sabato 29 novembre 2025

PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO / A

 




 

Paolo Cugini

 

 

Um novo ano litúrgico começa, e a Igreja nos convida a recomeçar, a dar um novo começo. Ela nos oferece, portanto, a oportunidade de abordar aquelas lacunas que ainda faltam em nossa caminhada de fé. Há esperança para nós, e nem tudo está perdido: esta é a mensagem que o tempo do Advento tanto esconde quanto nos oferece. Há esperança para todos nós de sermos pessoas novas, mais autênticas, pessoas capazes de amar, perdoar e colocar o Evangelho de Jesus em prática. Vejamos, então, o que este primeiro domingo do Advento nos oferece.

E eles não perceberam . Esta é a tarefa da espiritualidade do Advento: ajudar as pessoas a perceberem algo, a compreenderem uma presença que não pode ser apreendida com simples dados sensoriais, mas que requer algo mais. No versículo proferido por Jesus, há uma afirmação importante: ao dizer que eles não perceberam nada, ele quer dizer que algo está ali, e é precisamente isso que devemos aprender a descobrir. Há uma presença misteriosa na história que se insinua no tecido normal da vida diária — eles comiam e bebiam, casavam e eram dados em casamento — e devemos aprender a compreendê-la porque ela nos revela o significado da história, a importância de nossas ações e motiva nossas escolhas. Como podemos fazer isso?

Vigiai, pois, porque não sabeis em que dia virá o vosso Senhor. O Advento é o tempo em que os cristãos são convidados a praticar a vigília, aprendendo a ver na história o que os olhos da carne não conseguem perceber. Vigiar significa afastar-se do sono, permanecer atento, vigiar as coisas, estar presente. Isso requer um estilo de vida sóbrio, para que os nossos sentidos não sejam sobrecarregados. Como os monges ensinam há séculos, a oração requer uma alimentação modesta para evitar o risco de adormecer e, assim, distrair-se, perdendo o foco no presente. Vigiamos quando damos espaço ao Evangelho, à palavra de Jesus, quando a lemos, meditamos nela e procuramos assimilá-la para que ela entre nas escolhas que fazemos, na nossa maneira de ser e agir. Portanto, vigiar significa não deixar que a nossa vida seja a mesma de sempre, mas ser verdadeiramente influenciado positivamente pelo Espírito do Evangelho. O que a vigília nos permite ver? Que realidade nos permite vislumbrar no tempo presente, nos meandros da vida quotidiana?

Eles transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices; uma nação não levantará a espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra . O profeta Isaías revela isso na primeira leitura. Aqueles que permanecem vigilantes tornam-se capazes de penetrar a história presente, que aparentemente parece dominada por dinâmicas de ódio que levam à guerra, a antagonismos entre indivíduos e nações, para ver o que Deus sempre preparou: um mundo de paz. Enquanto homens e mulheres se tornam diariamente protagonistas de um espetáculo indecoroso, imerso em disputas e conflitos, Deus, por sua vez, atua na história com o Filho do Homem, para transformar os instrumentos do ódio em instrumentos de paz. Há um princípio de transformação que atua na história por meio do Espírito do Senhor Jesus, um Espírito que os cristãos receberam. Nessa perspectiva, a Igreja deve ser esse espaço da humanidade que realiza o processo de transformação da paz sonhado por Deus e vivido por seu Filho.

Uma mensagem que Isaías, filho de Amós, recebeu em uma visão. Os cristãos devem ser aqueles capazes de visão, de enxergar além das aparências, de compreender o significado profundo da história, a direção que Deus está dando por meio de seu Filho e da ação do Espírito: um mundo de paz. Os cristãos devem ser diferentes das massas, envoltas no anonimato e no vazio da matéria, porque são capazes de olhar além, além do nada que o consumismo oferece, capazes de abraçar visões

 

venerdì 28 novembre 2025

O Princípio da realidade no ensino de Jesus





Observar a realidade como caminho para a fé autêntica

Paolo Cugini

 

Observai a figueira e todas as árvores (Lc 21,29).

