sabato 16 novembre 2024

SOLENIDADE DE CRISTO REI/B

 





Paulo Cugini

 

É o último domingo do tempo litúrgico e a liturgia oferece-nos a solenidade de Cristo Rei do universo, para nos ajudar a refletir se Cristo foi verdadeiramente aquele que guiou os nossos passos durante o ano, o Senhor da nossa história. Para este tipo de verificação nos é oferecida a passagem de João 18,33-37, que é um diálogo entre Jesus e Pilatos nas horas dramáticas da paixão. É a partir do conteúdo deste diálogo que a liturgia nos oferece este caminho de verificação.

Naquele momento, Pilatos perguntou a Jesus: “Tu és o rei dos judeus?”. Jesus respondeu: “Você diz isso sozinho ou outros lhe falaram de mim?”.

Jesus responde à pergunta de Pilatos com outra pergunta, que obriga o próprio Pilatos a pensar, a entrar em si mesmo, a verificar se o seu conhecimento é fruto de conversas aprendidas nas ruas, ou do caminho de uma pesquisa pessoal. Aqui existe um primeiro nível de verificação ao qual somos solicitados pessoalmente. O Evangelho, de facto, através desta simples pergunta de Jesus, interroga-nos sobre o tipo de conhecimento que temos do Senhor. É algo que se aprende um pouco ou entramos em uma jornada de conhecimento pessoal? Paramos no caminho considerando suficientes as poucas noções aprendidas no catecismo ou ouvidas na missa dominical, ou aprendemos a lidar com o Evangelho todos os dias? Em outras palavras, a Palavra do Senhor está moldando nossas vidas, nossas escolhas, ou é algo marginal e ocasional?

Jesus respondeu: «O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, os meus servos teriam lutado para que eu não fosse entregue aos judeus; mas meu reino não é daqui.”

Esta resposta tem também um valor de verificação para o nosso caminho de fé. Jesus fala de um reino que não é deste mundo, mostrando assim a existência de dois níveis de realidade. O reino deste mundo é determinado pela lógica do egoísmo e da posse, que geram relações conflituosas e dinâmicas de poder. Enquanto o Reino do qual Jesus é o Senhor é movido pelo amor do Pai e gera relações de igualdade, de doação gratuita de si aos outros. São dois reinos inconciliáveis, porque representam duas formas opostas de estar no mundo e de viver. Embora assimilemos o primeiro tipo de modalidade no caminho da vida desde os primeiros momentos de existência, devemos escolher aquela proposta por Jesus.

Então Pilatos lhe perguntou: “Então você é rei?”. Jesus respondeu: «Tu dizes: eu sou rei. Foi para isso que nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade ouça a minha voz"

Jesus não está interessado na discussão da realeza e quer levar a discussão a outro nível, ao da verdade, que não é algo que se possui, mas que se é. Dizer a verdade significa estar em sintonia com o desígnio de Deus, que coloca o bem do homem acima de tudo. Quem colocou a sua vida em sintonia com esta verdade escuta a voz de Jesus. Para compreender a voz de Jesus é necessário colocar o bem do homem acima de tudo. A ideia de verdade aparece pela primeira vez no prólogo e pela última vez nesta passagem em que Pilatos se apresenta esvaziado de verdade. 

Durante o percurso do ano litúrgico deveríamos ter aprendido uma distinção fundamental sobre a ideia de verdade. Existe, de facto, uma ideia de verdade que é o que o mundo nos oferece, e é uma verdade que não nos perturba, porque é absoluta, imóvel, inegociável. Este tipo de verdade permanece muito distante do homem e da mulher, fora do alcance humano e exige uma obediência inquestionável. Quem se coloca ao serviço deste tipo de verdade torna-se uma pessoa dura, rígida, à imagem da verdade que serve. Pelo contrário, a verdade que Jesus apresenta ao mundo é ele mesmo e, portanto, uma pessoa que caminha com homens e mulheres em todos os momentos. Não se trata, portanto, mais de uma verdade imóvel, estática e inegociável, mas de uma verdade dinâmica que exige um esforço contínuo de compreensão e adaptação. Jesus é a verdade que nos liberta, libertando-nos de toda forma de idolatria e ideologia, que é o destino de todas aquelas falsas verdades que querem impor-se à humanidade com a sua presumida inquestionabilidade, inegociabilidade. A presença de Jesus na história desmascara as supostas verdades criadas pelos homens para dominar os outros, especialmente os mais fracos e frágeis. O Evangelho hoje coloca-nos uma pergunta profunda: libertámo-nos das falsas verdades ao abraçar o seu caminho ou ainda somos vítimas das ideologias dos homens?


sabato 9 novembre 2024

DOMINGO DO TEMPO COMUM - XXXIII/B

 




Dn 12,1-3; Sal 16; Eb 10, 11-14.18; Mc 13,24-32




Paolo Cugini


Estamos nos aproximando à conclusão do ano litúrgico e as leituras nos oferecem a possibilidade de avaliar a caminhada de fé deste ano. O Senhor deveria ser se tornado sempre mais o nosso refúgio, a nossa herança, o nosso destino, assim como nos lembra o salmo 16, que iremos proclamar. Talvez não seja tudo isso o fruto da nossa peregrinação, mas pelo menos deve ser presente o esforço de fazer do Senhor e do Seu plano de amor o centro dos nossos desejos. Somente assim, conseguiremos olhar ao nosso passado não com a orgulhosa rigidez que provoca a antipatia para nós mesmo, pela nossa incapacidade de seguir o Senhor, mas com aquele olhar misericordioso que é fruto do Espírito Santo, que doa paciência e, ao mesmo tempo, uma grande força para continuar o caminho. E é isso mesmo que vale. 


 “Então vereis o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e gloria” (Mc 13, 26).

A página do Evangelho de hoje é uma daquelas que mais se prestam para ser mal interpretada. Quantas vezes ouvimos sermões que, em cima destes versículos, proclamam a fim do mundo, a morte de todos, provocando nos ouvintes sentimentos de pânico e desconforto. Na realidade estes versículos, lidos com o desejo de penetrar os mistérios do Reino de Deus, mais do que provocar curiosidades mal sanas, revelam uma Palavra cheia de conforto e esperança. Deus não quer colocar no pânico ninguém; pelo contrário tudo exprime para que ninguém se perca (cf. Gv 17). Para as pessoas que amam o Senhor, que durante a vida gostaram e saborearam da Palavra de Deus, que se esforçaram de participar da realização do Seu Reino, não existe nada de melhor em saber que o Filho do Homem verá com grande poder e gloria. A sua vinda não é motivo de espanto, mas de grande alegria. Além do mais, o seu poder e a sua glória apontam para uma plenitude de vida indizível. Não se trata, de fato, do poder e da gloria humana que, para manifestar-se, suprime os outros. A glória de Deus se manifestou em Jesus o qual, para que tivéssemos a vida eterna, se deixou massacrar. È desta vida que queremos abastecer a nossa alma, para podermos também nós sermos capazes de doar vida aos nossos amigos e amigas, que o Senhor colocará no nosso caminho. O poder do Senhor não é feito de armas que matam, mas de uma Palavra que dá vida. O Evangelho, de fato, é a força de Deus “para a salvação de todo aquele que acredita” (Rom 1, 16). 

