(1 Sam 26,2.7-9.12-13.22-23; Sal 103; 1 Cor 15, 45-49; Lc 6,
27-38)
Paolo Cugini
1. O Evangelho que acabamos de ouvir joga na nossa cara um
problema radical: a incapacidade de amar o inimigo que, em outras palavras,
podemos chamar de ódio. Não existe um cristão sequer que admita isso, mas na
realidade se trata disso mesmo: o ódio. E o ódio não vem de fora, mas de dentro
de nós (Cf. Mc 7). Por isso não queremos admiti-lo: é duro demais. Ninguém quer
ser considerado um monstro, pior ainda se for um cristão conceituado, de
respeito. Não posso aceitar algo que, com as palavras e a postura externa,
estou negando. A coisa pior que pode acontecer é a justificação do ódio como
algo de natural. Quando isso acontecer, quer dizer que a Palavra de Deus não
tem mais poder sobre nós. Então, as leituras de hoje são por aquelas pessoas
que, perante uma Palavra forte e clara, não ficam resistindo, se justificando,
mas se questionam, procurando melhorar a própria existência.
2. “Amai os vossos inimigos
e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por
aquele que vos caluniam” (Lc 6,27-28).
Engolir estas palavras não
é pouca coisa não. Pensar que a nossa vida cristã deve passar necessariamente
pela atitude que Jesus acabou de apontar, requer uma verdadeira mudança de
vida. Talvez seja este o fascínio do Evangelho e da proposta cristã: é algo
fora das possibilidades humanas, é algo possível somente através de uma
intervenção do alto. Só Deus mesmo pode nos ajudar á amar as pessoas que nos odeiam,
que infernizam a nossa vida, que cada dia tentam de destruir a nossa existência,
que falam mal da gente na rua. O problema, colocado de um ponto de vista humano
seria o seguinte: precisa amar estas pessoas? Porque dar ousadia para alguém
que me odeia, que não gosta de mim e faz questão de tudo mundo saber disso? Aquilo
que nós resolvemos fazer em circunstâncias aparecidas é fechar a cara, não dar
ousadia, viver como se estas pessoas não existissem. Na realidade, apesar dos
nossos esforços, o ódio das pessoas afeta a nossa alma ,deixa a gente mais
fraca, debilitada. O homem, a mulher, não tem poder de enfrentar o ódio.
Ignorar o ódio, fechar a cara com os nossos inimigos, não resolve o problema na
raiz: vai chegar o dia que estouramos, que não agüentamos mais, pois, o ódio
acumulado no tempo destrói e corroe devagarzinho a nossa alma. É como um câncer
que, lentamente, afeta o organismo humano.
“Amai os inimigos” é a única forma de destruir o câncer do ódio. Só
opondo o amor ao ódio, este devagarzinho desfalece, desmorona. O mesmo são
Paulo, encerrando a carta aos Romanos,
aconselhava de responder com o bem, o mal que recebemos. Somente encontrando o
amor, o ódio perde a própria força devastadora, aniquiladora. E aqui entra o
nosso problema: aonde encontrar uma força dessa? Como conseguir aquela lucidez
que nos leva a retrucar com o amor ao ódio que recebemos, num momento aonde a
nossa mente está totalmente confundida, por causa dos golpes mortais do ódio? É
fácil falar, escrever, meditar em cima disso, mas quando na vida cotidiana
estamos sendo massacrados por alguém, como conseguir a viver o conselho
evangélico de Jesus?
3. “Então a vossa recompensa
será grande e sereis filhos do altíssimo” (Lc 6, 35).
A primeira simples
resposta ao problema levantado pelo mesmo Evangelho é esta: não deixar que o mau
presente obscureça o horizonte da nossa vida. Manter constantemente a nossa
mente, o nosso coração em Deus. É aquilo que nos aconselha o autor da carta aos
Hebreus quando no capitulo 12 escreve: “Caminhai
fitando os olhos em Cristo, o autor da vossa fé”. Para que a nossa mente fique
constantemente em Deus, pensando constantemente aquilo que Deus realiza em nós
através de seu Filho, ou seja, a possibilidade de nós mesmos nos tornarmos
filhos de Deus, precisa abastecer a nossa alma da sua Palavra. Este é o sentido
autentico da oração. De fato, devo aprender a procurar a Deus não apenas na
hora do aperto, da dificuldade, mas manter um constante dialogo com Ele. Só
assim o mal recebido no momento presente, poderá ser colocado dentro um
horizonte de vida e de caminhada bem maior. Quando o ódio me afeta de uma forma
tal que não me deixa dormir, é um sintoma claríssimo que não estou imunizado
contra isso, e não estou imunizado porque a minha vida não é alicerçada em
Deus, mas em mi mesmo. Uma vida embrulhada no egoísmo, em outras palavras uma
vida orgulhosamente em busca de si mesma, não agüenta a força devastadora do
mal, do ódio. Quem não reza será forçado a sucumbir ao ódio do mundo.
Em segundo lugar, a melhor
maneira para aprendermos a viver o Evangelho nestes momentos terríveis, é
abastecer a nossa alma com a vida daquele que doou a própria vida para todos
nós, perdoando no mesmo momento da morte violenta, os próprios algozes. Por
isso a Eucaristia é fundamental nessa caminhada. Na Eucaristia nós comemos o
Corpo de Cristo, o Corpo do Filho de Deus, que não apenas nos convidou á amar
os inimigos, mas fez ele primeiro aquilo que falou para nós. Alimentando a
nossa alma com consciência daquilo que estamos fazendo e não por costume, o
amor de Cristo derramado em nós pelo sacramento que recebemos, transformará o
ódio que mora em nós em amor. Este é o sentido da nossa fé em Deus e no seu
Filho Jesus. A Igreja nos ensina á acreditar que, aquilo que ouvimos e vimos na
humanidade de Jesus, se realiza já nesta vida presente em todos e todas as
pessoas que se alimentam do seu corpo. Não existe possibilidade de amar a não
ser em Cristo, por Cristo e em Cristo.
4. Como, então, saber se as Eucaristias que estamos
participando, estão surtindo efeito? Qual é a prova que estamos amando os
inimigos e não apenas lidando com eles excluindo-os da nossa existência?
“Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a
outra. Se alguém te tomar o manto, deixa-o levar também a túnica. Dá a quem te
pedir e, se alguém tirar o que é teu, não peças que o devolva” (Lc 6, 30).
A verdade do amor de Deus na nossa vida, não se esgota num simples sentimento interior, mas se manifesta exteriormente no desapego ás coisas materiais. O amor verdadeiro que vem de Deus e que nós vimos realizado em Jesus Cristo, liberta as pessoas. A verdade desta Eucaristia não é o cumprimento de um preceito, mas a transformação da nossa vida, das nossas atitudes, dos nossos relacionamentos. A verdade de cada Missa, é um pouco mais de liberdade na nossa vida. Comer o Corpo de Cristo no Domingo significa aceitar que seja Ele o principio inspirador da nossa existência. Aquilo que deve acontecer fora da porta da Igreja é uma experiência de vida nova, aquela vida nova moldada pelo amor de Cristo. Pois esta é a verdade: em Cristo somos criaturas novas, homens e mulheres novas. Vivamos, então, conforme aquilo que recebemos.
Pe Paolo Cugini,
Tapiramutá-BA
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