 É muito interessante esta indicação de Jesus. Para resolver um problema, Ele orienta as pessoas a observar a realidade. Assim se abre o caminho para a fé autêntica, não pelas asas de fantasias ilusórias, mas pela observação atenta do quotidiano. Jesus, Mestre de sabedoria e de concretude, convida-nos a olhar o mundo com olhos límpidos e coração aberto, a mergulhar na história para nela descobrir a luz do Mistério.

Não é a primeira vez que ocorre uma cena semelhante no Evangelho. Quando surgiu o dilema do tributo a César, Jesus não respondeu com discursos abstratos, mas pediu uma moeda e convidou a observar o rosto nela gravado. A fé, então, não nasce de narrativas mitológicas ou de voos de imaginação; o caminho que o Messias traça é aquele em contacto com a realidade, como quem caminha com os pés bem assentes na terra.

No coração da história, há uma luz que se revela apenas a quem observa, a quem está atento, a quem não se deixa distrair pelos pensamentos que povoam a mente. Jesus ensina não a voar pelo céu, mas a caminhar sobre a terra, a ler o sentido profundo da vida no presente, na irreduzível pluralidade da existência. A luz do Mistério manifesta-se como as cores do arco-íris que, juntas, formam o branco: mil nuances, mil histórias diferentes, unidas numa só presença. É uma sabedoria antiga, que ressoa no mundo.

João, no seu Evangelho, lembra-nos que «a luz veio ao mundo, mas o mundo não a reconheceu». Talvez o motivo seja a distração, o deixar-se prender pelos próprios pensamentos e não ver a realidade que está diante de nós.

O caminho da luz é um percurso de abertura, de atenção, de imersão no presente. A vida revela-se a quem sabe captar o sentido da realidade, a quem não teme a complexidade e a pluralidade que caracterizam cada dia. A fé não é uma fuga do mundo, mas um olhar profundo que transforma a realidade em revelação. «Ninguém pode ver a luz se não observa a realidade», diz o profeta no coração da história. Em tempos de distração coletiva, o apelo de Jesus é profético: «Observa, escuta, vive com atenção». Só quem está presente a si próprio e ao mundo pode reconhecer a luz que se esconde no quotidiano, pode captar o Mistério que transfigura a realidade.

Esta é a via da fé: o milagre de um coração que vê, de um olhar que acolhe, de uma vida que se deixa iluminar pela luz que vem do Alto, mas que se revela na terra.

 

giovedì 20 novembre 2025

Quando o Mistério passa perto de nós

 



Uma visita que abala a história

Paolo Cugini

 

 

Não reconheceste o tempo em que foste visitada (Lc 19,44).

O tempo suspende-se quando o Mistério se manifesta. Cada instante da história humana pode ser marcado por uma visita que transforma, ilumina, abala as próprias fundações da existência. Jesus é o Mistério que habitou a nossa terra, e a sua visita não é apenas um acontecimento passado, mas um evento que ainda hoje chama cada um de nós. Nele, o Mistério tornou-se próximo, alcançável, e, no entanto, sempre além de qualquer das nossas previsões. A pergunta que atravessa os séculos renova-se: estaremos prontos para reconhecer a visita do Mistério?

“Eis que vos anuncio uma grande alegria”, assim ressoa a voz dos anjos na noite de Belém. O anúncio está sempre carregado de júbilo, mas nunca é algo adquirido. A verdadeira alegria nasce quando o coração se abre ao imprevisto, quando se acolhe a visita como dom e não como incómodo. Preparar-se para o encontro com o Mistério significa dilatar a própria espera, purificar o olhar, tornar a casa da alma digna de um Hóspede inesperado e querido. O anúncio desperta, abala, mas pede para ser abraçado com uma disponibilidade nova: “Bem-aventurado aquele que não se escandaliza de mim”.