Se o poder e a Gloria de Deus manifestam a qualidade da Sua vida, na Sua Palavra e no Seu jeito de ser, qual é o sentido dos cataclismos que o Evangelho anuncia como manifestações externas deste evento?

Mais uma vez para quem se aproxima á Palavra de Deus de uma forma material e instintiva, não conseguirá atingir as profundezas da mensagem de Jesus. De fato, com estas expressões de cunho apocalíptico, Jesus se colega as grandes pregações proféticas dos séculos passados da história de Israel, pregações que tinham a preocupação de alertar o povo para que não saísse do caminho da Lei. Pregações proféticas que expressavam o desejo de ver o povo de Deus apaixonado para o seu Criador e não perdido na lama do pecado, como infelizmente muitas vezes aconteceu. É deste pano de fundo apocalíptico de cunho profético que Jesus se serve para alertar os seus “Eleitos” da sua vinda futura. Nada, então, de espantoso e apavorante como muitos ainda hoje gostam de apresentar a mensagem de Jesus que, pelo contrário, é recheada de compreensão e misericórdia para conosco. Além disso, é bom salientar que Jesus nunca fez a cabeça de ninguém e nunca espantou alguém para que o seguisse. Pelo contrário, a sua única arma era uma proposta livre, baseada sobre o diálogo e o testemunho pessoal.


Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus de uma extremidade á outra da terra” (Mc 13, 27).

Para Deus nós somos os eleitos que Ele deseja proteger de qualquer perigo, por isso enviará os anjos aos quatro cantos da terra para nos recolher. Eleito é todo homem, toda mulher que responde ao chamado de Deus proposto por Jesus no Espírito Santo, com uma vida digna e sem pecado (Cf. Ef 1, 1-15). Isso quer dizer que, estas palavras apresentadas muitas vezes como “espantosas”, na realidade são um implícito convite de Jesus de tomar sempre mais a sério a sua Palavra, o nosso Batismo, para que possamos viver para sempre com Ele. Jesus está torcendo, junto com o Pai e o Espírito Santo, para que a gente não se deixe confundir das palavras fracas do mundo, das suas propostas ilusórias e, assim caminhe sempre firme com o olhar fito em Cristo, que morreu e deu a sua vida para nós. È isso que a carta aos Hebreus hoje nos lembra: “Cristo depois de ter oferecido um sacrifico único pelos pecados, sentou-se para sempre á direita de Deus. Não lhe resta mais senão esperar até que seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés” (Heb 10, 12-13).

 Não é algo de fantástico saber que Jesus está nos esperando? Ele realizou o caminho do amor para que todos nós pudéssemos percorrê-lo com mais determinação. É uma espera não resignada, mas carregada de esperança, pois o Verbo de Deus se fez homem e experimentou numa carne como a nossa não o pecado, mas as conseqüências dele. Por isso podemos agora confiar na sua proposta, na sua Palavra, acolher o seu Espírito, para enfrentar com coragem o caminho da luz neste mundo de trevas, na certeza de que, com o tempo, aprenderemos a viver na luz. É Ele, de fato que derrotou as trevas e somente acolhendo a Sua luz poderemos viver com filhos da luz (cf. Ef 3).


 “As minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).

Somente aqueles que com humildade se colocarão nos passos do Senhor, deixando-se guiar pelo Espiro poderão saborear a verdade deste versículo estupendo. Que a Eucaristia deste XXXII domingo do ano B possa nos ajudar a descobrir o mistério da eternidade da Palavra de Deus.






domenica 20 ottobre 2024

JOGUE FORA O MANTO

 



DOMINGO XXX/B

(Mc 10, 46-52)

Paolo Cugini

 

No Evangelho da semana passada, o Evangelista Marcos colocou como protagonistas da narrativa dois discípulos, Tiago e João, chamados de filhos do trovão pelo seu ímpeto e exuberância, que demonstram a sua surdez para com a Palavra de Jesus, de facto, o pedido para que avancem sentar-se à sua direita e à sua esquerda revela a incompreensão do conteúdo da proposta de Jesus. A eles aplica-se o ditado: têm ouvidos, mas não ouvem. No Evangelho proposto neste domingo, continua a apresentação das dificuldades que os discípulos têm para compreender plenamente a mensagem do Mestre, dificuldade que se manifesta na incapacidade de se distanciarem do próprio modo de pensar e de projetarem em Jesus expectativas que não pertencem para ele. Mas vamos à história.

Jesus estava saindo de Jericó junto com seus discípulos e uma grande multidão. 

A expressão de Jesus que sai de Jericó é indicativa, porque foi precisamente em Jericó que começou a conquista da terra prometida pelas mãos de Josué. É como se Marcos quisesse sublinhar que aquela terra que representava o sonho de liberdade contra a dominação egípcia se tornou agora uma terra de escravidão a partir da qual é melhor começar, a escravidão daquelas leis que, em vez de libertarem o homem, o aprisionaram.

O filho de Timeu, Bartimeu, que era cego, sentou-se à beira da estrada, mendigando. Ao ouvir que era Jesus de Nazaré, começou a gritar e a dizer: «Filho de David, Jesus, tem piedade de mim!».

Bartimeu é um nome composto por uma palavra aramaica – bar – que significa: filho, e timaios , palavra de origem grega que significa: honroso. Parece, portanto, que se trata de uma repetição do mesmo nome, talvez para indicar os dois discípulos protagonistas da narrativa anterior, nomeadamente Tiago e João. Nome simbólico, portanto, que indica o discípulo que está cego pelas suas ideias a ponto de não poder “ver” a novidade da proposta de Jesus. Com efeito, o cego chama Jesus de filho de David, nome que vem daquela tradição profética que identifica o messias, sucessor de David, como aquele que libertará Israel do opressor com força e violência. No entanto, Jesus, desde o início nas suas palavras e escolhas, manifestou-se como tudo menos violento. Jesus veio anunciar o Reino de Deus, uma possibilidade de vida fora dos moldes do abuso e da violência, mas dominada pela igualdade e pelo amor. Chamar Jesus pelo nome de filho de David significa não ter compreendido a sua mensagem, não ter apreendido a novidade da sua proposta. Esta é a grande cegueira de Bartimeu, que simboliza a cegueira dos discípulos, daqueles que deturpam e não entendem a fala de Jesus, porque estão cegos pelas suas próprias ideologias.

Jesus parou e disse: «Chama-o!». Chamaram o cego e disseram-lhe: «Coragem! Levante-se, ele está ligando para você! Ele tirou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe disse: “O que você quer que eu faça por você?”. E o cego respondeu-lhe: «Raboni, posso voltar a ver!».

