DOMINGO VI/B
(Lv
13,1-2.44-46; Sal 31; 1 Cor 10,31-11,1;Mc 1, 40-45)
Paolo Cugini
1. A carta aos Hebreus nos lembra que a Palavra de Deus é como uma
espada a dois gumes, que penetra na alma da pessoa e ninguém pode fugir á sua
força. Sempre nesta linha, um padre da Igreja, meditando este texto, falava que
a Palavra de Deus é como um espelho no qual uma pessoa encontra si mesma, pois
a Palavra de Deus revela a identidade da pessoa que dedica tempo para Ela. Tudo
isso pra dizer a importância do texto do Evangelho de hoje, que de fato, revela
muito sobre o sentido da nossa existência.
2. “Um leproso chegou perto de
Jesus e de joelhos pediu: ‘se queres tem o poder de curar-me’” (Mc 1,40).
Se entrarmos com a pergunta
“Quem sou eu?” o Evangelho de hoje oferece duas respostas que em aparência
parecem contraditórias, mas que na realidade apontam um caminho. A primeira
resposta é esta: você é um leproso. A lepra é uma doença que devasta a pela e
desfigura a forma externa da pessoa. Além disso, a lepra é uma doença
transmissível. Por isso, a primeira leitura nos lembrou que, pela lei mosaica,
um homem leproso devia ficar isolado e morar fora do acampamento. É sem duvida
uma medida que visa proteger a comunidade, a própria sobrevivência. Poderíamos-nos
questionar, a essa altura, o que tem a ver esta doença com a nossa existência. Num
sentido espiritual a lepra pode ser comparada com o pecado. De fato, o pecado,
que é desobediência a Deus, desfigura a nossa identidade, estraga a imagem de
Deus presente em nós e que Jesus veio a resgatar. Nascemos mergulhados no
pecado original, ou seja, encontramos no nosso DNA espiritual a tendência
endêmica á autonomia, a viver buscando um próprio caminho autônomo, seguindo
projetos egoístas, nos esforçando de colocar os nossos interesses diante de qualquer
coisa. Esta estrutura egoísta e orgulhosa da nossa existência, que molda a
nossa vida, constitui o núcleo básico que dirige as nossas decisões, os nossos
pensamentos e atos rumo a uma vida autônoma e auto-suficiente. Esta vida
egoísta é o pecado, que é sem duvida uma espécie de lepra, pois além de
desfigurar a nossa identidade, é transmissível, ou seja, tenta sempre de
envolver os outros, de mergulhá-los no mesmo caminho de morte.
A presença de Jesus na historia descortina a nossa realidade.
Olhando para Ele, imagem perfeita de Deus, o leproso se dá conta daquilo que
ele deveria ser e não é. Por isso o
primeiro e constante passo da vida espiritual é o reconhecimento da própria
lepra, é dar o nome a nossa existência, confessando: “eu sou um leproso”. Quem não fizer isso, é porque ainda está
amarrado ao próprio orgulho, ainda se acha o dono da própria vida e não quer de
jeito nenhum abrir mão dos próprios projetos humanos e egoistas. Mais uma vez:
Jesus entrando na historia revela a minha verdadeira identidade: sou um
leproso. Importante, então, é olhar a Jesus para admitir a própria realidade.
Esta confissão deve acompanhar todos os dias da nossa vida. De fato, para sarar
da lepra do pecado, que está enraizado em nós, precisamos a vida toda para
dizer: “Jesus tende piedade de mim que
sou pecador!”.
3. “Eu quero, fica curado” (Mc
1,41).
Se for verdade que a lepra é uma doença devastante e irreversível,
como é que o leproso se dirigiu a Jesus pedindo ajuda? Porque o leproso percebeu
em Jesus uma possibilidade de cura? Porque Jesus despertou no leproso uma
esperança?
Jesus é o santo de Deus. Só uma pessoa santa tem o poder de
despertar vida nas realidades de morte. Este é a segunda parte da nossa
identidade que o Evangelho quer nos entregar. Aquilo que Jesus despertou e
realizou deve acontecer em nós. De fato, a vida sacramental deve realizar em
nós o mesmo Cristo. O Espírito Santo trabalha em nós neste sentido: para
realizar Cristo em nós. São Paolo mesmo, na carta aos Gálatas nos lembra o
sentido da sua missão: “Meus filhos,
sofro novamente como dores do parto, até que Cristo esteja formado em você”
(Gal 4,19).
Então, se é verdade que o Evangelho de hoje nos revela a nossa
identidade de leprosos, de pecadores, o mesmo trecho aponta também o que
devemos nos tornar: outro Cristo. Este é o problema. A vida cristã não é o
caminho para nos tornarmos pessoas boas, honestas: muito mais. Cristo veio para
santificar a nossa humanidade: é este o grande desafio. “Ele nos escolheu em Cristo antes de criar o mundo para que sejamos
santos e sem defeito diante dele, no amor” (Ef 1,4). O mundo precisa de
santos, de pessoas santas. Só a santidade, a vida em Deus mexe com as
consciências, descortina as mentiras. Foi a justiça de Deus que desvendou a injustiça
do mundo. Foi o jeito de amar de Jesus, que descortinou o ódio do mundo. Foi o
jeito de partilhar do Filho de Deus que mexeu com o projeto egoístico do mundo.
È a nossa maneira de amar, partilhar, buscar a justiça que provoca o
mundo mergulhado na lepra do pecado.
4. “Quer
comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa fazei tudo para gloria de
Deus (1 Cor 10,31).
Uma humanidade santa, purificada da lepra do pecado, se manifesta na
vida corriqueira como busca constante da vontade e da glória de Deus. São
Paulo, na segunda leitura de hoje, mostra que esta busca deve poder abrange a
totalidade da nossa existência, também aqueles momentos, aquelas realidades que
não somos acostumados pensar de baixo do olhar de Deus, como o comer e o beber.
Na perspectiva que Paulo aponta o caminho de conversão que o Evangelho de Jesus
nos convida realizar, deve poder entrar e abranger tudo, pois tudo deve ser
recapitulado em Cristo e tudo deve ser cristificado. É esta a razão que deve
nos ajudar a levar a serio a proposta de Jesus e, assim, a luta cotidiana
contra o pecado que deturpa e desfigura a nossa humanidade. O caminho
espiritual pelo qual Jesus veio nos convidar exige a disponibilidade cotidiana
a morrer ao nosso egoísmo, a deixar o Espírito Santo purificar a nossa
existência, a permitir á Palavra de Deus orientar sempre o nosso caminho.
Que Nesta Eucaristia deixamos que Cristo toque a nossa humanidade
para santificá-la e, assim, se tornar instrumento de salvação.
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