Não se nasce pronto para reconhecer o Mistério. O caminho para o encontro é tecido de gestos, palavras, exemplos recebidos de quem nos precede. Pais e mães, mestres e guias são as pedras miliares desta preparação: através do seu testemunho, o Mistério torna-se menos estranho, torna-se familiar, embora permaneça sempre outro. São eles que ensinam a esperar, a perguntar, a não se contentar com o já visto. A educação recebida abre a estrada para o encontro, mas é necessário que cada um complete o caminho pessoalmente. Não basta saber, é preciso encontrar. O Mistério manifesta-se, mas muitas vezes permanece despercebido aos olhos distraídos. Reconhecer significa deixar-se interrogar, permanecer diante daquilo que escapa aos nossos esquemas. O conhecimento que nasce da escuta sincera, da busca apaixonada, conduz ao encontro: “Vinde e vede”, diz o Mestre. Só quem se arrisca, quem se deixa envolver, chega a entrever o rosto do Mistério. O seguimento não é imitação estéril, mas experiência viva que continuamente renova a pergunta: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”

O fascínio da visita revela-se no percurso que cada um é chamado a cumprir: escutar a palavra, seguir os seus passos, testemunhar a sua presença. A escuta é atenção fiel, silêncio que acolhe. O seguimento é decisão corajosa, escolha que envolve a vida. O testemunho é luz que se difunde, energia que contagia. Neste caminho experimenta-se a exigência radical do Mistério: nada pode permanecer como antes, tudo deve ser reorientado. E, no entanto, é precisamente aqui que se encontra a felicidade mais verdadeira, aquela que não teme as tempestades. Seguir o Mistério não é um percurso cómodo. O caminho espiritual fascina porque promete uma plenitude que não se encontra noutro lugar; exige, porque pede a conversão quotidiana, a fidelidade na provação, a alegria mesmo na fadiga. A busca do Mistério requer a coragem de realmente o querer, de se deixar transformar. A beleza desta viagem está na descoberta contínua de um rosto que se revela e se esconde, que chama e surpreende, que convida e provoca.

Jerusalém viu o Mistério, mas não o reconheceu. O choro de Jesus sobre a cidade é o choro de quem ama e não é acolhido. “Não reconheceste o tempo da tua visita”, adverte o Evangelho. Este erro repete-se sempre que o coração se fecha, que a rotina sufoca a surpresa, que a presunção impede a acolhida. Jerusalém torna-se assim espelho e advertência: não deixemos que o Mistério passe sem ser visto, não percamos o dom porque estamos demasiado ocupados com outras coisas.

O Mistério continua a visitar a história, a bater às portas da nossa vida. A alegria do anúncio interpela, a necessidade da preparação responsabiliza, a beleza do caminho fascina e abala. Cada encontro com o Mistério é ocasião de vida nova, de despertar profundo. Que esta visita não seja ignorada, que o fascínio e a exigência do caminho nos conduzam para além do medo e da preguiça. Preparemo-nos, escutemos, deixemo-nos envolver: só assim poderemos reconhecer a visita do Mistério e acolher a alegria que transforma o coração e o mundo.

 

lunedì 17 novembre 2025

Na fonte da luz

 




Reflexão profética sobre a cegueira interior e o caminho para a luz

Paolo Cugini

 

 

Jesus então parou e ordenou que o trouxessem até Ele. Quando ele se aproximou, Jesus perguntou-lhe: «Que queres que eu te faça?». Ele respondeu: «Senhor, que eu volte a ver!». E Jesus disse-lhe: «Recupera a tua vista! A tua fé te salvou» (Lc 18, 39-44).

