Sab 12, 13.16-19; Sal 86;
Rom 8, 26-27; Mt 13, 24-43
Paolo Cugini
1.
A Palavra de Deus não tem somente um sentido espiritual, mas também
existencial. Isso quer dizer que para entendermos o sentido das paginas da
Bíblia e, sobretudo do Evangelho, devemos aprender a entrarmos nela com a nossa
vida. A final de conta, a Bíblia é uma Palavra que Deus dirige aos homens e
mulheres de todos os tempos para salvar-nos de uma vida vazia, perdida. Se as
vezes sentimos a distancia entre nós e a Bíblia é porque não deixamos que ela
penetre na nossa existência.
Por isso as vezes, sentimos indiferença no
confronto da Palavra, talvez porque achamos que Ela não tem nada pra dizer a
nós de importante e por isso não prestamos atenção. Para que a palavra de Deus
possa revelar os seus sentidos pela nossa existência, precisa de duas condições
essenciais. A primeira é o tempo. É impossível entender algo de profundo da
Palavra de Deus se não dedicarmos o tempo necessário. A segunda é a docilidade
ao Espírito Santo. É aquilo que nos aconselho são Paulo na segunda leitura de
hoje: “O Espírito vem em socorro da nossa
fraqueza” (Rom 8, 26). De que fraqueza se trata? Talvez da nossa capacidade
de entender, compreender os conteúdos profundos da palavra de Deus. É com estas
atitudes que abrimos as paginas da Palavra de hoje e, para agilizar a nossa
compreensão, podemos também formular algumas perguntas. De fato, o pano de
fundo existencial das parábolas de Jesus que hoje ouvimos, pode ser referido a
nossa maneira de criar laços humanos, de fazer amizades. Por isso podemos nos
perguntar: quem são hoje os nossos amigos? Quais são os critérios que
utilizamos para discerni-los?
2.
“Deixai crescer um e outro até a colheita!”
(Mt 13, 30).
Na
parábola do joio, Jesus pronuncia uma sentença importante. No tempo presente é
impossível separar o trigo do joio, porque o perigo imediato seria aquele de
arrancar o trigo junto com o joio. Este trabalho de divisão do trigo do joio
será feito só no final dos tempos. Qual é o sentido existencial e espiritual
destas palavras de Jesus? Jesus está ajudando os discípulos a aprender a
conviver com as pessoas ruim. O motivo disso talvez seja contido na outra
parábola que Jesus narra hoje no Evangelho. “O reino dos céus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com
três porções de farinha, até que tudo fique fermentado” (Mt 13, 33).
Este é
o interesse de Jesus: que tudo fique fermentado, ou seja, que nada seja
desperdiçado. Por isso Jesus nos convida a aprender a lidar com as pessoas
ruim, a rezar e até amar os nossos inimigos, a perdoar sempre, porque a
esperança é que tudo se salve, que a semente do Evangelho possa no tempo, nos
séculos, fermentar toda a realidade, também a humanidade ruim. Jesus não apenas
falou isso, mas viveu aquilo que pregava pelos outros. Olhando a turma dos seus
discípulos, Jesus conviveu com pessoas que, enquanto escutavam as suas palavras
e partilhavam a sua vida, matutavam outros planos. É o caso de Judá, o
discípulo que traiu o Mestre. A mesma coisa podemos falar de Pedro. Apesar de
ter sido escolhido como chefe dos discípulos, na hora da perseguição renegou o
Senhor por três vezes. Jesus nos ensina que a caridade é paciente, sabe esperar
o tempo da passagem do Seu Espírito no coração das pessoas, para que possam
mudar. Esta, talvez, seja uma das características da vivencia cristã, que marca
a nossa caminhada. Se, de fato, o mundo descarta logo quem julgou que não
presta, o cristão sabe que não cabe a ele o julgamento, mas ao Senhor. Tempo
presente é o tempo da conversão, da esperança que algo mude. Só Deus conhece os
nossos corações, só Ele sabe aquilo que está acontecendo no coração do homem e
da mulher. É esta uma grande indicação ao mesmo tempo espiritual e existencial
para entrarmos nas nossas famílias, comunidades, grupos de amigos, lugares de
trabalho com uma atitude diferente, menos arrogante e mundana e mais cristã e
humana, respeitosa dos tempos dos outros.
3.
“O reino dos céus é como uma semente de
mostarda que um homem pega e semeia no seu campo” (Mt 13, 31).
Também
nesta breve parábola Jesus nos oferece um ensinamento de grande importância,
que vale a pena salientar. O mundo nos acostuma a pensar que vale somente
aquilo que se apresenta com as características da grandeza, aquilo que é
deslumbrante. Muitas pessoas fascinadas com esta miragem passam a vida toda
sonhado conseguir alcançar objetos de valor, dinheiro, fama, gloria. Jesus com poucas
palavras revela que a dignidade de uma pessoa não passa por ai. O reino dos
Céus, no qual nós batizados somos envolvidos, é como uma semente de mostarda,
ou seja, pequeno e não grande. É a menor semente e não a maior. É escondida
dentro da terra e não manifestada perante todos. Quer dizer isso para nós? Que
a lógica do reino, a lógica do Evangelho é totalmente diferente da lógica do
mundo. Quem busca a Deus com todas as forças, não precisa daquilo que o mundo
oferece. A sede do poder, do dinheiro, das coisas materiais são sintomas
daquilo que está dentro do coração do homem: não precisa falar, se explicar, se
justificar. Aonde é o meu coração lá e o meu tesouro. Se o nosso coração é
repleto de Deus e do seu amor, na nossa vida, no nosso dia a dia buscaremos
aquilo que é menor, escondido, pequeno. Se o Evangelho está preenchendo a nossa
alma, então os nossos desejos serão os mesmo desejos de Cristo, que de rico que
era se fez pobre para nos encontrar e que, apesar de ser de natureza divina se
despojou disso para encontrar a nossa humanidade.
O cristianismo, o caminho que
Jesus traçou não é um punhado de palavras, mas sim um estilo de vida, uma
maneira diferente de viver. E este estilo de vida não se expressa apenas na
vida consagrada, mas deve brilhar na vida corriqueira das pessoas casadas em
Cristo, nas famílias que tem no Evangelho o programa de vida, nos jovens que anseiam
o amor de Jesus, nos adolescentes que estão aprendendo os primeiros passos da
vida cristã, nos namorados que desejam viver o amor conforme se manifestou na
vida de Jesus. A semente de mostarda que é o Evangelho, que é Jesus, quer
transformar toda a nossa humanidade, toda a história e o mundo em amor. E o
amor não é vulgarmente exposto ao olhar do mundo, mas é escondido nos pequenos
gestos da vida concreta. Por isso precisamos da Eucaristia, precisamos que Deus
derrame este amor nos nossos corações, para que aprendemos a conviver com
todos, também com as pessoas ruim, esperando no julgamento final. Precisamos da
Eucaristia para vencermos as ilusões de gloria e grandeza que o mundo coloca na
nossa frente, para continuarmos a almejar a vida escondida de Cristo, que da
pequena e humilde cidade de Nazaré, transformou e continua transformando a
humanidade toda.
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