Primeira meditação
José: a simplicidade que acolhe o Mistério
Quando José acordou do sono, fez como o anjo do Senhor
lhe ordenara e levou sua esposa para casa (Mt 1:24).
Nunca gostei muito da figura de São José. Austero e
silencioso demais, estranho demais. Sempre achei que Maria merecia algo melhor.
A tradição, baseada em textos apócrifos, apresenta José como um pai idoso e
viúvo de seis filhos (quatro meninos e duas meninas). Nos tempos modernos, ele
teria acabado na prisão, acusado de pedofilia, visto que Maria tinha doze anos
na época do noivado. Além disso, o silêncio de José no Novo Testamento é
surpreendente. O Evangelho de Marcos, que, segundo a tradição, é o mais antigo,
não faz nenhuma referência direta a José, e o próprio Jesus é lembrado como
filho de Maria. No Evangelho de João, os irmãos e irmãs de Jesus são
mencionados, mas nem mesmo um vestígio de José. Somente nos Evangelhos de
Mateus e Lucas há alguma referência a José, mas ele nunca fala, ou seja,
nenhuma palavra lhe é atribuída. Por que tanto silêncio? Não é estranho? O que
está por trás disso?
Ao buscar respostas em textos de outras fontes, como
as judaicas, é possível fazer suposições que desmantelam e desconstroem as
construções estabelecidas em outros lugares. Pirké Avot 5:23 nos diz que, na
tradição judaica, o casamento era marcado para um rapaz aos dezoito anos,
enquanto para uma moça, aos doze. Portanto, seguindo essa linha de pesquisa,
José era um jovem galante apaixonado por Maria. Sinceramente, prefiro essa
versão porque é mais realista e porque, de certa forma, torna a história de Maria
e José mais autêntica. Em vez da história de um noivado forçado entre um homem
idoso e uma jovem, ela conta uma história imbuída dos verdadeiros sentimentos
que constituem nossas histórias de amor. Além disso, pensar em José como um
jovem de dezoito anos nos permite compreender melhor a perplexidade de Maria
diante da proposta do anjo. Ao escolher a vontade de Deus de se tornar a mãe do
Senhor, Maria não fugiu da perspectiva de se casar com um homem idoso, mas fez
uma escolha de amor autêntico, vivido de uma maneira diferente e original com
seu jovem noivo José.
Mas não termina aqui. É possível dar outro passo
significativo na desconstrução de uma tradição que, para "salvar" a
virgindade de Maria, alterou dados históricos que, na realidade, nos legaram um
José mais humano e autêntico, conferindo ainda maior valor à figura de Maria.
De fato, José é apresentado pela tradição do Novo Testamento como um homem
justo, cuja retidão derivava de sua fidelidade à tradição de seus pais.
Contudo, refletindo cuidadosamente sobre essa tradição, se José tivesse sido
completamente fiel à sua noiva, isso teria sido motivo para o assassinato de
Maria. Segundo a tradição do Antigo Testamento, Maria deveria ter morrido
porque o filho que carregava não era de seu futuro marido, e José, se tivesse
sido justo no sentido de fiel à tradição, deveria tê-la repudiado publicamente.
Mas não. Como sabemos, as coisas aconteceram de forma diferente, porque José
desobedeceu, rebelou-se contra a lei de seus pais, que queriam que sua futura
esposa fosse apedrejada. Naquele exato momento, José ouviu seu coração, seus
sentimentos, em vez da Lei, o que ele, um jovem apaixonado, sentia por Maria. E
o amor abriu seu coração à misericórdia, deixando de lado o sacrifício,
antecipando o que seu jovem filho mais tarde indicaria como o caminho autêntico
daqueles que amam o Pai: "Quero misericórdia, mais do que
sacrifício". Foi a rebeldia de José que permitiu ao Espírito Santo entrar
na história e, assim, nos dar a mãe de quem nasceria o Salvador: Maria.
Obrigado, José!
Eu oro e imploro de bom grado a um José como
ele:
Ó São José, vós que desobedecestes à Lei dos Padres
que queriam Maria apedrejada até a morte.
Eu te imploro:
Dá-me forças para me rebelar contra todas as leis
injustas.
Ajude-me a rejeitar radicalmente a religião que mata.
Ensina-me, em todas as circunstâncias da vida, a
colocar em primeiro lugar, como tu fizeste, o amor pela Lei e o apreço pela
tradição.
Imprime em mim a força do Espírito, para que eu não
desanime em situações de conflito que pareçam difíceis de resolver.
Ajuda-me, enfim, a olhar para a vida com serenidade e
confiança, como um dom maravilhoso de um Pai que deseja de nós, seus filhos,
que ajamos na lógica da misericórdia, em vez da obediência cega às tradições,
que matam.