Há um mal subtil que serpenteia pelas dobras da alma, uma sombra que se insinua silenciosa e que, com o tempo, corre o risco de se tornar condição permanente: a cegueira da consciência. Não é uma doença visível, não deixa marcas tangíveis na carne, mas atinge mais profundamente, cegando a nossa capacidade de ver, de distinguir, de nos orientarmos no mar agitado da vida. Não se cura da cegueira da consciência ficando parado, imóvel, à espera que o milagre caia do alto como chuva numa noite de verão. Nem sequer basta implorar uma cura, presos na repetição de palavras que não geram verdadeira mudança. É necessário realizar um movimento, uma saída consciente da própria condição de cegueira, um ato de vontade que nos impulsione em direção à fonte da luz.

Contudo, muitas vezes as nossas pernas tremem, o coração hesita, a mente confunde-se. É preciso alguém que nos pegue pela mão, que nos ajude a chegar até quem nos pode devolver a vista e mostrar a luz. Ninguém se salva sozinho: a solidariedade, a amizade, a orientação de quem já percorreu esse caminho tornam-se faróis na escuridão.

Há um perigo grave que paira sobre quem permanece demasiado tempo na obscuridade da própria condição interior. Quando a mente se habitua demasiado a viver nas trevas, corre-se o risco de as confundir com o próprio horizonte natural, de perder até a memória da luz. Nesse momento, consuma-se o drama do não retorno: o abismo que transforma a escuridão em normalidade, que torna incapazes de desejar a verdade, a beleza, a vida plena. Prolongar a permanência nas trevas, deixando que a negatividade invada todos os aspetos da existência, danifica irremediavelmente a nossa capacidade de ver, de esperar, de ousar. Somos responsáveis pelas nossas obscuridades, assim como pelas nossas ressurreições.

No Evangelho de Lucas, o cego à beira do caminho não fica em silêncio. Ele grita, rompe o silêncio do desespero dando voz ao desejo de luz. Esse grito é o primeiro ato de vontade, a centelha que acende a possibilidade de mudança. Não é Jesus que vai ao encontro do cego, mas sim o cego que, ajudado, se aproxima do Mestre. É a vontade de sair da própria zona de sombra que abre o caminho para o milagre. Não existem milagres ou intervenções repentinas que possam resolver aquilo que nos aflige se não formos nós, antes de mais, a desejar a cura, a dar o passo fora das nossas trevas. Somos nós os protagonistas dos nossos próprios danos, mas também das nossas ressurreições. Ninguém pode escolher por nós: a liberdade, esse dom terrível e maravilhoso, coloca-nos perante a responsabilidade das nossas escolhas. A saída voluntária do mal é sinal de uma fé viva, que não se limita a palavras, mas se torna ação, movimento, mudança concreta. É a fé que nos salva, porque é a resposta pessoal ao dom gratuito de amor que o Mistério nos revela em Jesus. Não se trata de uma fé passiva, mas de uma fé que bebe na fonte da luz e do amor dentro da história, todas as vezes que o quisermos.

A profecia que hoje ressoa para cada um de nós é um convite corajoso: não permaneças imóvel na noite da consciência, nunca identifiques a escuridão com o horizonte possível da vida. Há uma fonte de luz, de amor, de salvação, à qual podemos recorrer, mas só se o quisermos verdadeiramente. Cabe-nos a nós iniciar o caminho, gritar, sair, procurar a luz com todo o coração. Porque é só ali, no limiar entre a sombra e a claridade, que acontece o milagre do renascimento.

 

domenica 16 novembre 2025

NOSSO SENHOR JESUS​​CRISTO REI DO UNIVERSO





 XXXIV DOMINGO DO TEMPO COMUM  – ANO C – SOLENIDADE

 

Lc 23,35-43

Paolo Cugini

 

 

Hoje se encerra o ano litúrgico durante o qual ouvimos o Evangelho de Lucas, que narra a jornada de Jesus de Nazaré a Jerusalém. Uma jornada repleta de surpresas e escolhas difíceis, de duras controvérsias com os fariseus e a classe sacerdotal do Segundo Templo, que o conduziram à cruz. A liturgia do Ano C conclui o ano com a Solenidade de Cristo, Rei do Universo, oferecendo-nos uma leitura que narra o grande sofrimento e a humilhação de Jesus na cruz. Por que essa escolha? O que ela quer nos dizer?

