giovedì 25 aprile 2024

V DOMINGO DE PÁSCOA/B

 




Paulo Cugini

 

Em busca de pistas que indiquem a presença do Senhor Ressuscitado: este é o caminho que a liturgia do tempo pascal nos propõe. Uma procura que nem todos podem permitir-se, no sentido de que exige algumas exigências específicas e, em particular, estar num caminho, ou melhor, estar num caminho específico de discipulado. A Palavra não se abre à compreensão do seu significado senão para quem se propõe a seguir Jesus, na sua escola. Não se trata, então, de um conhecimento que fique no horizonte da mente, mas exige experiência, vivência, prática do que se ouve. E, portanto, as indicações destes Domingos de Páscoa pretendem ser as etapas de um caminho que o discípulo deve percorrer se quiser compreender o mistério contido no acontecimento da ressurreição, acontecimento compreensível apenas no contexto da fé.

Domingo passado a pista era uma pedra, hoje é um pedaço de madeira. A pedra tinha a especificidade de desperdício, a madeira indicada hoje é um ramo de videira. Por que Jesus escolhe precisamente este tipo de madeira para indicar a relação que deve existir com os discípulos que desejam conhecer o Ressuscitado? O profeta Ezequiel vem até nós e, a este respeito, pergunta-se: “Que vantagens tem a madeira da videira em relação a todas as outras madeiras da floresta... Poderia servir para fazer um objeto? Mesmo quando estava intacto, não servia para nada” (Ez 15, 2.5). A característica do ramo da vida é que ele pode funcionar, no sentido de que só pode dar frutos se permanecer ligado ao ramo específico: não pode ser utilizado para nenhum outro fim. Não é, portanto, uma madeira preciosa, como o carvalho ou o cedro do Líbano. A pista de hoje surge na sequência do domingo passado, ou seja, de material pobre, sem utilidade e, na verdade, inútil. E é precisamente este material inútil que Jesus utiliza para indicar o caminho a seguir para encontrar Cristo ressuscitado e viver da sua luz e da sua plenitude de vida.

Quem permanece em mim e eu nele dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15.5). O fruto que a nossa existência exige é o de uma vida capaz de amar no sentido que Jesus manifestou, ou seja, um amor que saiba partilhar. Recebemos o amor do Senhor ouvindo e interiorizando a sua Palavra, nutrindo-nos assim dele, e o fruto que esta relação única produz consiste na capacidade de ir ao encontro dos outros com gratidão e desinteresse, em qualquer circunstância em que nos encontremos na vida. Somos feitos para amar e amar de forma autêntica, altruísta, criando espaço para as pessoas que encontramos, ajudando todos a viver em plenitude de vida e liberdade. Quando isso acontece, significa que encontramos o Ressuscitado e vivemos nele e com Ele. É, portanto, uma relação interna, livre, que exige liberdade de escolha. Jesus promete a realização de uma vida plena naqueles que o procuram, o encontram e permanecem em relação com Ele. A luz da ressurreição que explodiu na manhã de Páscoa continua a iluminar o mundo através dos seus discípulos que vivem Nele e Dele.

“Amados, se o nosso coração não nos censura por nada, temos confiança em Deus” (1Jo 3,21). A consciência pessoal é a área em que verificamos o nosso caminho. Como compreender se as nossas relações são autênticas, no estilo indicado por Jesus, ou seja, livres e desinteressadas? É na consciência que se manifesta a vontade do Pai porque, como nos lembra o Vaticano II no documento Gaudium et Spes: “a consciência é o núcleo mais secreto e o santuário do homem, onde está a sós com Deus, cuja voz ressoa em intimidade” (GS, 16). Se é verdade que o vínculo com o Ressuscitado nos empurra constantemente para fora de nós mesmos, para tecer novas relações com as pessoas que encontramos, a ponto de este novo tecido existencial se tornar um sinal da presença do Ressuscitado no mundo, é igualmente verdade que é sempre necessário voltar a nós mesmos, para não correr o risco de nos perdermos e para verificarmos a bondade do nosso caminho. Há, portanto, um dinamismo entre o interno e o externo que caracteriza o caminho da fé, um caminho ameaçado pelo perigo de uma vida demasiado exposta na sociedade, ou demasiado fechada na intimidade. Será a abertura ao Mistério de Deus que nos permitirá, com o tempo, encontrar o justo equilíbrio.

