Lucas 17, 5-10
Paolo Cugini
Na jornada de Jesus a
Jerusalém, além de proclamar o Reino dos Céus com palavras e ações, percebemos
sua intenção de ajudar seus discípulos a fazer uma transição, uma mudança de
paradigma: passar de um relacionamento religioso com Deus para um relacionamento
de fé, de confiança. Essa transição é crucial, pois impacta profundamente a
vida e o desenvolvimento humano de uma pessoa.
Naquela ocasião, os apóstolos disseram ao Senhor:
"Aumenta a nossa fé!" O Senhor respondeu: "Se vocês tivessem fé
do tamanho de um grão de mostarda, poderiam dizer a esta amoreira: 'Arranque-se
e plante-se no mar', e ela lhes obedeceria.
A partir da pergunta dos
discípulos, fica claro que eles ainda estão presos a um sistema religioso. A
fé, de fato, não é uma questão do que Deus pode dar, nem é uma questão de
quantidade. É o amor que o Pai dá, e a qualidade desse dom foi revelada por Jesus.
A fé é a resposta pessoal a esse dom do Pai; portanto, não podemos pedir a
Deus, mas apenas direcionar nossas vidas para Ele. É por isso que Jesus
responde dessa forma, porque, a partir da pergunta deles, fica claro que eles
ainda não compreenderam a identidade do Senhor, o significado profundo de Sua
proposta.
Qual de vocês, tendo um servo arando ou cuidando de
ovelhas, lhe dirá, quando ele voltar do campo: 'Venha depressa e sente-se para
comer'? Não lhe dirá antes: 'Prepare-me de comer, cinga-se e sirva-me, enquanto
eu como e bebo; depois você poderá comer e beber'?
O problema que Jesus levanta
com esta parábola é muito sério, porque põe em questão a forma como vivemos a
nossa relação com Deus. Viemos de séculos em que a Igreja nos incutiu deveres,
obediência aos preceitos, identificando a nossa relação com Deus com a
religião. Assim, dentro deste vínculo, homens e mulheres vivem como servos e
não como indivíduos livres. Quantas pessoas vivem mal a sua vida humana porque
assimilaram ensinamentos erróneos sobre Deus! Quantas foram doutrinadas,
catequizadas, aprendendo a estar diante de Deus com temor e desenvolvendo
mecanismos de reverência, com atitudes que mantêm o divino à distância. Esta
forma de conceber a relação com Deus ainda hoje se verifica naqueles que
vivenciam o sentido do sagrado com atitudes exteriores que indicam distância.
Esta é a religião que, quando transposta para o plano existencial, faz com que
as pessoas vivam mal, porque o que é percebido como desobediência aos
preceitos, às doutrinas aprendidas, é experimentado como sentimento de culpa,
que gera mal-estar e necessidade de reparação. Não é por acaso que o sistema de
confissão devocional se desenvolveu justamente na Idade Média, para ajudar os
religiosos a encontrarem paz com seus sentimentos de culpa. Jesus, porém, nos
mostrou o rosto paterno de Deus, que não quer servos ao seu redor, mas filhos.
Enquanto o servo vive como escravo, a criança vive em liberdade. Os religiosos
têm pavor da liberdade, mesmo que a desejem, mas estão muito presos à teia de
leis e decretos em que vivem sua relação com Deus. A liberdade é a essência da
imagem de Deus que nos foi dada e é o que define nossa vida como humanos.
Assim também vocês, quando tiverem feito tudo o que
lhes foi ordenado, digam: ‘Somos servos inúteis; fizemos apenas o que era nosso
dever.
A novidade de Jesus é que Ele não pede para ser servido, mas se coloca a nosso serviço. É o que acontece na Última Ceia, quando Ele se levanta e começa a servir os discípulos, lavando-lhes os pés. Aqueles que não acolhem o dom do amor e não respondem com uma atitude de liberdade para com o Senhor permanecem na condição de servos. Este é o caminho que somos chamados a empreender. Um caminho difícil, porque devemos nos libertar da escravidão das doutrinas e da religião dos preceitos. Difícil, mas possível. Jesus não impõe, mas oferece: cabe a nós empreender este caminho de libertação, que é ao mesmo tempo um caminho de humanização.
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