Paulo Cugini
Há uma
história de Tolstoi, o grande escritor russo do século XIX, que conta a
história de um jovem que um dia decidiu sair de casa em busca de um
tesouro. Este homem passou a vida viajando por mares e rios, vivendo em
vários países em busca de tesouros, mas nunca os encontrou. Quando suas
forças falharam devido à idade, ele decidiu voltar para casa. Certa manhã,
enquanto procurava algo que havia deixado cair, ao mover o fogão, notou um
alçapão. Ele o moveu e logo abaixo do alçapão encontrou o tesouro que
procurava durante toda a vida. A moral da história de Tolstoi é que as
coisas mais preciosas da vida estão perto de nós, ao nosso alcance.
Esta consideração aplica-se à celebração de hoje. Na verdade, Jesus,
o Filho de Deus, ao vir à terra e nascer numa família, comunicou-nos que todos
os materiais, todas as ferramentas que necessitamos para dar sentido à nossa
existência, para humanizá-la, temos debaixo do nariz, isto é, em nossa
família. Vamos à igreja para nos tornarmos mais humanos, mais sensíveis,
mais atentos aos outros e pessoas menos egoístas. Pois bem, o Natal nos
diz que Deus colocou na família tudo o que é necessário para esta
jornada. Na verdade, foi assim também para Jesus, Jesus aprendeu também
com a vida familiar, com a sua relação com José e Maria, com os seus familiares
o que significa ser e tornar-se homem. A divindade de Jesus encontra-se
nos traços da sua humanidade, que se moldou ao longo do tempo graças também à
relação com Maria e José. E, de fato, são ditos vários traços da
humanidade de Jesus sobre sua mãe Maria e seu pai José.
O
Evangelho que ouvimos fala-nos também de elementos essenciais da identidade de
Jesus, que se manifestarão na sua vida adulta. Terminados os dias da
purificação ritual, segundo a lei de Moisés, [Maria e José] levaram o menino
[Jesus] a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor - como está escrito na lei do
Senhor: «Cada o primogênito macho será consagrado ao Senhor » - e oferecer
em sacrifício um par de rolas ou dois pombinhos, como prescreve a lei do Senhor» (Lc
2,22-23).
De um
ponto de vista geral, o trecho evangélico fala-nos da missão de Jesus, nascido
de mulher, nascido sob a lei, para libertar os homens e as mulheres do peso da
lei, não a anulando, mas mostrando, por um lado, as deformações produzidas a
partir dos interesses humanos e, por outro, mostrando o seu significado
autêntico. Jesus vem ao mundo para mostrar que a única lei que deve ser
seguida é a do amor e, desta forma, desmascara todas aquelas leis, inclusive as
religiosas, que, ao contrário, vinculam o homem e a mulher, aprisionam-nos numa
rede de preceitos com o único objetivo de controlá-los.
Os
pais trazem Jesus para o momento de cumprir dois requisitos da lei. A
primeira é a purificação de Maria que, de acordo com o Livro do Levítico (Lv
12, 1), considera impura a mulher que dá à luz um filho e, por isso, deve
purificar-se e deve permanecer trinta e três dias para purificar, se livrou do
sangue dele, pois neste estado não conseguia acessar o Templo (no caso de uma
filha os dias de purificação são 66! Da série: a força assustadora da cultura
patriarcal). A segunda prescrição é a redenção dos primogênitos, com
dinheiro ou, para as famílias pobres, como é o caso de Maria e José, com duas
rolas ou dois pombos. Como diz Paulo aos Gálatas: « Quando chegou
a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob
a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei» (Gl 4,4-5).
Enquanto
Maria e José sobem ao Templo, o homem do Espírito, o profeta Simeão, vem do
Templo, como se quisesse impedir o rito inútil. Simeão pega a criança nos
braços e bendiz a Deus: será luz para iluminar as nações, as etnias, o que
indica os povos pagãos. O amor do Senhor é universal e chega até aos
pagãos. Mensagem chocante para ouvidos acostumados a ouvir uma palavra de
mão única, referindo-se apenas à salvação do povo judeu. O messias, longe
de ser o salvador apenas dos judeus, leva o amor de Deus a todas as
nações. Esta discussão aplica-se também a nós que recebemos e acolhemos o
Espírito do Senhor: a comunidade cristã deve tornar-se progressivamente um
espaço aberto a todos.
Depois, voltando-se para Maria Simeão, acrescenta: “uma espada traspassará também a tua alma, para que se manifestem os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 35). Toda uma tradição deturpou este versículo, interpretando-o com imagens de dor, embora o significado seja bem diferente. A espada, de fato, na Bíblia, é a imagem da Palavra de Deus, como nos lembra a carta aos Hebreus onde se diz que: “A Palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, penetra até a divisão da alma e do Espírito” (Hb 4:12). Simeão diz a Maria que as Palavras do seu Filho a levarão a escolhas dolorosas. Assim como Maria acolheu as palavras do anjo e se tornou Mãe de Jesus, agora deverá acolher as Palavras de seu Filho para continuar o caminho e tornar-se discípula, protótipo de todos os discípulos do Senhor.
O Evangelho convida-nos a seguir Jesus no seu caminho fora do templo e da religião de preceitos e doutrinas que aprisionam o homem e a mulher e os brutalizam, para abraçar a fé, a confiança no Pai, que deseja relações novas e autênticas para os seus filhos e filhas.