Amém
No fio silencioso da história sagrada, José surge como
um homem comum, porém profundamente extraordinário. Sua vida se desenrola pelas
ruas empoeiradas de Nazaré, em meio à madeira de sua oficina e ao som discreto
das orações, mas em seu coração ele carrega um sonho que transfigura tudo. É um
sonho que nasce não da ambição pessoal, nem da busca pela grandeza, mas da
escuta humilde e fiel de uma voz que sussurra em seu íntimo. José nos ensina
que a presença do Mistério não se impõe com estrondo, mas se revela onde quer
que a vida flua, onde quer que sejamos capazes de acolher cada dia como uma
dádiva inesperada.
Joseph vive imerso na simplicidade dos pequenos
gestos. Todas as manhãs, ele abre sua oficina e suas mãos, marcadas pelo
trabalho, movem-se com a sabedoria herdada de seus antepassados. Ele aplaina,
serra, prega: o ritmo da transformação da madeira acompanha seus dias. Ele não
busca o excepcional, não persegue o sucesso; em vez disso, encontra o
extraordinário no ordinário, a beleza no trabalho honesto. Até mesmo a
sinagoga, com o calor da comunidade e a voz ancestral das Escrituras, é um
lugar de aprendizado e descanso. Joseph sabe que a fé se alimenta da
perseverança, que a oração se entrelaça com o trabalho, que a esperança se
nutre nos detalhes mais humildes da vida.
Nos dias que se sucedem, sempre iguais e sempre novos,
José cultiva a semente da consciência. Cada gesto, por menor que seja, torna-se
uma oportunidade para aprender a amar a realidade como ela se apresenta, sem
querer moldá-la aos próprios desejos. Sua consciência nasce do silêncio e da
escuta: um coração que se deixa educar pelos ritmos da vida, que se abre ao que
acontece, sem resistir. É nos detalhes, o pão partilhado, o olhar voltado para
Maria, o cuidado com o Menino, que José constrói uma consciência justa, que não
se deixa dominar pelo medo ou pela dúvida, mas que se entrega, com
simplicidade, à bondade do Mistério que guia todas as coisas.
Acolher o Mistério significa dar espaço ao inesperado,
permitindo que a revelação penetre no tecido mundano da vida cotidiana. Joseph
faz isso discretamente, sem alarde: não busca sinais extraordinários, deixa-se
surpreender pela presença do Mistério nas entrelinhas do dia a dia. Seu sonho
não é uma fuga da realidade, mas uma nova perspectiva sobre a própria
realidade. Em cada encontro, em cada esforço, ele percebe um eco do Mistério
que transforma coisas simples em sinais da eternidade. Assim, o trabalho, o
afeto, o sofrimento e a alegria tornam-se lugares de revelação, onde o divino
se aproxima e a vida adquire um significado mais profundo.
Ao longo dos séculos, José permanece um exemplo
brilhante de alguém que sabe abraçar a vida com um coração livre e grato. Sua
justiça não é formalismo, mas a disposição de ser moldado pelo Mistério que se
manifesta até mesmo e, sobretudo, nas pessoas mais simples. Sua história nos
ensina que a verdadeira mudança não vem por meio de gestos espetaculares, mas
sim por meio de uma fidelidade obstinada à realidade, vivenciada como um dom e
um dever. Seguindo seus passos, aprendemos que a consciência se forma em gestos
cotidianos, que a beleza da vida se esconde na simplicidade e que o Mistério só
pode ser encontrado por aqueles que, como José, abraçam cada dia com admiração
e confiança silenciosa.
Segunda meditação
Eles não
tinham filhos. A história de Elisabeth
Eles não tinham filhos, porque Isabel era estéril e
ambos eram de idade avançada (Lc
1:6).
O tema da esterilidade perpassa toda a Bíblia e,
então, vale a pena abordá-la.
É difícil passar despercebida a esterilidade de todas
as esposas dos três primeiros patriarcas, Sara, Rebeca e Raquel, esposas de
Abraão, Isaac e Jacó, respectivamente. Esse dado bíblico retomado em outras
partes das Escrituras, em vez de indicar que é Deus quem dá vida e não o homem,
sublinha que não é o pai que cumpre as promessas. Na verdade, é Deus quem torna
Sarah, Rebeca e Rachel capazes de conceber um filho e não seus respeitáveis
maridos. O que está em jogo não é tanto a autoria desses homens que, como
sabemos, já eram pais por causa da estrutura poligâmica da cultura atual, mas a
maternidade das mulheres que Deus escolheu para cumprir suas promessas. Desde o
início, a promessa divina relativiza os laços familiares e o relacionamento pai‑filho,
rompe a ordem da sucessão patriarcal e funda a casa de Israel através das
mulheres, oferecendo-nos uma estrutura igualitária.
Junto com isso, existe na Bíblia o tema fortemente simbólico
da esterilidade do deserto que é transformado em planilha, com rios de água (Is
35; Is 40).