Naquele momento, [depois de terem crucificado Jesus,] o povo ficou observando; mas os líderes zombaram de Jesus.

A vida de Jesus foi repleta de amor, atenção a todos que encontrava pelo caminho, especialmente aos mais pobres. Ele conheceu muitas pessoas e dedicou sua vida a fazer o bem. Contudo, nos momentos finais de sua vida, Jesus experimentou uma profunda solidão. Chegou nu à cruz, zombado, ridicularizado, espancado, humilhado e, sobretudo, abandonado por seus amigos, os discípulos, com quem compartilhou os anos de sua vida pública. Por que essa solidão? O que ela significa para nossa jornada de fé? As terríveis horas que marcaram os momentos finais da vida de Jesus revelam os corações de seus discípulos, suas expectativas frustradas e sua profunda decepção. A cruz de Jesus revela, de forma definitiva e dramática, que Jesus não é o rei político esperado, capaz de derrotar os romanos: ele é algo completamente diferente. Os discípulos percebem, desde o momento em que Jesus é preso, que seu discipulado, suas expectativas, não correspondiam ao que Jesus pretendia propor. E, no entanto, poderíamos dizer, eles o haviam escutado, haviam visto suas obras, então por que essa perplexidade? Por que toda essa incompreensão? A realidade da cruz desmascarou e expôs as fantasias de glória dos discípulos, suas ideologias. A atenção à realidade permite um processo de desconstrução das ideologias que obstruem nossas mentes e filtram a realidade, impedindo-nos de compreendê-la. Para os discípulos, a cruz representava a morte de seus ideais e a possibilidade de um renascimento para uma nova vida.

"Ele salvou outros! Que salve a si mesmo, se ele é o Cristo de Deus, o Escolhido."

O pedido dos líderes do povo a Jesus mostra que eles compreenderam completamente mal a sua mensagem. A prova que exigem para comprovar que ele é o Cristo é a sua própria salvação. Jesus demonstrou exatamente o oposto: demonstrou ser o Cristo de Deus precisamente através de uma vida de total entrega, esforçando-se continuamente para salvar a vida daqueles que encontrava. Jesus nos mostrou com a sua vida que salvamos as nossas vidas ao perdê-las por aqueles que amamos, por aqueles que encontramos. Enriquecemo-nos ao sacrificarmo-nos para partilhar com os necessitados. Este é o grande ensinamento humano de Jesus: um amor imensurável por todos. Desta perspectiva, devemos também lembrar as palavras que Jesus proferiu na cruz, precisamente na versão de Lucas que estamos lendo, quando afirma: " Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem ". Podemos perguntar-nos: existe amor maior do que este? Ao morrer na cruz, Jesus não pensa na sua própria salvação, mas sim na salvação dos seus assassinos. Jesus morre sozinho na cruz, mas plenamente consciente das suas escolhas. Ele morre livre por amor: escolheu amar até o fim.

"Em verdade vos digo que hoje estarás comigo no paraíso."

Jesus morre entre dois ladrões: a morte do infame, confirmando toda a sua trajetória, na qual nunca buscou ser alguém, buscar a glória dos homens, mas sempre atento aos mais fracos. Aqueles que decidem dedicar suas vidas aos pobres não têm tempo para pensar em sua carreira. Mesmo na cruz, Jesus está atento aos que o rodeiam, escuta-os, e mesmo nesse contexto, emerge que seguir não é uma questão de participação em massa, mas de escolha pessoal.

Jesus é o rei do universo porque, com sua escolha pelo amor autêntico, rejeitando a glória dos homens, ele entra nas veias da história com seu Espírito de amor que todos podemos acolher.

