Lc 4,1-11
Paolo Cugini
O primeiro domingo da Quaresma, em todos os três ciclos litúrgicos, começa com a página das tentações de Jesus. Para compreender a profundidade da mensagem contida nesta narrativa, devemos tentar contextualizá-la. O que significa, então, ler esta página em um contexto pós-cristão? Como o paradigma pós-teísta pode nos ajudar a compreender novos conteúdos? Há toda uma leitura religiosa e devocional que há séculos orienta a interpretação desta página, destacando os aspectos penitenciais e sacrificiais, como se a penitência e o sacrifício fossem instrumentos indispensáveis para ganhar a vida eterna. Na realidade, a experiência humana de Jesus narrada nesta página está esvaziada de qualquer elemento religioso. Os eventos, de fato, não acontecem em uma sinagoga, em um espaço sagrado, mas no deserto, que poderíamos definir como um não-espaço, no sentido de que não se identifica com nenhum espaço em particular. O que Jesus vivencia no deserto é uma antecipação do que ele vivenciará durante sua vida pública. Jesus é um homem que nunca foi atraído por desejos de glória humana, de poder. Jesus é um homem cuja liberdade lhe permitiu não ficar preso à força dos seus instintos, que sempre soube direcionar para o objetivo que havia estabelecido.
Esta é, em essência, a proposta que emerge da página das tentações e que nos é dirigida no início da Quaresma, que é um caminho para apreender com maior consciência o mistério da vida plena, que se manifestou nas escolhas de Jesus. É possível viver a própria humanidade de forma livre e plena, sem se deixar atrair por aquelas propostas que, a longo prazo, causariam escravidão interna e externa. Existe a possibilidade de uma vida plena, realizada no dom livre e gratuito de si mesmo, uma vida boa e justa que se tornou visível na vida de Jesus e, por isso, ao alcance de todos.
O problema, neste ponto, é conseguir compreender o método que permitiu a Jesus viver dessa forma livre e plenamente realizada no amor e na justiça. Na página em questão há algumas indicações que podem nos ajudar. Jesus permaneceu “no deserto durante quarenta dias”: este é o primeiro fato. Para poder viver livremente, você precisa dedicar muito tempo ao seu eu interior; para usar as palavras de Sócrates, você precisa cuidar da sua alma. Esta é uma tarefa que está ao alcance de todos e não é específica dos religiosos: todos nós temos uma dimensão interior. O fato de essa experiência ocorrer no deserto é outro fato importante, porque nos diz, como afirmei acima, que ela não ocorre em um contexto religioso. “Ele não comia nada naquela época.” Esta não é uma indicação penitencial, mas existencial. Qualquer pessoa que tenha dedicado longos períodos à meditação e à cura interior sabe muito bem que uma vida sóbria e a atenção para não exagerar na comida auxiliam no caminho espiritual de contato com a própria consciência. “Tentado pelo diabo”: podemos traduzir esta expressão com a percepção que a força dos instintos exerce sobre nós, principalmente quando estamos imersos nas preocupações cotidianas, dando pouca atenção à nossa vida interior e, portanto, mais vulneráveis no plano existencial.
Há uma possibilidade de vida autêntica que nos é oferecida no início do caminho quaresmal. Para entrar neste caminho, devemos libertar-nos das incrustações religiosas que, ao longo dos séculos, identificaram a Quaresma com ações penitenciais, perdendo o verdadeiro horizonte da Quaresma, que é a humanidade de Jesus, a sua liberdade, a sua vida de amor livre e desinteressado. Dedicar tempo a esta mensagem, assimilar diariamente as páginas propostas do Evangelho, significa cultivar o desejo de ser pessoas novas, mais autênticas, como Jesus. O mundo precisa de pessoas assim mais do que nunca. Aproveitemos, então, o tempo da Quaresma para sacudir o pó da religião e vestir a veste nova do Evangelho de Jesus.
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