martedì 22 dicembre 2020

NATAL: CAMINHO DE HUMANIZAÇÃO

 



 

Paolo Cugini

 

Dizia o filósofo Mircea Eliade que, um dos rituais comuns encontrados nos povos antigos, era contar a origem das coisas antes de semear. Essa narração, constituiu uma espécie de bênção para a colheita, pois foi uma forma de colocar ordem na realidade, de voltar simbolicamente no tempo dos começos. Ouvir a narração do Natal do Senhor pode, portanto, ter o significado profundo de refazer o caminho que a mensagem de Jesus fez na história, é uma espécie de "retorno às origens", que nos permite começar tudo de novo, para tentar transpor aquele fosso que parece intransponível entre o Evangelho e o Cristianismo, entre Jesus e a doutrina, entre o início da história e a atualidade da comunidade.

«Maria deu à luz o seu filho primogénito, envolveu-o em panos e colocou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles no alojamento » (Lc 2, 7). 

É sempre fascinante ouvir a página do Evangelho de Lucas, em que se narra o nascimento de Jesus, estranha narrativa pelo profundo realismo que contém. Quem poderia ter inventado, de fato, tal história, em que o nascimento do Salvador do mundo é descrito de forma tão diferente do que se esperaria? Quem poderia ter narrado o nascimento de um rei em um contexto de pobreza e rejeição? É, portanto, um fato importante que deve ser levado em consideração por todos aqueles que se identificam com a massagem do Evangelho. A primeira forma de ser fiel ao Evangelho consiste em aderir à realidade como Deus quis manifestá-la, sem querer embelezá-la ou adoçá-la, porque é na realidade que a verdade se manifesta. Talvez, nunca como neste contexto cultural pós-moderno, o Ocidente tenha tido a oportunidade de aderir à realidade, de ouvi-la como ela é, sem precedê-la de sistemas conceituais. Ensinamento primeiro do presépio, parece-me precisamente isto: recolocarmo-nos em silêncio, ouvir a realidade, estar disponíveis para apreender o mistério da vida tal como se manifesta, para nos maravilharmos, como o fazem as crianças quando descobrem as coisas. Com efeito, Jesus não disse: « se não voltares como crianças, não entrarás no reino dos céus» (Mt 18, 3)? Natal significa, então, disposição para deixar de lado nossas presunções, nossos preconceitos, para ouvir a realidade como as crianças, ou seja, como se fosse a primeira vez.

Que verdade encontramos quando ouvimos a manifestação da realidade como ela é? Sem dúvida não apreenderemos a verdade na forma de doutrina, mas sim do acontecimento que se passa na história e, consequentemente, muda ao longo do tempo porque se caracteriza pela contingência. No Ocidente, identificamos a verdade com a abstração, para nos proteger das inquietações que a manifestação da realidade no tempo presente provoca. Para isso, elaboramos as doutrinas que nos protejam da realidade, para não permitir que a dureza da realidade estraga os nossos planos. Nesta perspectiva, o Natal representa a maior subversão das doutrinas humanas, dos projetos pré-estabelecidos, das teologias feitas à medida. Deus entrou na história de maneira surpreendente, nos pegando desprevenidos, obrigando-nos a desmontar nossos sistemas presunçosos. Diante do presépio, não temos escolha: ou o escutamos e acolhemos os conteúdos que aquele acontecimento nos quer revelar, ou o rejeitamos adoçando-o, que é a forma pervertida de qualquer teologia que não aceita ser desmascarada e, conseqüentemente, modificada. Não é ao acaso  que a festejar diante do presépio não estavam os doutores da lei, mas os pastores; não haviam os comerciantes ricos, mas os pobres.



«Estando elas naquele lugar, cumpriram-se para ela os dias do parto » (Lc 2, 6). O cumprimento do tempo anunciado pelos profetas ocorre de forma inesperada e em um lugar não planejado. O que esses dados estranhos, mas significativos, significam? Talvez a aceitação do Evangelho exija a capacidade de acompanhar os acontecimentos à medida que se manifestam, também porque o mistério de Deus se anuncia no acontecimento. Educar-nos para a atenção é uma das tarefas mais importantes que temos pela frente porque, como dizia Simone Weil: “A atenção consiste em suspender o próprio pensamento, em deixá-lo disponível, vazio e permeável ao objeto [...] cada vez que se presta muita atenção é destruído um pouco do ruim em si mesmo "(Simone Weil, A espera de Deus). Natal, então, significa reeducar-nos para a surpresa do acontecimento, significa a humildade de nos deixarmos despojar das nossas teologias, dos nossos modos de pensar sobre Deus, de lançar a nossa armadura de defesa e estar, assim, disponíveis para acolher o mistério do Deus, como se manifesta no tempo presente da comunidade e da nossa própria história pessoal. 

Envolveu-o em panos e colocou-o na manjedoura " (Lc 2,7). Que liturgia espetacular! Diante desta maravilha da simplicidade, que comunica a forma autêntica de Deus entrar em contato com a humanidade, ela contrasta com o resíduo visível em nossas liturgias de cultos pagãos que, para dizer Deus, precisam revestir-se do peso da sagrado. A liturgia do berço narrado por Lucas, desmascara as estruturas pagãs do sagrado, quebra o encanto da religião, afirmando que, a partir de agora, quem tiver a intenção de encontrar Deus, não precisa mais se agarrar às formas sacrais da religião inventada pelos homens, mas ele pode enfrentá-lo na simplicidade e essencialidade da vida familiar. Que mensagem maravilhosa! A humanidade como espaço de encontro com Deus. O Natal, nesta perspectiva, significa uma proposta de humanização para todos os homens e as mulheres que desejam viver de forma autêntica. Significa também a humildade de encontrar o tesouro da própria existência no espaço do cotidiano familiar. O Natal é a estrela brilhante que indica o caminho que a humanidade pode percorrer: da religião patriarcal dos homens à comunidade de discípulos iguais criada por Jesus; do sagrado que diz distância de Deus, à redescoberta da sua aproximação a nós através do Filho, o que significa a possibilidade de investir significativamente nas relações humanas; da doutrina dos sábios à simplicidade do Evangelho, que fala aos pequenos e exige humildade.



Aproximemo-nos também do presépio, contemple-o como se fosse a primeira vez, deixemo-nos maravilhar pela surpresa do nascimento do Senhor, para assegurar que as nossas vidas, as nossas comunidades correspondam ao acontecimento contemplado e acolhido. Vamos tentar viver o que contemplamos com simplicidade.

 

2 commenti:

  1. Que o Natal vivenciado na comunidade Igreja nos ajude a "(...) refazer o caminho que a mensagem de Jesus fez na história(...)".

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  2. Nosso maior desafio neste natal e no ano que se inicia, é (re) descobrir como tornar as relações humanas mais saudáveis em meio à Pandemia, ao isolamento social e diante do sistema capitalista que incentiva apenas o individualismo e o consumismo exacerbado. A realidade atual tem proporcionado sofrimento mas também a possibilidade de refletir sobre o amor ao próximo e a necessidade de cuidar do outro.
    "Esta é a minha oração: que o amor de vocês aumente cada vez mais em conhecimento e em toda a percepção,para discernirem o que é melhor, a fim de serem puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo…" Filipenses 1:9,10

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