 

lunedì 15 aprile 2024

4º DOMINGO DE PÁSCOA /B

 




Atos 4, 8-12; 1 Jo 3,1-2; João 10, 11-18

Paolo Cugini

 

    Indícios. É disso que trata a liturgia da Palavra do tempo pascal. Pistas, indícios que falam de uma presença que pode ser apreendida não com os sentidos da carne, mas com os espirituais e, por isso, exige uma atitude de pesquisa, de um caminho. Para poder reconhecer a presença que a pista pretende indicar é necessária uma relação de conhecimento prévio, uma experiência de quem procura. Neste tempo pascal foram-nos apresentadas diversas pistas da presença do Senhor ressuscitado entre nós. Do sudário deixado no túmulo ao modo de estar de Jesus na comunidade. Hoje as leituras nos oferecem outra, que suscita admiração, ou melhor, perplexidade.

“Jesus é a pedra que vocês rejeitaram, construtores, e que se tornou a pedra angular. Em nenhum outro há salvação” (Atos 4:11). Esta é o indício de hoje: a pedra descartada. Esta pista resume toda a vida de Jesus. Desde o nascimento até a morte, ele sempre foi descartado. Ele teve que nascer numa manjedoura porque não havia lugar para sua família nas casas da cidade (Lucas 2:7). No primeiro ato público narrado no Evangelho de Lucas, ele é expulso da sinagoga com a intenção de jogá-lo no precipício da montanha (Lc 4, 29). No evangelho de Marcos, depois de um dos primeiros milagres realizados no sábado, os fariseus, juntamente com os herodianos, decidem condená-lo à morte (Mc 3,6). Toda a vida de Jesus está envolta no mistério da rejeição que o mundo exerce em relação a ele. Um mistério que, para dizer a verdade, foi anunciado pelos profetas (cf. Is 53), mas que, quando se concretiza nos acontecimentos da história, deixa a pessoa maravilhada. O próprio Jesus, porém, na página de Mateus em que fala do juízo final (Mt 25,32ss), não se identifica com os poderosos da terra, com os que têm riquezas, fama, mas com os pobres, os presos, os famintos, os sedentos, ou seja: os descartados, os excluídos da história. O Espírito Santo que recebemos nos sacramentos ou quando o invocamos é o Espírito dos rejeitados, dos excluídos: quem o acolhe também participa, juntamente com Jesus, nesta exclusão. É importante seguir esta linha de reflexão para compreender onde procurar a presença do Senhor ressuscitado na nossa vida quotidiana. Sem dúvida, não se encontra nos palácios dos reis, ou seja, não se encontra onde habitualmente o procuramos, onde o hábito, forjado pela cultura dominante, nos leva a procurá-lo. É mais fácil encontrá-lo vasculhando os descartados da história, entre aquelas categorias de pessoas que a história sistematicamente expulsa. Houve um tempo em que os descartados eram os deficientes, e depois os leprosos que eram relegados para lugares fora da cidade. Os escravos, presença estranha que encontramos em muitas épocas e em diferentes áreas geográficas, eram considerados pessoas de segunda classe. Na época da colonização das Américas pelos países europeus, os descartados foram primeiro os africanos, arrancados de suas terras de origem para serem transplantados em solo africano exclusivamente para serviços escravistas; e depois os índios, para os quais o Papa teve que intervir com um documento oficial, para demonstrar que também eles tinham alma e assim interromper a carnificina levada a cabo pelos espanhóis e portugueses.  Pessoas famintas, vagabundos, bêbados, moradores de rua: em todas as épocas foram considerados desperdícios.

Hoje, na minha opinião, as pedras rejeitadas pela sociedade são os estrangeiros que chegam de barco e, sobretudo, os homossexuais, as lésbicas, os transexuais. São os excluídos, não só da sociedade, mas também daquela entidade que deveria fazer da hospitalidade a sua marca de reconhecimento: a Igreja. Se quisermos encontrar o Ressuscitado, devemos ir até eles, até aqueles que trazem na pele os sinais da exclusão, da marginalização e do desperdício.