É o cego que caminha em direção a Jesus, movimento que indica o caminho da conversão, da mudança de mentalidade. Há, antes de tudo, a voz de Jesus que o chama. A escuta da palavra do Senhor é a única que pode nos abalar das nossas certezas, que não nos permitem viver de forma plena e autêntica. Depois é a comunidade que convida o cego a se levantar. Há uma ênfase no papel da comunidade, chamada a ajudar as pessoas no caminho para a compreensão da sua mensagem. Em qualquer caso, nem a Palavra do Senhor nem a comunidade podem produzir qualquer tipo de mudança se não houver envolvimento pessoal do interessado. Antes de saltar, o cego joga fora o seu manto, símbolo claro daquelas ideologias que até agora não lhe permitiram “ver” o Senhor, perceber a bondade da sua proposta. A pergunta de Jesus fala da liberdade necessária no caminho da fé, que é uma proposta e não uma imposição.

Jesus lhe disse: “Vai, a tua fé te salvou”.

São Paulo tem razão quando afirma na carta aos Romanos que é a fé que salva o homem e a mulher de uma vida inautêntica. O que é fé? No caso em questão é o caminho percorrido pelo cego, um caminho que vai da escuta da Palavra, à ajuda da comunidade e, sobretudo, do seu gesto de jogar fora o manto e depois levantar-se e ir em direção a Jesus A fé é a coragem de jogar fora o que nos impede de nos levantar, de ver. O manto é o símbolo daquele manto feito de tradições humanas que não nos permitem captar a beleza do Evangelho. Jogar fora o manto: é isto que o Evangelho nos pede hoje.

 

sabato 19 ottobre 2024

ENTRE VÓS NÃO DEVE SER ASSIM

 



DOMÉNICA XXIX/B

(Mc 10,35-45)

Paolo Cugini

 

A beleza do Evangelho está na proposta de uma vida diferente daquelas que encontramos na vida cotidiana. Uma proposta de simplicidade chocante, que nos remete de forma imediata e disruptiva à essência da vida, ao que realmente vale e no qual basear as nossas escolhas. O Evangelho obriga-nos a pensar, a entrar em nós mesmos, a fazer um balanço da situação e, consequentemente, a fazer aquelas escolhas necessárias que nos permitem saborear o sentido autêntico da vida. Afinal, Jesus veio nos mostrar o caminho daquela vida sonhada por Deus quando nos criou à sua imagem e semelhança. Reencontrar o caminho: este é o sentido da proposta cristã, que tem a lâmpada, o ponto de referência, no Evangelho. Tudo isto é claramente visível no evangelho de hoje, que agora tentaremos aprofundar.

“Eles se aproximaram... Ele os chamou”.

São expressões que encontramos no Evangelho de hoje que revelam a condição existencial dos discípulos. Embora tenham ouvido e visto o Mestre trabalhando, embora vivam com Ele, estão distantes, não tanto fisicamente, mas em termos de pensamento, como estilo de vida. Não basta ler as palavras de Jesus, é preciso meditá-las, assimilá-las, traduzi-las em escolhas concretas, para que o Evangelho mude a nossa mentalidade, a nossa maneira de pensar. O discípulo não é aquele que habita fisicamente um espaço, frequenta uma paróquia, uma comunidade, mas é aquele que pensa e vive de uma maneira nova no que diz respeito ao contexto em que se encontra. Que diversidade é essa?

«Concede-nos que nos sentemos, na tua glória, um à tua direita e outro à tua esquerda».
O pedido de Tiago e João é a manifestação do que foi dito acima. Estão, de fato, seguindo o Senhor, mas pensam com a mesma mentalidade que tinham antes de seguir o Mestre. Que mentalidade é essa? É aquela moldada pelo instinto de sobrevivência, que provoca escolhas de autopreservação, escolhas egoístas, que não levam em conta as necessidades dos outros. São escolhas que provocam uma lógica de opressão, de dominação sobre os outros, gerando uma sociedade de pessoas desiguais, na qual prevalecem os violentos, aqueles que agem com astúcia e engano. Este é o estilo de vida básico, que assimilam da cultura em que vivemos. A proposta de Jesus está em outro nível.

Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as governam e seus líderes as oprimem. No entanto, entre vós não deve ser assim.

Os discípulos do Senhor são aqueles que aprendem um estilo novo, não mais determinado pelo instinto de sobrevivência, pelo afastamento egoísta de si mesmo, mas pelo olhar constante para os outros. “Não é assim entre vocês”: esta lembrança é fundamental, porque fala de uma diferença que deve ser visível, aquela diferença que surge da escuta atenta e internalizada da Palavra, que produz um estilo novo, porque transforma a dinâmica instintiva da agressão e da opressão, nas relações baseadas na busca do bem do próximo, no desejo de que todos se sintam bem, acolhidos e amados. A opressão e a violência não podem estar presentes na comunidade de irmãos e irmãs que responderam ao chamado do Senhor para segui-lo: seria uma contradição.

mas quem quiser tornar-se grande entre vocês será seu servo, e quem quiser ser o primeiro entre vocês será escravo de todos.

Quem está cheio do amor de Deus não precisa se engrandecer diante de ninguém. Quem percebeu que o maior dom da vida é ser amado pelo Pai como filhos e filhas, não entra em lógicas que possam prejudicar os outros. A arrogância, a ganância, a violência são sintomas de um mal-estar interior, de uma insatisfação, de uma vida em que falta algo profundo, uma direção. Grandes na comunidade de Jesus são aqueles que se colocam ao serviço dos outros, aqueles que trabalham para que a paz reine na comunidade.

Na verdade, até o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.

Aqui está o fundamento de toda a discussão: é o exemplo de Jesus, o seu estilo de vida, que os seus discípulos são chamados a reproduzir de forma criativa. É precisamente porque Jesus veio ao mundo e se colocou ao serviço dos seus irmãos e irmãs que somos chamados a fazer o mesmo. No corpo de Cristo, do qual nos alimentamos, está todo o seu amor, o seu inclinar-se para lavar os pés dos seus discípulos, a sua atenção aos pobres e sofredores, a sua busca contínua pelos necessitados. É por isso que nos alimentamos Dele: para viver dele e gostar Dele.

 

sabato 12 ottobre 2024

DOMINGO XXVIII B

 




(Mc 17-30)

Paolo Cugini

 

 

Enquanto Jesus caminhava pelo caminho, um homem correu ao seu encontro e, caindo de joelhos diante dele...

O evangelista Marcos, com alguns toques estratégicos, alerta-nos que o encontro deste homem com Jesus não terá um desfecho positivo. Marcos, de facto, situa este encontro na estrada, isto é, no lugar onde, segundo a narração da parábola do semeador, a semente é imediatamente roubada pelos pássaros assim que é semeada e, consequentemente, não pode dar frutos. Além disso, quem segue a mentalidade semítica é desonroso. Mesmo ajoelhar-se, na perspectiva do Evangelho de Marcos, não é um gesto positivo: um leproso impuro ajoelhou-se diante de Jesus.

«Bom Mestre, o que devo fazer para herdar a vida eterna?».