 

venerdì 14 novembre 2025

Advertência à existência consciente

 




Paolo Cugini

 

 

Comiam, bebiam, casavam-se, davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca e veio o dilúvio (Lc 17,26).

No caminho silencioso da humanidade, chega um momento em que é necessário se questionar profundamente sobre o sentido da própria existência. Em uma época de mudanças rápidas e de verdades que escapam pelos dedos como areia, ergue-se uma voz solene que convida a despertar a consciência, a sacudir o torpor que obscurece a mente e o coração. Hoje falo para quem tem coragem de ouvir, para os adultos que buscam e para os estudantes que duvidam: ouçam este alerta que atravessa gerações como um vento que açoita e convida a despertar do sono da indiferença.

Há um risco sutil, muitas vezes ignorado, que recai sobre quem caminha sem pensar: o de deslizar lentamente para um estado instintivo, em que cada gesto se reduz à mera sobrevivência, semelhante ao das feras desprovidas de consciência e de sonhos. Viver sem se questionar equivale a renunciar à própria humanidade, a apagar a centelha que distingue o ser humano da repetição cega do hábito. Nessa condição, os dias passam iguais, sem entusiasmo, e a alma se retrai, incapaz de vislumbrar horizontes ou possibilidades.

Quando a vida carece de um significado escolhido e nutrido interiormente, perde-se o rumo e se entrega à corrente dos acontecimentos. Não é a moral que fala aqui, mas a voz mais antiga da existência: sem um ponto fixo, sem um objetivo que oriente o caminho, o indivíduo se perde no caos das possibilidades. É como vagar em mar aberto sem estrela-guia, condenado a um eterno retorno ao mesmo ponto, incapaz de crescer, de amar profundamente, de construir algo que tenha valor.

Costuma-se celebrar a liberdade como bem supremo, e contudo existe uma liberdade enganosa que se transforma em escravidão. Quando se vive sem escolhas conscientes, sem o esforço do discernimento, torna-se escravo dos próprios impulsos, das modas, dos humores passageiros. Crê-se livre, mas na realidade é levado por forças invisíveis que conduzem os passos à dispersão e à perda de si. Somente quem enfrenta o peso da responsabilidade pode saborear a verdadeira liberdade, aquela que nasce da autenticidade e da coragem de dar forma à própria vida.

Para realmente perceber o mundo, para sentir o pulsar das coisas, é preciso desejar a vida, abraçá-la com todo o ser. É o desejo que abre os olhos e torna sensível às belezas e sofrimentos que nos cercam; sem ele, torna-se cego, indiferente, prisioneiro de uma rotina que corrói por dentro. Apenas quem realmente deseja viver pode responder ao chamado da consciência e transformar a própria existência numa obra única e significativa.

Viver sem desejo e sem pensamento conduz a outro perigo: o da indiferença, que muitas vezes se torna cumplicidade silenciosa com o mal que habita o mundo. Quando se desviam os olhos das injustiças, quando se permanece espectador passivo das atrocidades que acontecem ao redor, torna-se parte do problema, agente involuntário do degrado. Muitas vezes, a consciência só desperta diante do drama, quando o mal já criou raízes profundas e redimir-se torna uma tarefa árdua, por vezes impossível.

Eis então o alerta que chega como um trovão na noite: acordem! Não se deixem apenas viver, mas tomem as rédeas da sua existência. Reorganizem suas vidas como quem, após a tempestade, reconstrói a casa sobre as fundações sólidas do pensamento e do desejo autêntico. Busquem pontos de referência que deem sentido à sua caminhada, cultivem a consciência dia após dia. Não esperem que seja tarde demais, que a dor os obrigue a ver aquilo que agora podem escolher enxergar com novos olhos. O tempo de despertar é agora. O destino de cada um se escreve no instante em que se decide viver de verdade.