Vejam que grande amor o Pai nos deu ao sermos chamados filhos de Deus e realmente o somos!” (1 Jo 3, 1). O dom que o encontro com o Ressuscitado presente nas pedras descartadas pode nos dar é a revelação da nossa dignidade, o que ninguém no mundo pode nos comunicar, exceto aqueles que o experimentaram: somos filhos de Deus, amados pelo Senhor. Só quem vive a exclusão e o abandono na própria pele pode descobrir que está rodeada de um amor diferente, que vem do fundo do coração e que pode comunicar a quem sinceramente se coloca no seu caminho. Somos filhos e filhas de Deus: é a maior verdade que podemos descobrir no nosso caminho. Uma verdade que nunca nos poderá ser contada por aqueles que passaram a vida pensando apenas nos seus interesses, acumulando casas, dinheiro, coisas, fechados nos seus próprios fortes. Uma verdade que, no entanto, pode ser-nos comunicada por aqueles que foram descartados pela história através de um mistério encerrado no coração misericordioso do Pai, que é também Mãe.

 

sabato 13 aprile 2024

TERCEIRO DOMINGO PÁSCOA B

 





Atos 3,13-15.17-19; 1 João 2.1-5a; Lucas 24, 35-48

Paulo Cugini

 

 

A liturgia da Palavra do tempo pascal oferece-nos pistas para aprender a captar a presença de Cristo ressuscitado no mundo. A Páscoa significa a passagem do mundo condicionado pela contingência humana para o mundo do Pai, que é o mundo do amor pleno e autêntico. Jesus realizou esta passagem de vida plena, mostrando o sentido autêntico do amor que vem do Pai, que é gratuidade, dom de si partilhado com os seus irmãos e irmãs. Participar nesta nova vida é o sentido do caminho pascal, redescobrir, ao mesmo tempo, a beleza de fazer parte da comunidade que se reconhece no Evangelho de Jesus.

“O próprio Jesus estava entre eles ” (Lc 24, 36). Há frases no Evangelho que parecem ser colocadas ali de passagem, para abrir uma discussão ou para fechá-la e, portanto, do ponto de vista literal, parecem inofensivas, sem um significado específico. E, em vez disso, se você olhar com atenção, essas frases aparentemente inofensivas apresentam uma profundidade de significado impensável à primeira vista. Nas aparições de Jesus aos discípulos, tanto no Evangelho de Lucas como no de João, quando Jesus aparece diz-se que: “ele estava no meio deles ”. Esta repetição deve, portanto, ter um significado. Na verdade, não se diz que Jesus, quando apareceu, estava na frente ou atrás, mas no meio. Esta especificação é provavelmente uma indicação para todas as comunidades de todas as épocas e latitudes que desejam viver seguindo o Senhor ressuscitado. Pois bem, a comunidade é um sinal visível do Ressuscitado quando as relações vividas se baseiam no princípio da igualdade, em que todos têm acesso ao Senhor sem qualquer distinção. Jesus aparece no meio para demonstrar ao mundo que a partir de agora todos aqueles que o seguem podem acessá-lo sem mediação de posição ou títulos, porque Nele somos todos filhos e filhas de Deus.

“E ele disse: A paz esteja convosco ” (Lc 24, 36). Quando a comunidade que anuncia o Senhor Ressuscitado vive relações de igualdade, desconstruindo por dentro os mecanismos agressivos de inveja, ciúme e ressentimento gerados pelo egoísmo humano moldado pelo instinto de sobrevivência, significa que algo novo está em andamento, a vida do Ressuscitado está em ação modificando a estrutura das relações, que de agressivas passam progressivamente a ser pacíficas, moldadas pelo amor do Senhor, então, sem dúvida, a paz reina na comunidade. A paz que vem de Deus é um dom que brota da comunidade que acolhe a Palavra do Ressuscitado, deixa agir o seu Espírito, para recriar no interior da consciência de cada um um novo modo de estar no mundo, de se relacionar, de interagir.