O pedido de fulano revela aquela mentalidade meritocrática, típica da cultura e da religiosidade do Antigo Testamento, que Jesus veio modificar. A vida eterna não se obtém fazendo coisas, mas acolhendo-as gratuitamente. Além disso, Jesus veio traçar um caminho que transforma a história cotidiana e, esta transformação, coloca sinais de eternidade na vida presente. Quem segue o Senhor é uma pessoa com os pés no chão, centrada no presente, no hoje da vida, chamada a transformar a história, a introduzir na vida quotidiana aquele amor e sede de justiça recebidos do Senhor. E de fato, o que pergunta Jesus ao homem que encontra no caminho:

Você conhece os mandamentos: “Não mate, não cometa adultério, não roube, não dê falso testemunho, não defraude, honre seu pai e sua mãe”.

É curioso que entre os mandamentos de Moisés, Jesus cite aqueles que têm a ver com as relações humanas, como se dissesse que o amor a Deus se vê através do amor pelas pessoas que encontramos na vida, pela qualidade das relações que vivemos. A vida eterna é isto, manifesta-se na forma como nos relacionamos, na atenção que prestamos às pessoas que encontramos, principalmente as mais necessitadas.

«Só te falta uma coisa: vai, vende o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e venha! Me siga!".

É um versículo que expressa o radicalismo evangélico, a verdade da nossa escolha de seguir o Senhor, o que está em sintonia com o que Jesus afirma no Sermão da Montanha: procurai primeiro o Reino dos céus e a sua justiça e estas coisas vos serão dadas. você está adicionado (Mt 6, 33). Há uma prioridade no caminho da fé, que orienta também a vida material no horizonte da fé, que se manifesta precisamente na nossa liberdade em relação às coisas.

Mas com essas palavras seu rosto escureceu e ele foi embora triste; na verdade, ele possuía muitos bens.

Em seu comentário sobre esta passagem de Marcos, Orígenes, o grande catequista do século III d.C. C. diz que este homem, que afirmava obedecer a todos os mandamentos e depois ficou triste com o pedido de Jesus para repartir seus bens era um grande mentiroso, porque a verdade da nossa vida em Deus se manifesta justamente no livre e desinteressado daquilo que Deus nos deu.

Jesus, olhando em volta, disse aos seus discípulos: “Quão difícil é para quem possui riquezas entrar no reino de Deus!”. Os discípulos ficaram desconcertados com as suas palavras; mas Jesus continuou e disse-lhes: «Filhos, como é difícil entrar no reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus.”

O apego às riquezas torna-se um obstáculo no caminho da fé porque, com o tempo, elas substituem Deus como ponto de referência para a salvação e a segurança pessoal. Portanto, é difícil para um rico entrar no Reino dos Céus porque o seu coração se apega dia após dia ao dinheiro, que progressivamente se torna o centro do seu interesse, esquecendo-se de Deus e da sua proposta.

O salmo de hoje tem um grande valor para o nosso caminho de fé pessoal e comunitário. Ele nos alerta que tudo deve estar em sintonia com o nosso relacionamento com o Senhor, para que toda a nossa vida seja moldada pelo seu amor e justiça. Quando isto acontece, aqueles sinais de eternidade que revelam a presença de Deus no mundo tornam-se visíveis na história

 

sabato 5 ottobre 2024

XXVII DOMINGO TEMPO COMUM B

 





 

Mc 10, 2-16

 

Paolo Cugini

 

Existem argumentos na Bíblia que se prestaram e ainda se prestam a serem usados ​​e manipulados pelos jogos obscuros da cultura dominante. Isto é verdade quando estão em jogo relações de poder e, como sabemos, o poder é tentador. A relação homem-mulher sempre lutou, e ainda hoje luta, para se impor ao nível da relação de igualdade. A cultura patriarcal, presente massivamente desde as primeiras páginas da Bíblia, moldou as tradições religiosas e sempre forneceu ao mundo masculino argumentos para apoiar a sua reivindicação de superioridade sobre o mundo feminino. Estes jogos de poder desiguais, que causaram e continuam a causar tantos danos a nível social, também estão presentes no Novo Testamento. É interessante então, a este respeito, compreender o que Jesus disse sobre o casamento, aquela instituição que mais do que qualquer outra foi moldada pela cultura patriarcal e que forneceu muitos argumentos para manter a mulher subjugada ao marido. Rios de palavras fluíram dos textos dos Padres da Igreja e de documentos oficiais da Igreja para justificar a submissão das mulheres aos homens e o seu papel como guardiãs do lar e educadoras das crianças.

Por causa da dureza do seu coração, ele escreveu esta regra para você. Mas desde o início da criação (Mc 10, 5-6).

Confrontado com a provocação dos fariseus sobre a questão de saber se é ou não lícito ao homem divorciar-se da sua mulher, Jesus oferece uma lição maravilhosa de hermenêutica bíblica. Em primeiro lugar, distancia-se da legislação mosaica, mostrando os seus limites e reiterando as afirmações feitas pelo próprio Jesus algumas páginas anteriores, nomeadamente o capítulo 7 do Evangelho de Marcos. Sempre, de facto, num contexto polémico com os fariseus, Jesus mostrou como os líderes religiosos substituíram muitas vezes a Palavra de Deus pelas suas tradições humanas (cf. Mc 7, 8s), afirmando assim que nem tudo o que está escrito na Bíblia e O que foi dito por Moisés pode ser identificado com a Palavra de Deus. Jesus também realiza a mesma operação interpretativa no caso do texto de hoje sobre o casamento, ao afirmar que o ato de divórcio emitido por Moisés e que se encontra no livro de Deuteronômio foi não desenvolvida pela vontade divina, mas pela necessidade indicada por Moisés de responder à dureza do coração dos homens. Há coisas que foram escritas na Bíblia sobre o casamento, que foram ditadas pelas necessidades chauvinistas da cultura patriarcal e para justificar lógicas de poder.

Precisamente por esta razão Jesus responde às objeções dos fariseus usando dois versículos do Gênesis de duas tradições diferentes. “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou: homem e mulher os criaram” (Gn 1:27).

Em primeiro lugar, há uma declaração que coloca o debate sobre a relação entre homens e mulheres ao nível da igualdade. Interessante é a escolha de Jesus de não citar o versículo seguinte, nomeadamente o 28, e em vez disso citar o versículo 24 do capítulo seguinte. É uma escolha reveladora porque mostra que o cerne do casamento não é a fecundidade (é o versículo 1.28 que Jesus não cita), mas a união dos dois para que se tornem uma só carne (Gn 2.24). O princípio da igualdade entre homem e mulher é um convite a percorrer o caminho da comunhão, demonstrando que o sentido do amor que leva ao matrimónio é um projeto de vida que tem como objetivo a unidade.

Quando as pessoas estão no centro das nossas preocupações de fé antes dos preceitos, tudo se torna mais simples e a jornada mais leve.