 

sabato 8 novembre 2025

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – ANO C

 



 

Lc 21,5-19

Paolo Cugini

 

Chegamos ao fim do ano litúrgico e a liturgia, como sempre, nos ajuda a refletir sobre a jornada que percorremos. O fim do ano litúrgico traz consigo os prenúncios do fim de nossas vidas e do fim da história. As leituras que acabamos de ouvir refletem os temas do fim dos tempos. O profeta Malaquias, na primeira leitura, adverte que "o dia está chegando, ardendo como uma fornalha" (Ml 3,19). O Salmo 97 também ecoa esses temas apocalípticos, lembrando-nos que Deus "julgará o mundo com justiça e os povos com equidade". Na segunda leitura, São Paulo exorta os fiéis de Tessalônica a viverem vidas dignas, trabalhando para ganhar o pão de cada dia. Em seguida, temos o Evangelho, no qual concentramos nossa atenção.

Naquele tempo, enquanto alguns falavam sobre o templo, como ele era adornado com belas pedras e oferendas votivas, Jesus disse: "Quanto a essas coisas que vocês veem, dias virão em que não ficará pedra sobre pedra que não seja derrubada."

Essa frase resume muito bem a proposta que Jesus fez durante sua pregação pública. O templo, do qual não restará uma única pedra e que, consequentemente, será destruído, refere-se ao tipo de proposta religiosa que o templo representa e aos valores que ele defende. A proposta de Jesus se opõe radicalmente à religião do templo. O templo, de fato, é o símbolo de uma religião que considera a relação com Deus como um mérito a ser conquistado por meio de sacrifícios, ritos mediados pela classe sacerdotal, que, sobre esse sistema religioso, impõe enormes impostos. É uma classe sacerdotal que, nos últimos séculos, enriqueceu-se às custas das classes mais pobres da sociedade palestina. É, portanto, uma religião para poucos, uma religião que perdeu o significado autêntico da relação com Deus e é prisioneira de uma classe sacerdotal que construiu uma rede de leis e decretos que transformam a vida das pessoas em um verdadeiro inferno. De tudo isso, diz-nos Jesus, nada restará. Jesus, ao contrário, não fala de mérito, mas de dom; Ele não fala de leis, mas coloca a pessoa no centro. A proposta de Jesus é o Reino dos Céus, que tornou o amor do Pai acessível a todos, não apenas gratuitamente, mas também sem distinção. Isso não é apenas chocante, mas radicalmente oposto e incompatível. O que Jesus diz ao contemplar as pedras do templo se refere, na verdade, ao que o templo representa. Quem abraça o Reino dos Céus, quem abre espaço para o amor do Pai dado livremente, deve destruir a lógica religiosa da religião do templo.

Nação se levantará contra nação, e reino contra reino. Haverá grandes terremotos em vários lugares, e fomes e pestes… Mas antes de todas essas coisas, eles lançarão mão de vocês e os perseguirão, entregando-os às sinagogas e às prisões… e vocês serão odiados por todos por causa do meu nome.

Jesus usa a linguagem apocalíptica dos profetas que anunciaram o fim dos tempos, como Joel, Ezequiel e Zacarias. Portanto, não devem ser tomadas como indicações historicamente verificáveis, mas como pistas para uma jornada profunda a ser buscada no âmago da história, na vida de cada um de nós. Há, contudo, uma certeza naqueles que, atraídos pela palavra do Evangelho, decidem abraçar a proposta do reino dos céus e abandonar a religião do templo, destruindo-a em si mesmos: pagarão caro. Substituir a lógica do Deus temível pelo amor do Pai; substituir a lógica da nação forte e poderosa que destrói outros povos pela lógica do reino dos céus baseada na igualdade e na justiça para os mais fracos; substituir a ideia da família patriarcal pela proposta de uma comunidade de discípulos que fazem das relações de amor livre e altruísta o sentido de sua convivência. Como disse acima, uma substituição tão clara e radical não é indolor, mas causa profundas lacerações em todos os níveis. O convite de Jesus é para que se preparem para o violento choque que todos os discípulos experimentarão: vocês serão odiados por todos por causa do meu nome. Essas palavras são semelhantes às que Jesus dirá na Última Ceia, no Evangelho de João: todos os odiarão (João 15). A espiritualidade dos discípulos do Senhor, que desenvolvem essas escolhas ao longo do caminho, que os colocam em conflito com o mundo, deve ajudá-los a resistir.