" Sou eu mesmo! Toque-me e olhe” (Lc 24,39). Quando a comunidade se alimenta e vive da qualidade de vida que vem do Ressuscitado, então Ele se torna visível aos olhos de todos aqueles que procuram um sentido para a vida, a ponto de poder “vê-lo e tocá-lo”. e, consequentemente, abre-se ao mundo uma possibilidade de fé no Senhor ressuscitado. É por isso que a comunidade cristã tem um papel fundamental na economia da salvação, porque pode tornar visível, tangível aos olhos do mundo a presença de Cristo ressuscitado. Quando aqueles que creem no Senhor permitem que o Espírito Santo recrie os traços da humanidade do Senhor, esforçam-se por viver como Ele viveu, procurando sempre a justiça, criando relações baseadas na misericórdia, permanecendo constantemente atentos aos pobres, às pessoas em dificuldade para ajudá-los a escapar da pobreza, então se torna visível, tangível que naquela parte da humanidade que age dessa forma, há o germe de uma vida nova em ação, manifestada pela ressurreição de Jesus.

Então lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras ” (Lucas 24:45). A comunidade é sinal da presença do Ressuscitado, que se torna critério de compreensão das Escrituras. Certamente, as contribuições dos estudiosos da Bíblia são extremamente úteis para nós hoje, que vivemos há vários séculos de distância dos fatos narrados pelos Evangelhos, pois nos oferecem material indispensável para a compreensão da Palavra. Contudo, pelas palavras ouvidas no Evangelho de hoje fica claro que a nossa mente se abre à compreensão última da Palavra, quando temos a possibilidade de ver e tocar o que é narrado naquelas páginas. É na experiência da comunidade que partilha, que vive livremente, que gera relações de igualdade, que coloca os pobres no centro, que se torna possível compreender o significado profundo do Evangelho e, desta forma, torna-se possível anunciá-lo com alegria, porque percebido como uma mensagem autêntica.

 

TERCEIRO DOMINGO DE PÁSCOA/C

 

 


 

 Paolo Cugini

O tempo da Páscoa é o período do ano em que a Igreja nos convida a refletir de forma nova e original sobre o sentido da existência. A Páscoa, de facto, ao apresentar o tema do Ressuscitado, provoca a reflexão sobre o tema da vida, o seu significado e aquilo em que realmente vale a pena gastar energia. Em última análise, o Pai ressuscitou o corpo de seu filho Jesus que, durante sua vida, escolheu uma vida pobre, humilde, discreta, ou seja, não buscou a glória do mundo, o poder, o dinheiro. Este aspecto, na minha opinião, deveria suscitar reflexão. A ressurreição de Jesus lança uma nova luz sobre a história da humanidade e expõe a pobreza da proposta, totalmente desequilibrada no material, deixando muito pouco espaço para a dimensão espiritual. Vejamos, a este respeito, o que nos dizem as leituras de hoje.

Mandaram açoitar [os apóstolos] e ordenaram-lhes que não falassem em nome de Jesus. Depois, libertaram-nos. Saíram então do Sinédrio, felizes por terem sido julgados dignos de sofrer insultos pelo nome de Jesus (Atos 5, 40-41).

A situação narrada na primeira leitura é indicativa do que aconteceu com aqueles que conheceram o Senhor e o encontraram ressuscitado. Houve uma clara mudança na perspectiva existencial. De facto, passaram de uma atitude de medo e de abandono para com o Mestre, a ponto de o terem chegado a entregá-lo, a negá-lo e a abandoná-lo, para uma atitude em que se sentem felizes por terem sido indignados em nome É a realidade desta mudança que surpreende e se torna um testemunho que vale a pena ouvir para aprofundar a discussão sobre a ressurreição de Jesus, que tem consequências significativas para as pessoas que o encontram. O que aconteceu para provocar uma mudança radical? Como é possível que pessoas tão frágeis e medrosas rapidamente se tornem corajosas e capazes de argumentar as suas ações? Encontrar o Ressuscitado significa, entre outras coisas, precisamente isto: testemunhar uma passagem na própria humanidade que deixa uma marca profunda capaz de subverter a abordagem. Mudança que não tem explicação humana, que não pode ser explicada com instrumentos científicos ou psicológicos: há mais.