 

martedì 24 settembre 2024

DOMINGO XXVI B

 




Mc 9,38-43.45.47-48

Paulo Cugini

 

 

Uma característica da proposta de Jesus, que encontramos no Evangelho, é a sua radicalidade que, sem dúvida, precisa ser interpretada. Jesus é exigente, mas não como costumamos pensar quando encontramos alguém que nos coloca contra a parede. Pelo contrário, o estilo de Jesus baseia-se na liberdade pessoal. Jesus, de fato, não impõe, mas propõe. A resposta à sua proposta exige a capacidade de entrar em si mesmo, de verificar a própria vida para chegar a uma escolha. A proposta de Jesus não é uma doutrina, mas um estilo de vida. A sua verdade não é uma fórmula a aprender, mas o amor a oferecer livre e desinteressadamente aos irmãos e irmãs, que encontramos ao longo do caminho. Procuremos, então, indicar algumas características do estilo inconfundível de Jesus, que encontramos no Evangelho de hoje.

João disse a Jesus: “Mestre, vimos alguém expulsando demônios em teu nome e queríamos detê-lo, porque ele não nos seguiu”. Mas Jesus disse: «Não o impeçam, porque não há ninguém que faça um milagre em meu nome e possa imediatamente falar mal de mim: quem não está contra nós, está por nós.

Em primeiro lugar, Jesus aborda as pessoas com delicadeza e não com arrogância. Esta atitude de disponibilidade para com qualquer pessoa abre as portas a uma visão ampla da vida. Jesus não estreita o campo de ação, mas alarga-o incomensuravelmente. A atitude de João é muito diferente, mostrando intemperança, fanatismo, sintoma de uma visão estreita para com aqueles que encontra invocando o nome do Senhor, ou seja, pessoas duras, enrijecidas pela doutrina da religião. Jesus olha para o coração das pessoas e não para a forma como elas respeitam as doutrinas. Coloca a pessoa no centro e não as regras. Isto significa que, na nossa maneira de fazer as coisas, de nos relacionarmos com os outros, compreendemos bem o que está na base da nossa existência e também do nosso caminho de fé. É mais fácil obedecer cegamente a uma lei do que acompanhar as pessoas a vivê-la, tendo em conta o caminho que percorrem e as dificuldades que encontram. O evangelho é uma questão de estilo, de formas de relacionamento. É o estilo que faz a diferença, não a precisão na observância de uma doutrina.

Pois quem vos der um copo de água para beber em meu nome, porque vocês pertencem a Cristo, em verdade vos digo, não perderá a sua recompensa.

O segundo critério do caminho proposto pelo Senhor é a caridade. Seremos avaliados não pela observância de uma lei, mas por uma coisa muito pequena que qualquer um pode fazer, nomeadamente, um copo de água dado a uma pessoa com sede. Todo o Reino de Deus passa por um copo d'água. Parece absurdo, mas não é tão estranho. Somente aqueles cujo coração está cheio do amor de Deus partilham e se movem em direção aos outros, mesmo com um simples gesto. Este critério, como se compreende bem no contexto do Evangelho, não depende da participação nos ritos ou numa comunidade, mas da disponibilidade do coração da pessoa. Isto significa que há evangelho onde há amor, caridade e partilha.

Quem escandalizar um destes pequeninos que acreditam em mim, é muito melhor para ele que lhe pendure uma pedra de moinho no pescoço e o jogue ao mar.

O terceiro critério são os pequenos, que devem estar no centro da comunidade. A palavra usada no evangelho é mícron, ou seja, algo muito pequeno, quase invisível. Micron não indica crianças, mas sim pessoas marginalizadas da sociedade, pessoas descartadas. São precisamente eles, os mícrons, que devem estar no centro da comunidade cristã e devem ser acolhidos, acompanhados de ternura e de amor. É por isso que Jesus é tão duro com aqueles que os escandalizam, ou seja, com aqueles que os fazem tropeçar e perder a fé na comunidade. É, portanto, necessário cortar tudo o que nos possa levar a atitudes que possam escandalizar os mais pequenos, a escolhas que possam provocar o fim de um caminho de fé por parte das pessoas mais frágeis da comunidade, que antes precisam de ser protegidas e salvaguardado.

Poderíamos nos perguntar, para nos aprofundarmos um pouco mais na discussão, por que a referência à morte no mar e qual o significado da geena? Os judeus tinham pavor de morrer por afogamento porque quem morria dessa forma era excluído da ressurreição, segundo suas crenças. A Geena, por outro lado, é a ravina, onde os resíduos eram despejados e depois queimados. Se Jesus fala assim daqueles que escandalizam os pequenos, significa que o problema é grave e deve ser levado em consideração.

 

domenica 22 settembre 2024

RETIRO ESPIRITUAL PAROQUIAL - Ezequiel 47, 1-12

 




COMPENSA-MANAUS 22 setembro 2024

 


Introdução

Acho importante, no atual contexto histórico e, sobretudo, no nosso contexto social, escutar palavras de esperança, que convidam a olhar pra frente de forma positiva, alimentando a nossa consciência de sonhos, de imagens grandiosas que orientam a nossa vida rumo uma perspectiva positiva. É isso que escutamos na página de Ezequiel 47: um grito de esperança, uma mensagem que enche os pulmões de um ar novo, para respirar com entusiasmo.

O dato interessante, que vale a pena mencionar, é o contexto em que foi escrita esta página. Contrariamente a quanto se poderia pensar,

Um chamado que envolve a pessoa na sua totalidade. Nada vem do profeta, mas tudo é obra de Deus. O profeta responde.

Mediação. Ezequiel investiga a promessa de Deus liderado não pelo próprio Deus, mas por um de seus mensageiros. A mediação faz parte da ação de Deus para conosco. A aventura da fé desenrola-se não na visão daquele a quem pertence a palavra, mas à sombra de um mensageiro que a transmite.

Águas que saem de uma Casa que é o Santuário (1.12). Ezequiel não descobre a fonte mítica da eterna juventude. A água que se torna torrente e que gera vida flui da Casa de Deus, é seu dom. Desce da fachada, que fica a leste, porque a vitória diária da luz sobre as trevas está no Leste. Vida abundante, história e mundo curados e renovados vêm de Deus. Diante de um povo e de um país em ruínas, não se trata antes de tudo de “arregaçar as mangas”, mas de recuperar uma passividade fundamental: porque é. Deus que dá a vida e que a cura. Ezequiel é convidado a entrar no leito da ação de Deus, a deixar-se levar por ela para que tudo volte à vida. Através do seu Jeremias contemporâneo, o Senhor dirá: «O meu povo cometeu duas iniquidades: abandonou-me, a mim, fonte de água viva, para cavar para si cisternas, cisternas rachadas que não retêm água» (Jr 2, 13).

