O SENHOR DEUS ABRIU MEU OUVIDO
(Is 50, 4-7; Fil 2, 6-11; Mc 11, 1-11 e Mc 14-15)
Paulo Cugini
Com o
Domingo de Ramos entramos na Semana Santa, durante a qual somos convidados a
refletir sobre o mistério da paixão de Jesus, da sua morte e
ressurreição. São dias intensos que, se nós nos deixarmos envolver,
deixarão sem dúvida a sua marca no nosso caminho de fé e, em geral, na nossa
vida. Acompanhando as leituras que ouviremos, poderemos aprender lições e
chaves de leituras que podem nos ajudar ao longo da semana.
“O
Senhor Deus abriu-me os ouvidos e não resisti” (Is 50, 5). A letra do
terceiro cântico do servo, que encontramos na segunda parte do livro do profeta
Isaías, nos dá um personagem que, em vários aspectos, antecipa vários traços
daquilo que veremos em Jesus. que se sente chamado por Deus para consolar os
desanimados, com aquela Palavra que ouve pela manhã. O servo tem a clara
percepção de que a possibilidade de compreender a Palavra é obra do Senhor,
palavra que gera dissensão entre aqueles que a recebem, a ponto de colocar em
risco a própria vida do servo de YHWH. A relação profunda com o Pai
permite ao servo do Senhor enfrentar situações de conflito e não se
intimidar. Levar uma palavra de amor e de justiça, num mundo conflituoso e
cheio de ódio e injustiça, só pode causar tensões e incompreensões que, se não
forem vividas constantemente no horizonte da relação com o Pai, correm o risco
de nos esmagar e de nos ferir, colocando-nos em perigo.
“Ele
se esvaziou assumindo a forma de servo” (Fl 2,7). É a resposta
de Jesus à arrogância do mundo, ao orgulho típico daquela humanidade que pensa
já saber tudo e se coloca na atitude de ter que ensinar os outros. Jesus
responde baixando as armas, despojando-se de tudo, de qualquer elemento que
pudesse temer a grandeza e, desta forma, afasta qualquer possibilidade de
argumentação arrogante, porque Ele vem ao mundo como um servo disponível para
servir, como então o fará. na última ceia, lavando os pés dos seus
discípulos. Ele repetirá durante toda a vida que o modo de estar no mundo
dos discípulos não é parecer maior que os outros, mas fazer-se pequeno,
humilhar-se, como fez Aquele que, sendo rico, se fez pobre (ver 2Cor 8,9) e “mesmo
estando na condição de Deus, não considerou ser como Deus um privilégio, mas
esvaziou-se a si mesmo” (Fl 2,6). Jesus veio para inaugurar novas
relações, uma nova forma de estar no mundo, de entrar em contato com os outros,
não mais medida pela força, pela vontade de poder, mas por aquela liberdade que
vem de um coração rico e cheio de amor. “Por isso Deus o exaltou”
(Fl 2, 9) porque se humilhou, humilhou-se, para poder chegar a todos. Com
seu estilo, Jesus criou espaço para que todos se sentissem à vontade e nos
explicou com seu exemplo que relacionamentos fundados no amor de Deus exigem
humilhação, humildade e delicadeza.
“Foram
e encontraram o burro perto de uma porta” (Mc 11, 4). É este novo
estilo de Jesus que tem criado consternação, dissensão, preocupação, porque
daquele que se afirma Filho de Deus, o messias esperado e, portanto, alguém
importante, esperamos ações e palavras que justifiquem a suposta grandeza. E,
em vez disso, Jesus segue o caminho oposto. Ele não montou um cavalo para
entrar em Jerusalém, como sempre fizeram todos os reis que se prezam, mas
entrou montado num burro, como fazem os servos. Jesus encarna plenamente o
messias que veio estabelecer um reino de paz, para transformar as armas em
ferramentas para trabalhar os campos, para arar e semear, tal como disseram
alguns profetas (cf. Zc 9,9; Is 11,4). E assim, Jesus entrando em
Jerusalém desta forma confirma as suas escolhas e distancia-se definitivamente
de todos aqueles que lhe exigiam que encarnasse as expectativas de uma parte do
povo, que exigia um messias forte, capaz de liderar o exército contra os
romanos e alcançar assim a libertação de Israel. Jesus, porém, encarnando
as profecias que anunciavam a vinda de um rei de paz, torna-se protagonista de
uma libertação muito mais profunda, capaz de mudar a história a partir de
dentro, como o grão de trigo que, morrendo na terra, produz muitos frutos.