Eu, João, vi e ouvi as vozes de muitos anjos ao redor do trono e dos seres viventes e dos anciãos. O seu número era de miríades de miríades e milhares de milhares e diziam em alta voz:
«O Cordeiro que foi morto
é digno de receber poder e riqueza,
sabedoria e força,
honra, glória e bênção (Ap 5, 1s).

João vê a vitória de Cristo sobre a morte; ele não vê a cruz, mas um trono, sinal de vitória e no trono o próprio Deus com o cordeiro sacrificado ao lado dele. O interessante é que este cordeiro sacrificado, que claramente remete a Jesus, está de pé, em sinal de vitória: ninguém conseguiu dobrá-lo ou quebrá-lo. O ódio do mundo não prevaleceu sobre o amor de Jesus, simbolizado pelo facto de ser imaginado como um cordeiro abatido. Os cristãos que seguem o Senhor e se alimentam dele, alimentam a sua consciência com as suas palavras e a sua mensagem, veem no mundo não sinais de morte, mas de vitória. Onde o mundo vê a morte, os cristãos veem a vida. E como o cordeiro está de pé e venceu o ódio com amor, é digno de reverência receber o poder de Deus Pai. Ser sinal da vitória de Cristo sobre o ódio e a dinâmica da morte no mundo: esta é a tarefa dos cristãos no mundo.

Disse-lhe pela terceira vez: “Simão, filho de João, você me ama?” Pedro ficou triste porque pela terceira vez lhe perguntou: «Tu me amas?», e disse-lhe: «Senhor, tu sabes tudo; Você sabe que eu amo você." Jesus respondeu-lhe: «Apascenta as minhas ovelhas (Jo 21, 17).

No caminho da fé não somos testados pelo número de ritos e procissões em que participamos, mas exclusivamente pelo amor que damos. É necessário acrescentar que se podemos dar amor é porque o recebemos gratuitamente do Filho, através do Espírito Santo que o derramou nos nossos corações (cf. Rm 5,5). O bálsamo da misericórdia cura as feridas da alma de Pedro, que negou três vezes o Senhor. Não há sentimento de culpa, desespero, mas apenas misericórdia que cura as feridas. As relações que Jesus cria têm esta marca inequívoca: Ele não cava dentro do homem e da mulher para fazê-los sentir-se mal, mas para trazer à tona o bem que há em cada pessoa. 

 

martedì 2 aprile 2024

SEGUNDO DOMINGO DE PÁSCOA/B

 




Atos 4,32-35; 1Jo5,1-4; João 20,19-31

Paulo Cugini

 

Para nos ajudar a aprofundar o mistério da ressurreição do Senhor, a liturgia da Palavra, nestes domingos de Páscoa, oferece-nos um itinerário em que as leituras não só nos contam o encontro dos discípulos com Cristo ressuscitado, mas também o que acontece na vida das primeiras comunidades cristãs. Além disso, os evangelhos que ouviremos apresentam alguns personagens que devem nos ajudar no caminho para compreender o mistério da presença do Ressuscitado entre nós. Hoje, o personagem em questão é o apóstolo Tomé. Vamos ouvir suas instruções.

No Evangelho de João, o apóstolo Tomé aparece em algumas cenas significativas que, em certos aspectos, delineiam a sua personalidade. A primeira vez é mencionado no contexto da ressurreição de Lázaro no capítulo 11. Os discípulos manifestam a sua preocupação pelo facto de Jesus lhes ter comunicado a sua intenção de ir para a Judeia, porque naquela mesma região tinham ameaçado matá-lo. Depois da explicação de Jesus, que motivou a sua decisão, Tomé intervém dizendo: “Vamos também nós e morramos com Ele” (Jo 11, 16). É uma afirmação que revela sem dúvida o entusiasmo do discípulo no seguimento do Senhor, um entusiasmo que ao mesmo tempo esconde uma certa imprudência.