Um mundo curado. Não é só o homem que é curado pelas águas da vida: de facto, tal como o ambiente vital foi criado antes do homem na criação, também aqui as águas, as plantas e os animais são os primeiros beneficiários da ação das águas. Invadem uma terra sem vida, seca (8a) e doente até nas águas que restam (8b.9), e tudo que se move nas águas recebe vida (9). Os peixes ali serão numerosos e o pequeno Mar Morto não invejará de forma alguma o grande Mediterrâneo: porque mesmo em haverá peixes de todo tipo. E na orla há árvores de todas as espécies destinadas à alimentação, que darão frutos “de acordo com os meses”, para que nunca faltem. As águas curativas transmitirão poder curativo às folhas. Tudo será para o homem num universo que redescobriu a sua harmonia. No Éden (Gn 1-2) não havia necessidade de remédios: o mundo emergiu saudável das mãos de Deus. Na visão de Ezequiel sentimos um mundo curado de uma situação doente. É uma nova criação, feita sobre as ruínas da primeira.

Abundância. As águas crescem enormemente, as árvores são “muito numerosas”, assim como os peixes. A vida que o Senhor dá não tem medida. É típico de Deus ir além do cálculo. É esta misericórdia superabundante que Ele também nos pede para usar (Lc 6,36-38), enquanto o cálculo faz parte de uma justiça humana a ser abandonada (Mt 5,20).

O homem no trabalho (10). Neste mundo renovado surge o homem, em atitude activa: os pescadores colocar-se-ão nas águas, tirando com o seu trabalho (redes, pesca) desta vida abundante (10). Haverá ainda reservas de sal, para utilidade do homem e para lhe permitir fazer sacrifícios (43.24). Ele comerá frutas diferentes todo mês, e até as folhas serão úteis, como remédio.

“Ele me fez ir e voltar” (6). Ir e voltar é símbolo de senhorio, de plena liberdade. Ezequiel descobre que nada lhe pertence: nem a água que cura, nem os frutos que ela produz. No final do seu longo ministério, ele tem a graça de perceber que tudo o que conquistou, o arrependimento, a conversão, a esperança que acendeu nos seus irmãos exilados são obra de Deus. Ele vem e vai, mas ele. está perfeitamente imóvel, ou seja, “está” diante de seu Deus, sem nenhum pensamento ou ato que não seja gerado pelo próprio Deus. É a paz daquele em quem Deus curou todo o orgulho, porque absorveu o seu coração, a sua mente, a sua vida. Ezequiel, ao descobrir que tudo lhe é dado, descobre a sua liberdade. Paulo dirá: “O que você tem que não recebeu? E se você o recebeu, por que se vangloria como se não o tivesse recebido?” (1 Coríntios 4.7).

“Deus tinha algo melhor em mente para nós” (Hb 11:40). Não se sabe se Ezequiel testemunhou o retorno dos exilados a Jerusalém. Algo grande, mas também quotidiano, com o sofrimento de encontrar uma cidade e um templo destruídos, e outros proprietários nos seus campos. A promessa, estava claro, não era para aqueles dias, convidava-nos a olhar mais adiante. O templo será reconstruído e inaugurado em 525 AC. Herodes, o Grande, tornará isso esplêndido no tempo de Jesus. No entanto, a promessa não foi cumprida. A promessa de Deus era realmente um mundo paradísico? O que foi aquele templo, o que foi aquela água, o que foi aquela vida abundante?

“Destruí este templo e em três dias o reconstruirei” (Jo 2,19). Cinco séculos depois apareceu um homem. Ele disse sobre si mesmo:

“«Destruam este templo e em três dias o reconstruirei»…(E falou do templo do seu corpo)”.

“Acredite, mulher, chegou o tempo em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai… Mas chegou o tempo, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura tais adoradores” (Jo 4,21.23).

««Quem tem sede venha a mim e quem crê em mim beba; como diz a Escritura: do seu interior fluirão rios de água viva”. (Isso ele disse referindo-se ao Espírito que aqueles que nele cressem receberiam: na verdade, o Espírito ainda não existia, porque Jesus ainda não havia sido glorificado)” (Jo 7,37-39).

“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

De qual templo ele falava teria sido visto em seu “levantamento”, quando os véus rasgados teriam dado um vislumbre do verdadeiro Santo dos Santos, do verdadeiro rosto de Deus, de um coração dilacerado pelo amor: “Dobrando o seu cabeça, ele soltou o espírito… Um dos soldados bateu-lhe no lado com o lança e imediatamente saiu sangue e água” (Jo 19,30.34). Ressuscitado, «soprou sobre os discípulos e disse: «Recebei o Espírito Santo; cujos pecados você perdoar serão perdoados, e aqueles cujos pecados você não perdoar permanecerão sem perdão” (Jo 20,23).

Um mundo curado pela esperança. O próprio Ezequiel teria ficado surpreso com esse cumprimento. Que como Lar, Deus daria o corpo do Filho morto e ressuscitado; como as águas, ele daria o Espírito; como vida, sua vida eterna; como frutos, os seus dons de justiça, alegria, paz, amor; como cura, a cura do coração. O aqui e agora é assim curado a partir do além.

 Trilhas de reflexão

• A pergunta do anjo ao profeta é feita ao próprio leitor. Também nós somos convidados a ouvir, a ver, a deixar-nos levar nesta visão.

• Muitos acreditam que Deus não é mais útil, que é uma muleta pertencente a uma fase atrasada da humanidade. Hoje temos todos os meios para nos ajudar. E a forma como o mundo deve ser governado é ditada pelas regras do mercado. Lancemo-nos todos, indivíduos e sociedades, numa corrida livre: a lei da oferta e da procura será o nosso guia. Qualquer proteção dos fracos é um artifício arcaico. O mundo encontrará o seu equilíbrio guiado pelo novo deus: o interesse. As águas que curam tudo, nós as conhecemos, são o dinheiro e a inteligência humana. Graças a eles a alimentação será abundante e variada, as doenças serão curadas. E Deus, se existir, só pode abençoar esta raça, cujas leis estão na ordem da lógica.

• Este é o mundo com câmeras apontadas para a cabeça da corrida. Se virarmos as câmeras lentamente para trás, aparece uma população enorme, lutando e, atrás, muitos que já caíram. Se os apontarmos para o universo, veremos que ele expeliu poluição; muitos animais desapareceram silenciosamente, terras anteriormente férteis tornaram-se áridas, chuvas torrenciais enterraram outras partes do mundo. A corrida não é pacífica: conflitos mortais irrompem entre os competidores e enormes grupos caem, mas outros encontram nova velocidade para a linha de chegada.

• Sim, a linha de chegada. Qual? Você pode fazer uma viagem turística à lua, pode ser uma conquista. Ou aproveitar tudo ao máximo também é uma conquista. Ao virar da esquina, porém, indomável, está o inimigo à espera, o inimigo de quem só se pode comprar um adiamento, nunca definitivo: a morte. É por isso que corremos tanto? (Lucas 12:20).

• Ezequiel nos pega pela mão e nos faz seguir o seu caminho. Um caminho pelo qual podemos ser conduzidos, mas apenas aparentemente simples. Porque decidimos que espaço a fé deve ter nas nossas vidas e que espaço deve ter a nossa livre iniciativa. Seria ingénuo deixar-se envolver totalmente, como ele, na aventura da fé. Acreditamos, mas com bom senso. A passividade é então um risco enorme, uma aventura em que tudo perde e parece demais arriscar tudo. Gostaríamos de manter o mundo e o paraíso.

