(Jó 7,1-4. 6-7; Sl 146; 1
Cor 9,16-19.22-23; Mc 1, 29-39)
A Palavra de Deus
não só oferece indicações úteis para a vida, mas também apresenta chaves para
compreender a condição humana. É o que lemos hoje na primeira leitura retirada
de um texto do livro de Jó: “ lembra-te que a minha vida é um sopro ”
(Jó 7.7). São palavras que abordam um tema frequentemente recorrente na Bíblia,
desde a literatura profética até a literatura sapiencial. Com efeito, o próprio
Isaías afirma: “ Como um tecelão, distorceste a minha vida... Do dia à noite
levaste-me ao limite ” (Is 38,12). Até a literatura deuteronomista,
desenvolvida na época do exílio na Babilônia, elabora uma reflexão em harmonia
com o relatado até agora: “ De manhã direis: se fosse tarde! E à noite você
dirá: se fosse de manhã! Por causa do medo que agitará o seu coração e das
coisas que os seus olhos verão ” (Dt 28,67). Talvez, porém, a reflexão mais
profunda neste sentido se encontre no livro de Eclesiastes, animado por uma
visão pessimista da existência que, por vezes, beira o niilismo mais radical
nas repetidas passagens em que afirma que: “tudo é vaidade”. (Eclesiastes
2:23), que não há sentido na vida. “ Todos os dias do homem nada mais são do
que dores dolorosas e aborrecimentos; nem de noite o seu coração descansa ”
( Eclesiastes 2:23). Tudo isto para dizer que a condição existencial da vida
quotidiana deve lidar com toda uma série de problemas, que limitam a ação de
homens e mulheres, dificultam os seus sonhos e projeções futuras.
“ Quando chegou
a tarde, depois do pôr do sol, trouxeram-lhe todos os doentes e possessos ”
(Mc 1,32). Jesus é quem pode curar as feridas da humanidade! A partir de agora
há algo na história, um princípio de vida plena que preenche todos os pedidos
de sentido, que é capaz de curar todas as feridas da alma, que é capaz de
orientar qualquer pessoa neste mundo que perdeu o rumo. Jesus veio cumprir as
expectativas anunciadas pelos profetas, que de certa forma responderam ao grito
desesperado da literatura sapiencial: “ Ó todos vocês que têm sede, venham à
água, vocês que não têm dinheiro, venham, comam: venham, compre sem pagar, sem
pagar vinho e leite… Incline o ouvido e venha a mim, ouça e você viverá ”
(Is 55,1.2). Jesus é a água que sacia a sede, o pão que alimenta, a Palavra que
orienta e dá sentido à vida.
Nestas palavras
há, a meu ver, uma grande indicação espiritual que a liturgia nos permite
vislumbrar. A ferida é o ponto de partida da descoberta de Deus. Além disso, o
salmo que ouvimos na liturgia nos lembra isto: “Eu te dei consciência do meu
pecado, não encobri a minha culpa ” (Sl 31). É o que não aceitamos em nós
mesmos, o que nos faz sofrer e que, de qualquer forma, tentamos esconder de nós
mesmos e dos outros e que provoca anos de fuga em busca de alívio em outro
lugar, um alívio causado pelo esquecimento, por querer esquecer em algum lugar.
tudo custa o que nos molda, nos forma. Pois bem, a Palavra de hoje diz-nos que
Jesus veio curar precisamente aquela ferida que escondemos de nós mesmos com
tanto cuidado, aquela que não nos deixa dormir à noite, que nos faz sentir mal,
que machuca ao ponto que nos faz questionar constantemente o sentido autêntico
da nossa existência. É parando um dia para nos escutarmos, para olharmos o que
de muitas maneiras tentamos esconder de nós mesmos e dos outros, com um olhar
sincero, aberto a uma intervenção salvadora que vem do alto, que podemos
experimentar a presença Dele que veio nos salvar com seu amor.
Como ser curado
pelo Senhor? Deixar-se tocar por Ele. “ Aproximou-se e fê-la levantar-se,
tomando-a pela mão” (Mc 1,31). Permita que Jesus nos unja com o bálsamo do
seu amor, com o som da sua voz. É olhando com sinceridade para a nossa ferida
que podemos experimentar o toque do Senhor, que vem ao nosso encontro com a sua
Palavra, com a comunidade na qual se faz vivo e presente. É abrindo a ferida
diante do Senhor que podemos experimentar o dom da sua humanidade que
encontramos nos sacramentos, sinais visíveis do seu amor invisível. E é
completando este caminho de libertação e de salvação que também nós poderemos
dizer com o salmista: “ Alegrai-vos no Senhor e exultai, justos! Todos vocês
que são retos de coração, gritem de alegria!” (Sl 31).
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