Mas nenhum fio de cabelo de vocês se perderá. Pela sua perseverança, vocês garantirão a sua vida.

Esta é a certeza que o Senhor oferece: Ele não nos abandona. Para sentirmos a Sua presença, que nos encoraja nas escolhas que fazemos, devemos passar do plano externo para o interno, ou, como diria Paulo, trabalhar para fortalecer cada vez mais o homem (a mulher) interior. É a perseverança que nos salva do vazio da religião do templo. A perseverança fala de liberdade pessoal, da capacidade de organizar a nossa vida espiritual, de modo a não permitir que nada nem ninguém nos prive do grande tesouro que o Pai nos comunica no Filho e nos dá com o Seu Espírito: o amor. 

 

lunedì 3 novembre 2025

A Luz da gratuidade

 




Paolo Cugini

 

 

Quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos; e serás bem-aventurado porque eles não têm como te retribuir. Receberás, de facto, a tua recompensa na ressurreição dos justos (Lc 14,14).

A gratuidade é o selo de quem escolheu habitar na luz do Mistério. Ela não é simplesmente uma virtude, mas a manifestação de uma vida transfigurada: quem vive do amor que provém do Mistério revelado por Jesus já não precisa de mais nada. O seu coração não busca o aplauso do mundo, nem as honras que se dissipam como neblina ao nascer do sol. Não deseja ser reverenciado, pois a sua sede foi saciada na fonte que nunca se esgota. Quando a luz do Mistério irrompe na alma, penetra cada recanto, purifica, preenche e molda a consciência. Quem a acolhe sente paz, uma sensação de plenitude que supera qualquer realização terrena, um estado de cumprimento que nada exige, pois já possui tudo.

Mas a luz, pela sua própria natureza, não pode permanecer confinada em quem a recebe. Assim, o caminho da luz prossegue e, ao alcançar a alma, enche-a de tal maneira que nasce o desejo de partilhar com os deserdados da história, com quem não tem voz nem rosto. Como o sol que não retém os seus raios, a gratuidade derrama-se, de modo delicado, silencioso, imperceptível, na trama das existências quebradas. Há muito amor em quem partilha gratuitamente, sem esperar recompensa, sem fazer cálculos. A luz não pode reter os seus próprios raios, mas penetra a história por dentro, como o fermento na massa, gerando silenciosamente vida nova. Um gesto gratuito é amor que não quer fazer alarde, pois tudo ocorre no clima íntimo de uma relação pessoal, que é geradora, fecunda, capaz de transformar o coração.

Dificilmente quem recebe um gesto gratuito permanece indiferente, especialmente se a sua pobreza é grande. Nesse instante, nasce um novo sentimento: a gratidão alegre, inesperada como a primavera nos ramos despidos. A alegria não reside apenas em quem doa, mas também em quem recebe inesperadamente o dom, como quem se descobre amado sem mérito. Assim se gera um círculo de luz entre quem dá gratuitamente e quem recebe. Um círculo que difunde amor, plenitude, sentido de realização, e que nunca se interrompe. É o Mistério que se faz carne, que se insinua na história e a transfigura por dentro, como a semente que cresce invisível no silêncio da terra. E a gratuidade permanece como sinal de uma vida imersa na luz, uma luz que não se apaga, mas continua a gerar vida, sentido, esperança.

A gratuidade é a carícia silenciosa de Deus na história dos homens.