• Há uma aventura que o mundo precisa curar, a única verdadeira, a única nova. Administrar significa abraçar verdadeiramente o mundo e dar-lhe vida.

 

venerdì 20 settembre 2024

Se alguém quiser ser o primeiro, deve ser o último

 



DOMINGO XXV/B

 

Paulo Cugini

 

 Quem se reúne ao redor da mesa do Senhor no domingo, são aqueles que orientam suas vidas em seus ensinamentos. Além disso, como nos diz o apóstolo Paulo, a fé em Jesus depende precisamente da escuta da sua palavra, que não fala simplesmente de coisas passadas, mas que, pela ação do Espírito Santo que, como nos recorda o Concílio Vaticano II (DV ,5), move o coração internamente para Deus, para que possamos compreender e viver a Palavra de Jesus. Por isso no domingo, dia do Senhor, ouvimos o Evangelho, para compreendê-lo, interiorizá-lo e vivê-lo durante a semana. em conformidade com o que ouvimos. O que então nos diz o Evangelho de hoje?

Ele ensinou os seus discípulos e disse-lhes: «O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens e eles o matarão; mas uma vez morto, depois de três dias ele ressuscitará." Porém, eles não entenderam essas palavras e tiveram medo de questioná-lo.

Jesus partilha com os seus discípulos o que vê como o resultado da sua viagem rumo a Jerusalém. Os fariseus e líderes religiosos de Israel não aceitam o seu ensino, a sua forma de interpretar a Lei mosaica e entendem que, continuando neste ritmo, não conseguirá escapar da morte. Um resultado muito diferente das expectativas dos seus discípulos, que esperavam que Jesus fosse o messias esperado na forma do libertador do opressor. É por isso que Marcos diz que eles não compreenderam, ou seja, não quiseram compreender, não quiseram aceitar as palavras de Jesus que destruíram as suas perspectivas humanas. Por um lado, portanto, está o que Jesus é e veio demonstrar; de outro, o mundo das nossas expectativas, das nossas motivações. Para seguir Jesus no caminho da vida autêntica, precisamos dar-nos tempo para nos escutarmos em profundidade e esclarecermos, eliminando progressivamente tudo o que não nos permite compreender profundamente o significado da proposta de Jesus.

Eles chegaram a Cafarnaum. Quando estava em casa, perguntou-lhes: “O que vocês estavam discutindo na rua?”. E eles ficaram em silêncio. Na verdade, na rua eles discutiam entre si quem era maior.

 É interessante a nota que Marcos continua a sublinhar nos momentos em que os discípulos demonstram claramente quais são as suas expectativas. Na verdade, o texto diz que os discípulos estão a caminho. Mais uma vez a referência que está no horizonte é a palavra do semeador e dos quatro tipos de solo onde caem os grãos de trigo. A estrada é o local onde as sementes caídas são imediatamente comidas pelos pássaros. Existe uma maneira de seguir o Senhor que não leva a nada, a nenhuma diferença. Enquanto não nos damos tempo para meditar, interiorizar a palavra ouvida, continuamos a frequentar a igreja com a nossa mentalidade, a nossa lógica, sem permitir que a Palavra de Jesus os transforme, sem permitir que a nossa consciência forme o pensamento do Senhor, e então ajamos de acordo.

Sentando-se, chamou os Doze e disse-lhes: “Se alguém quiser ser o primeiro, deve ser o último de todos e o servo de todos”. E pegando um menino, colocou-o entre eles e, abraçando-o, disse-lhes: «Quem acolher apenas um destes filhos em meu nome, a mim me acolhe; e quem me acolhe não é a mim que me acolhe, mas sim aquele que me enviou”.

 Jesus se senta. Não há necessidade de pressa. Jesus conhece muito bem a dificuldade que os discípulos encontram para assimilar um estilo de vida totalmente novo, uma forma de pensar radicalmente nova. Na verdade, se na lógica do mundo contam aqueles que são mais fortes e aqueles que se tornam mais importantes a qualquer preço, gerando uma sociedade de pessoas desiguais, com a consequência de uma sociedade de muitas pessoas excluídas e marginalizadas, este não é o caso na proposta de Jesus e, tomando um menino, colocou-o entre eles. Pelas narrativas pascais sabemos muito bem que o centro é o lugar de Jesus na comunidade, para que todos possam ter acesso a Ele igualmente. Pois bem, quando a comunidade coloca no centro as crianças que, em sentido figurado, são aquelas que ainda não desenvolveram dinâmicas de rivalidade, significa que Jesus está no centro da comunidade. Acolhê-Lo nos nossos irmãozinhos significa acolher o Pai. As pronunciadas por Jesus não são simples palavras do passado, mas a indicação de um estilo de vida que torna Deus presente e, quando isso acontece, o mundo tem a possibilidade de ver e acreditar.


giovedì 12 settembre 2024

Em que cidade realizar a amizade?

 




 

Semana de retiro espiritual às irmãs adoradoras do sangue de Cristo

6-12 setembro 2024 – Manaus

 

 

 

Paolo Cugini

 

Parece uma pergunta estranha, que não tem nada ver com o tema que estamos desenvolvendo e que está chegando ao fim. Na realidade tem a ver e muito. A história da salvação é uma narração que se desenvolve em algumas cidades que, por isso, tem um caráter simbólico, que desvenda alguns conteúdos importantes. O Egipto (Alexandria), Tiro, Babilônia e Jerusalém: são esta as cidades que acompanharão a nossa reflexão.

O Egipto. É a terra onde o povo encontrou alívio na figura de José. Depois da morte do povo que conheceu José, o Egito se torna um país hostil para o povo de Israel, que fica escravizado. A intervenção de JHWH na história é para libertar o povo da escravidão (cfr. Ex 3). O Egito, de terra da salvação se torna terra da maldição da qual precisa fugir. Os padres da Igreja (por exemplo, Cirilo de Jerusalém) nas pregações sobre o batismo, identificaram o Egito como a terra do pecado. De fato, o mar Vermelho, antecipação do Batismo, representa uma passagem purificadora de uma situação de escravidão do pecado (Egito), para um caminho de salvação na terra prometida. Nesta perspectiva, fugir do pecado significava fugir do Egito.

Tiro. Tiro é o símbolo da cidade arrogante e orgulhosa, que se coloca acima de tudo, se achando a dona do mundo. Interpreta o próprio sucesso e a própria força como algo que não depende de ninguém. Usa o poder para pisar e humilhar os outros.

Quem, pois, tomou essa decisão contra Tiro, essa cidade coroada, cujos mercadores eram soberanos, e os traficantes, fidalgos da terra? Foi o Senhor dos exércitos quem o decidiu, para ferir o orgulho da nobreza e para aviltar os mais considerados da terra... Naquele tempo, Tiro será esquecida durante setenta anos (Is 23, 1s).

