraterna, manifestando assim a nova aliança que é a vida de Cristo entre nós. Isto é o que o mundo precisa ver para acreditar no Senhor: novas mulheres e homens que já não vivem para si mesmos, mas que escolhem viver uma vida de doação gratuita por amor.