Paolo Cugini
No caminho da amizade o encontro
do rosto do outro é de suma importância pois, a final de conta, o rosto revela a
identidade do amigo. Na relação com o Mistério a situação é estranha pois, de
um lado Ele se manifesta, se aproxima, cria laços, do outro nunca manifesta o
seu rosto. São vários os salmos que falam do rosto de Deus e do desejo do homem
de vê-lo.
Salmo 4, 6. muitos dizem: Quem nos mostrará o bem? Senhor,
exalta sobre nós a luz do teu rosto.
Salmos 31:16. Faze resplandecer o teu rosto sobre o teu servo;
salva-me por tuas misericórdias.
Salmos 67:1. Deus tenha misericórdia de nós e nos abençoe; e faça
resplandecer o seu rosto sobre nós.
Salmos 80:19 Faze-nos voltar, Senhor, Deus dos Exércitos; faze
resplandecer o teu rosto, e seremos salvos.
Salmos 105:4 Buscai ao Senhor e a sua força; buscai a sua face
continuamente.
Os salmos 4, 31, 67 e 80 tem todas a mesma expressão
que é também a mesma que escutamos o primeiro dia do ano na leitura do livro
dos Números 6. É o desejo que Deus faça brilhar sobre nós o seu roso e se isso
acontecer, seremos salvos. Qual é o sentido desta expressão, deste desejo? É a
ideia de uma vida completamente em harmonia com o Mistério de Deus. Se, de
fato, o rosto indica a identidade, que este rosto brilhe sobre uma pessoa
significa que ilumina totalmente a vida daquela pessoa. Esta luz se torna,
então, uma grande benção na vida, porque tira definitivamente as trevas.
Continuando a folear as páginas
da Bíblia para dar sentido ao nosso discurso encontramos um paradoxo na atitude
do Mistério. De fato, enquanto manifesta o desejo de aproximar-se, ao mesmo
tempo esconde o seu rosto. Esta dinâmica paradoxal é visível em alguns episódios.
Ex 33,1823. Moisés disse: “Mostrai-me vossa glória.” E Deus
respondeu: “Vou fazer passar diante de ti todo o meu esplendor, e pronunciarei
diante de ti o nome de Javé. Dou a minha graça a quem quero, e uso de
misericórdia com quem me apraz. Mas,
ajuntou o Senhor, não poderás ver a minha face, pois o homem não me poderia ver
e continuar a viver. Eis um lugar perto
de mim, disse o Senhor tu estarás sobre a rocha. Quando minha glória passar, te porei na fenda
da rocha e te cobrirei com a mão, até que eu tenha passado. Retirarei depois a mão, e me verás por detrás.
Quanto à minha face, ela não pode ser vista”.
Este é o paradoxo do Mistério.
De um lado que se aproximar a cada um de nós, para nos conhecer e revelar a sua
glória; do outro lado se esconde, não manifesta a sua face. O Mistério se
esconde. Um dia, come sabemos, revelará a sua face de uma forma clara e nítida,
mas pelo momento não. Existe uma pedagogia divina nesta dinâmica do escondimento.
Para chegara contemplar o rosto do Mistério é necessário um caminho muito
comprido, um caminho onde somos convidados a despojar-nos de qualquer forma idolátrica,
de qualquer pre-compreensão. O Mistério nos atrai numa relação de amizade, mas
para entrar nesta relação é preciso entrar num caminho de despojamento dos
nossos ídolos, para criar espaço para o Mistério entrar. Ao mesmo tempo, o
Mistério se escondendo, provoca um caminho na interioridade do homem e da
mulher. Não é na exterioridade que é possível descobrir a identidade do
Mistério, mas somente cuidando da própria alma, dedicando tempo á vida
interior.
Deus mostra as costas para
Moisés: qual é o mistério desta passagem? Querem dizer o que, simbolizam o que
as costas do Mistério? Podem indicar duas coisas ao mesmo tempo. Em primeiro
lugar, as costas indicam o sofrimento de Deus por nós. Nas costas de Deus se encontram
os marcos de uma relação sofrida e cansativa. Não é fácil pelo Mistério lidar
com a realidade humana, marcada pela fragilidade, que leva á desobediência, a
dar as costas para Deus. Do outro lado, as costas de Deus mostram que o caminho
do homem não termina com o seu respiro, mas tem um futuro no além. O Mistério,
indicando as costas e continuando o caminho está convidando a humanidade a
segui-lo, a não parar, a lamber as feridas e olhar para frente. A Vida do homem
e da mulher que seguem o Mistério tem futuro e, este futuro será revelado com
Cristo.
A face Deus não pode ser
vista: por que e até quando? Outro texto neste sentido se encontra em 1 Reis. É
no ciclo de Elias.
1 Reis 19, 11-13
O Senhor lhe disse: "Saia
e fique no monte, na presença do Senhor, pois o Senhor vai passar".
Então veio um vento fortíssimo que separou os montes e esmigalhou as rochas
diante do Senhor, mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento houve um
terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto. Depois do terremoto houve um
fogo, mas o Senhor não estava nele. E depois do fogo houve o murmúrio de uma
brisa suave. Quando Elias ouviu, puxou a capa para cobrir o rosto, saiu e
ficou à entrada da caverna. E uma voz lhe perguntou: "O que você está
fazendo aqui, Elias?"
Aqui encontramos o mesmo
paradoxo: o Mistério que nos convida num relacionamento profundo, não se dá a
conhecer totalmente. O profeta Elias vive uma profunda experiencia espiritual,
que o levou a viver situações dramáticas e de grande solidão. Na narração que
acabamos de escutar percebe-se que Elias aprendeu algumas coisas da maneira do
Mistério se manifestar, de se aproximar: isso é louvável. Apesar disso, não é
ainda preparado ao ponto de poder olhar no rosto do mistério, na sua face.
O paradoxo de um Mistério que
vem ao nosso encontro e, ao mesmo tempo, do mesmo Mistério que esconde o seu
rosto, provoca uma tensão nas pessoas visitadas pelo Mistério e que são sensíveis
a este apelo. Esta tensão é expressa em várias passagens, sobretudo nos salmos.
Por exemplo, podemos citar o salmo 62: O Deus, tu es meu Deus, eu te procuro.
Minha alma tem sede de ti. Este versículo expressa o desejo de Deus, a
busca dele. A dinâmica da aproximação e do escondimento, provoca o desejo, a
busca do Mistério, mantendo, desta forma, a lama numa constante tensão
interior.
É com a vinda de Jesus que o Mistério
se resolve, pois é Ele que revela de forma definitiva o Mistério do rosto de
Deus. O Evangelho de João, a este propósito, escreve:
Ninguém jamais viu Deus; o
Filho unigênito, que está no seio do Pai, este o deu a conhecer (Jo 1,18).
Jesus é a manifestação
definitiva do Mistério do rosto de Deus. Também Paulo entende assim e escreve: “Ele
é a imagem do Deus invisível” (Col 1,15). Jesus desvende o rosto de Deus.
De agora em diante a nossa relação com o Mistério tem um rosto, uma identidade
clara. Apesar de uma longa história de preparação para a humanidade reconhecer
o rosto de Deus no rosto do Filho, infelizmente não aconteceu: “Ele estava
no mundo, o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu”
(Jo 1,0). Este versículo deveria provocar uma grande pergunta na nossa mente:
será que nós o reconhecemos? Em que Deus acreditamos? Qual é o Deus que mora na
nossa mente?
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