Há um mistério, profundo e silencioso, que permeia a
essência da nossa existência: o da esperança que perdura para além dos limites
da racionalidade, da fé que ousa acreditar onde tudo parece intransponível. A
história de Isabel e Zacarias ergue-se como um farol na noite, dizendo-nos que
o impossível pode, de fato, tornar-se possível. É uma história de expectativas
consumidas pelo tempo, de desejos sepultados pela poeira do cotidiano, mas
também de reviravoltas inesperadas que subvertem todas as previsões humanas.
Meditar sobre essa história nos leva a reconhecer o valor inestimável da
esperança, capaz de restaurar o sentido e um futuro onde tudo parecia
irremediavelmente perdido.
Isabel e Zacarias vivenciam a esterilidade e a
velhice, condições que, na cultura da época, representavam o selo definitivo da
impossibilidade de descendência, de uma terra sem brotos e de um amanhã sem
promessas. Nessa condição, o desespero não é um sentimento passageiro,
mas um companheiro silencioso que se insinua nas dobras dos dias e pesa sobre
os sonhos. O ventre estéril de Isabel é uma metáfora para todas as
situações humanas em que a esperança parece ter deixado de brotar:
relacionamentos interrompidos, planos desfeitos, expectativas que se
transformam em resignação. A idade avançada deles também representa uma vida que
se aproxima do crepúsculo, onde esperar por um milagre parece quase loucura.
Há uma lição sutil e profunda que nos chega com Isabel
e Zacarias: a de abraçar a própria fragilidade, aceitar a própria
identidade e que ela seja diferente dos outros, de não fugir dos sinais da
perda, mas de permanecer neles com coragem. Aprender a conviver com os
sintomas da morte, sejam eles solidão, decepção, doença ou vazio, significa
permanecer fiel a si mesmo, mesmo quando as circunstâncias parecem nos despojar
de toda a esperança. O apego deles à vida, mesmo em tempos de provação, já é um
ato de fé: eles não deixam o desespero ter a última palavra, mas
continuam a voltar seus corações para aquele Além invisível que pode
surpreender.
Elisabeth personifica, com humildade e firmeza, a força
silenciosa daqueles que jamais desistem. Sua fé não é ostensiva nem
gritada, mas sussurrada dia após dia, numa perseverança que não teme a poeira
do tempo. Diante do olhar crítico da sociedade, diante do peso de suas próprias
dúvidas, Elisabeth não perde sua dignidade nem a doçura de seu coração. Sua
coragem reside em permanecer aberta ao dom, em cultivar a possibilidade mesmo
quando tudo indica que ela deveria ser rejeitada. Nela, o milagre da confiança
inabalável se realiza, uma luz que arde sob as cinzas do hábito.
De repente, o vento do Mistério agita as cortinas de
sua casa: onde antes havia aridez, agora a vida floresce; onde reinava o
silêncio, agora ressoa a alegria. O sofrimento de Elizabeth se transforma em
canção, seu ventre em um berço de nova esperança. A realização de um sonho
impossível não é apenas a satisfação de um desejo pessoal, mas um sinal de que
o Mistério da Vida pode surpreender e subverter todas as previsões humanas. A
alegria que brota nasce da espera fiel, da vigilância constante mesmo quando a
noite parece interminável.
Esta história revela a lógica paradoxal do Mistério: o amor manifesta-se precisamente
onde as sombras parecem mais densas, a vida brota do deserto, a graça
insinua-se nas brechas da nossa vulnerabilidade. A fé de Elisabeth e Zacarias não é obstinação cega,
mas uma abertura confiante ao imprevisível. É a luz de um Amor que não pode ser
vencido pelas trevas, que transforma a noite em aurora. Esta luz ensina-nos que
o significado profundo da vida não é compreendido através de cálculos humanos,
mas é revelado àqueles que sabem esperar e acolher.
A história de Elisabeth e Zacarias convida-nos a redescobrir
o valor da oração silenciosa, da meditação que mergulha nas profundezas do
coração e abre espaço ao Mistério. É na meditação que aprendemos a arte de
ouvir o que a vida nos sussurra, de distinguir a voz da esperança do zumbido do
medo. A jornada espiritual não é uma fuga da realidade, mas uma imersão mais
profunda nela, a ponto de reconhecer um plano maior na teia dos acontecimentos.
Rezar é confiar as próprias feridas ao Mistério, meditar é deixar-se moldar
pela certeza de que, mesmo quando não se vê, algo já está brotando.
A história de Elisabeth
e Zacarias torna-se hoje profecia e provocação: convida-nos a acreditar na
possibilidade, a não temer os desertos interiores, a não desistir quando tudo
indica que devemos deixar de ter esperança. Num mundo muitas vezes dominado pela eficiência e
pela lógica dos resultados, a espiritualidade lembra-nos que a vida floresce
precisamente onde aprendemos a esperar, a confiar, a deixar-nos surpreender.
Que a coragem de Isabel nos sirva de exemplo: na noite, a luz espera apenas
para ser acolhida. E talvez, quando tudo parecer perdido, o Mistério nos
surpreenda novamente, permitindo-nos vislumbrar que o impossível é o espaço
onde a esperança habita.
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