Semana de retiro espiritual ás irmãs adoradoras do sangue de Cristo
6-12 setembro 2024 – Manaus
Paolo
Cugini
Elemento importante na nossa caminhada de espiritualidade
bíblica sobre o tema da amizade é a proposta da fraternidade. Já no A.T. esta
proposta aparece na imagem do Povo de Deus. Israel é declarado como povo
consagrado a JHWH (Dt 7, 6), um povo que Deus escolheu “para que pertenças a
ele como seu povo próprio dentre todos os povos que existem na face da terra”
(Dt 7,6). Israel é, então, chamado, escolhido a ser um povo que manifesta uma característica
especial: pertencer a IHWH.
Ouve,
ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de
todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças. Os
mandamentos que hoje te dou serão gravados no teu coração. Tu os inculcarás a teus filhos, e deles
falarás, seja sentado em tua casa, seja andando pelo caminho, ao te deitares e
ao te levantares (Dt 6,4-7).
Para ser o povo de Deus que pertence a IHWH deve amá-lo
de todo coração. O amor a Deus é o elemento que permite ao Povo de manifestar a
diferença entre os outros povos. A separação produz como consequência imediata
a exigência da santidade:
Pois eu sou o Senhor, vosso
Deus. Vós vos santificareis e sereis santos, porque eu sou santo. Não vos
contaminareis com esses animais que se arrastam sobre a terra, porque eu sou o
Senhor que vos tirou da terra do Egito para ser o vosso Deus. Sereis santos
porque eu sou santo (Lv 11, 44-45).
Sabemos como a
história se desenvolveu e como o povo escolhido por Deus se perdeu ao longo dos
séculos, não conseguindo viver as exigências pedidas por JHWH.
Jesus veio para reconstruir o novo povo de Deus. Esta
ideia não é presente apenas na escolhe dos 12 apóstolos, como seguidores e
representantes das doze tribos de Israel, mas sobretudo no grupo de pessoas que
ele escolheu para anunciar o Evangelho junto com ele. É uma pequena comunidade
que anuncia o evangelho, que é a boa nova. O anúncio de uma humanidade nova
alicerçada no amor fraterno, tão radical ao ponto de exigir o amor para os
inimigos, não podia ser feito que com um grupo de pessoas cuja vivência manifestava
aquilo que o Mestre andava dizendo e fazendo. As bem-aventuranças são sem
dúvida a carta magna deste novo estilo de vida, que manifesta uma diversidade dos
irmãos e as irmãs em Cristo (Mt 5,1-11). A busca de Deus da nova comunidade
deve ser visível na vida despojada, no abandono á providência:
Portanto,
eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis, nem por
vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais do que o alimento e o corpo
não é mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem
recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito
mais que elas? Qual de vós, por mais que se esforce, pode acrescentar um só
côvado à duração de sua vida? E por que
vos inquietais com as vestes? Considerai como crescem os lírios do campo não
trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos
digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles. Se
Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao
fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos?
Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso.
Ora, vosso Pai celeste sabe que necessitais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a
sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo. Não vos
preocupeis, pois, com o dia de amanhã: o dia de amanhã terá as suas
preocupações próprias. A cada dia basta o seu cuidado (Mt
6, 25-34).
Esta página do Evangelho é fundamental para reconhecer
a nova proposta de Jesus. A santidade exigida não se mede mais num
relacionamento de tipo religioso, mas no estilo de vida. É visível a busca de
Deus por parte da nova comunidade de discípulos e discipulas, no estilo de vida
simples e despojados. Além disso, esta diferença deve ser visível também na
postura de buscar constantemente o último lugar e de não entrar em brigas pelo
poder.
Nisso
aproximou-se a mãe dos filhos de Zebedeu com seus filhos e prostrou-se diante
de Jesus para lhe fazer uma súplica. Perguntou-lhe ele: Que queres? Ela respondeu:
Ordena que estes meus dois filhos se sentem no teu Reino, um à tua direita e
outro à tua esquerda. Jesus disse: Não
sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu devo beber? Sim,
disseram-lhe. De fato, bebereis meu cálice. Quanto, porém, ao sentar-vos à
minha direita ou à minha esquerda, isto não depende de mim vo-lo conceder.
Esses lugares cabem àqueles aos quais meu Pai os reservou. Os dez outros, que
haviam ouvido tudo, indignaram-se contra os dois irmãos. Jesus, porém, os chamou e lhes disse: Sabeis
que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as governam com
autoridade. Não seja assim entre vós.
Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, se faça vosso servo. E o que quiser tornar-se entre vós o primeiro,
se faça vosso escravo. Assim como o
Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em
resgate por uma multidão (Mt 20,20-28).
Nada de busca de poder, de brigas para ser o melhor
entre os irmãos e as irmãs que se reconhecem na proposta de Jesus, mas desejo
de servir, de ser o último, o pequeno. É sem dúvida uma nova espiritualidade
que Jesus propõe, uma espiritualidade que não é humana, não é uma filosofia,
mas é fruto exclusivamente da ação do Espírito Santo, que reproduz em nós os
traços da humanidade de Jesus. É aquilo que Jesus mesmo falou no diálogo com
Nicodemos quando afirmou que era necessário renascer do alto. Para pertencer ao
grupo de discípulos e discipulas de Jesus é necessária esta disponibilidade
interior, deixar o espaço na própria alma para que o Espírito Santo possa
reconstruir em nós os traços da humanidade de Jesus.
É Paulo que entendeu muito bem este aspecto da nova
fraternidade de Jesus, quando em várias circunstâncias aponta dois tipos de possibilidade
de vida: segundo a carne e segundo o Espírito. São duas modalidades diferentes ei
viver, que manifestam atitudes e estilos contrapostos. Uma pagina exemplar
disso se encontra em Gálatas:
Digo,
pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da
carne. Porque os desejos da carne se
opõem aos do Espírito, e estes aos da carne pois são contrários uns aos outros.
É por isso que não fazeis o que quereríeis. Se, porém, vos deixais guiar pelo Espírito,
não estais sob a lei. Ora, as obras da
carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição,
inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas,
bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. Dessas coisas vos previno, como
já vos preveni: os que as praticarem não herdarão o Reino de Deus! Ao
contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência,
afabilidade, bondade, fidelidade, temperança. Contra estas coisas não há lei. Pois os que são de Jesus Cristo crucificaram a
carne, com as paixões e concupiscências. Se vivemos pelo Espírito, andemos
também de acordo com o Espírito (Gal 5, 16-25).
A vida fraterna, que expressa a amizade do Senhor
entre os irmãos e as irmãs, é formada pela ação do Espírito Santo que transforma
a nossa humanidade naquela mesma imagem que contemplamos quando lemos o
Evangelho (cfr. 2 Cor 3,18). Quero terminar esta reflexão bíblica citando uma
das tantas recomendações de Paulo para as pessoas que frequentavam a
comunidade:
Alegrai-vos
sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos! Seja conhecida de todos os homens a vossa
bondade. O Senhor está próximo. Não vos
inquieteis com nada! Em todas as circunstâncias apresentai a Deus as vossas
preocupações, mediante a oração, as súplicas e a ação de graças. E a paz de Deus, que excede toda a
inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo
Jesus. Além disso, irmãos, tudo o que é
verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o
que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o
que deve ocupar vossos pensamentos (Fil
4,4-8).
Tomamos a sério estas recomendações de Paulo para
viver melhor e em modo mais saudável a nossa amizade em Cristo e entre nós.
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