O facto de Tomé, na realidade, apesar do seu entusiasmo, não ter entendido bem a proposta e o caminho que Jesus apresenta ao mundo, torna-se claro no contexto da Última Ceia, quando Tomé fala novamente. Com efeito, depois de Jesus ter explicado aos discípulos que, apesar da sua morte, ia preparar um lugar na casa do Pai e que eles já conheciam o caminho, Tomé não concorda e afirma: « Senhor, não sabemos onde estás. indo: como podemos saber o caminho?” (Jo 14, 5). Como sabemos, a resposta de Jesus é muito clara: “Eu sou o caminho” (Jo 14,6). Neste contexto, Tomé revela que o seu entusiasmo por Jesus expresso no contexto da ressurreição de Lázaro, não se baseou na realidade em motivações sólidas, a tal ponto que ainda não compreendeu o que para Jesus já devia estar muito claro para os discípulos.  Há, em certo sentido, uma duplicidade na personalidade de Tommaso: ele age de uma forma e pensa de outra. Talvez seja justamente esse o primeiro significado de seu nome, que significa: gêmeo, no sentido de duplo, instável.

A última sena de Tomé no Evangelho de João é o episódio ouvido na liturgia de hoje. Depois dos acontecimentos da ressurreição de Jesus, Tomé já não está com os seus discípulos: porquê? Talvez a sua instabilidade (descrença) perante a proposta do Senhor o tenha levado a abandonar o grupo dos Doze. Não é possível seguir o Senhor no seu caminho de amor quando as motivações são fracas, baseadas apenas num entusiasmo passageiro e superficial. É precisamente isto que Jesus censura a Tomé quando lhe diz: “Não seja um incrédulo, mas um crente” (Jo 20,27). Tomé já não faz parte do grupo dos Doze depois da Ressurreição, provavelmente também porque os rostos tristes e medrosos dos seus amigos não o convencem muito. Se, de facto, fosse verdade que encontraram o Ressuscitado, talvez os seus rostos estivessem mais luminosos e sorridentes! É o problema do testemunho dos cristãos que, quando envolto em tristeza e medo, em vez de aproximar as pessoas, distancia-as.

Tomé exige ver o sinal do Senhor crucificado, ou seja, o sinal dos pregos nas mãos e nos pés e no lado rasgado pela lança e o Senhor concedê-lo. É diante desta realidade que Tomé explode ao aplicar a Jesus os atributos que a comunidade de Israel indicava apenas a YHWH: “meu Senhor e meu Deus” (Jo 20, 28). É diante dos sinais visíveis do crucifixo, do Jesus humilhado na cruz, dos inocentes mortos, que Tomé tem a certeza de ter a presença de Deus diante dos olhos! Aconteceu novamente depois dele. Até Francisco de Assis, ao ver o leproso, certamente abraçou Jesus, até Óscar Romero, bispo conservador de São Salvador, ao ver os agricultores pobres massacrados pelos ricos proprietários de terras, abraçou a sua causa e foi morto enquanto celebrava a Eucaristia. 

Também nós hoje, vendo o desastre humanitário de tantos refugiados que não sabem para onde se dirigir, vemos o Ressuscitado. E depois, na humilhação dos homossexuais, lésbicas e transexuais que são ridicularizados, insultados não só pelas pessoas comuns, mas também pela Igreja que não quer abençoar as suas uniões, está o Ressuscitado. Podemos ter a certeza de que, em cada pobreza, em cada cruz, em cada pessoa crucificada pelo orgulho e pela arrogância humana, está Jesus ressuscitado.

Esta surpreendente afirmação de Tomé, que vê Deus no crucifixo ressuscitado, significa também que na história nunca encontraremos o Ressuscitado nos quartos dos nobres, dos ricos, dos supostamente poderosos, de todos aqueles cujo estilo de vida está na origem da desigualdade na sociedade. o mundo. É, portanto, uma pista importante para todos aqueles que desejam fazer da sua vida um caminho rumo a Deus. 

A resposta de Tomás à manifestação do Ressuscitado revela também o segundo significado do seu apelido: Gêmeo. De facto, Tomé, depois do encontro com Cristo ressuscitado, torna-se um verdadeiro gémeo, querendo imitá-lo em tudo, inclusive na experiência do martírio como sinal de doação total a Ele.