Deus não deixa impune que pisa nos outros. Deus não dá moleza com os orgulhosos que se acham melhores dos outros. Deus entra na história para restabelecer a igualdade.

Babilônia. É a cidade símbolo da exilio do povo de Israel, a cidade cujo rei, Nabucodonosor derrubou Jerusalém, e levou no exilio, como escravos. Por isso Babilônia assume na história da salvação o símbolo do mal. Muitas são as páginas dedicada a esta cidade. Sobretudo os profetas falam dela.

Fugi do recinto de Babilônia, abandonai a Caldéia! Sede como os cabritos à frente do rebanho, porque vou suscitar e conduzir contra Babilônia uma coligação de grandes nações vindas do norte. Contra ela se hão de enfileirar e a levarão de vencida. Suas setas são as de hábil guerreiro que não dispara sem atingir o alvo (Jer 50, 8-9).

Babilônia simboliza o mal que parece vencer o bem. Este conflito do bem como o mal é narrado no último livro da Bíblia, o Apocalipse, simbolizado por duas cidades: Jerusalém e Babilônia. A dinâmica desta luta é que, até um certo ponto parece que Babilônia ganhe esta luta, que o mal domine para sempre o bem. Até chegar ao grito de vitória do capítulo 14 e reiterado no capitulo 18.

Outro anjo seguiu-o, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, por ter dado de beber a todas as nações do vinho de sua imundície desenfreada (Ap 14, 8).

 Clamou em alta voz, dizendo: Caiu, caiu Babilônia, a Grande. Tornou-se morada dos demônios, prisão dos espíritos imundos e das aves impuras e abomináveis, porque todas as nações beberam do vinho da ira de sua luxúria, pecaram com ela os reis da terra e os mercadores da terra se enriqueceram com o excesso do seu luxo... Hão de chorar e lamentar-se por sua causa os reis da terra que com ela se contaminaram e pecaram, quando avistarem a fumaça do seu incêndio. Parados ao longe, de medo de seus tormentos, eles dirão: Ai, ai da grande cidade, Babilônia, cidade poderosa! Bastou um momento para tua execução! ... Então um anjo poderoso tomou uma pedra do tamanho de uma grande mó de moinho e lançou-a no mar, dizendo: Com tal ímpeto será precipitada Babilônia, a grande cidade, e jamais será encontrada (Ap 18,1s).

 

Jerusalém. É a cidade onde foi construído o templo de JHWH, em cima do monte Sião. Jerusalém a casa de Deus construída pelos homens não deu certo. Etimologicamente Jerusalém quer dizer cidade da paz. São interessantes as páginas dos profetas que continuamente anunciam a destruição de Jerusalém e a sua reconstrução. Muitas páginas são dedicas seja a construção do primeiro tempo que do secundo. Dramáticas são as páginas do livro das Lamentações onde o autor descreve, de forma poética, os motivos da queda de Jerusalém:

Desapareceu da filha de Sião toda a sua glória. Seus príncipes se tornaram como cervos que não encontraram pastagens e que fogem, esgotados, diante dos que os perseguem. Nestes dias de males e vida errante, recorda-se Jerusalém das delícias dos tempos idos. Agora que seu povo sucumbiu sob os golpes do inimigo e ninguém vem socorrê-la! Olham-na seus inimigos, e zombam de sua devastação.  Graves foram os pecados de Jerusalém: ela ficou uma imundície. Quem a honrava, agora a despreza porque lhe viram a nudez. E ela geme e esconde o rosto.  Vê-se sua mancha sobre suas vestes. Ela não previra esse fim. É imensa a sua decadência, e ninguém vem consolá-la. “Olhai, Senhor, para a minha miséria, porque o inimigo se ensoberbece (Lamentações 1,1-8).

 

Nesta perspectiva, impressionantes são os capítulos 40-48 do profeta Ezequiel. Jerusalém é também a cidade que vive a história de amor entre a Sulamita e o seu namorado, símbolo do relacionamento entre Deus e seu povo.

Sou morena, mas sou bela, filhas de Jerusalém, como as tendas de Cedar, como os pavilhões de Salomão. Durante as noites, no meu leito, busquei aquele que meu coração ama procurei-o, sem o encontrar.  Vou levantar-me e percorrer a cidade, as ruas e as praças, em busca daquele que meu coração ama procurei-o, sem o encontrar. Os guardas encontraram-me quando faziam sua ronda na cidade. Vistes acaso aquele que meu coração ama? (Cant. 1,1. 2,1s).

É importante salientar que a Bíblia termina com a imagem da descida da Jerusalém celeste.

Vi, então, um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra desapareceram e o mar já não existia.  Eu vi descer do céu, de junto de Deus, a Cidade Santa, a nova Jerusalém, como uma esposa ornada para o esposo.  Ao mesmo tempo, ouvi do trono uma grande voz que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens. Habitará com eles e serão o seu povo, e Deus mesmo estará com eles.  Enxugará toda lágrima de seus olhos e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição.  Então o que está assentado no trono disse: Eis que eu renovo todas as coisas. Disse ainda: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras.  Novamente me disse: Está pronto! Eu sou o Alfa e o Ômega, o Começo e o Fim. A quem tem sede eu darei gratuitamente de beber da fonte da água viva. O vencedor herdará tudo isso e eu serei seu Deus, e ele será meu filho (Ap 21,1-7).

Conclusão. A cidade em decidimos de morar é a cidade que se realize com tudo aquilo que Deus nos oferece. A nossa cidade é terrena, mas a nossa tarefa é humanizá-la. O Evangelho é a proposta para que este desejo possa se realizar. Cabe a nós arregaçar as mangas todo dia para que a cidade que construímos seja semelhante àquela que desce do céu.

 

 

mercoledì 11 settembre 2024

DOMINGO XXIVB

 





(Is 50,5-9a; Sl 115,1-2.3-4.5-6.8-9; Tg 2,14-18;  Mc 8,27-35)

 

Paulo Cugini

 

É lindo ver Jesus caminhando com os seus discípulos pelas ruas da Galileia: revela muitas coisas sobre o sentido que Ele quis dar à sua missão. Em primeiro lugar, a precariedade. Ele estava tão cheio do amor do Pai que não precisava procurar outras fontes de satisfação. E depois muita liberdade que lhe permite andar junto com os seus discípulos sem ter que se preocupar com o que comer, o que vestir e mais nada. Precariedade e liberdade andam de mãos dadas.

“Quem as pessoas dizem que eu sou?”. É uma questão importante, não só porque na narrativa de Marcos estamos a meio caminho da vida pública de Jesus, mas também porque a vida dos discípulos deve ser uma resposta à Palavra de Jesus. Portanto, captar a essência da sua mensagem é. fundamental para a existência.

“João Batista; outros dizem Elias e outros um dos profetas”. A descoberta de Jesus é amarga, porque encontra um povo ainda ancorado no passado, nas suas próprias histórias e tradições. Elias e os profetas foram, sem dúvida, grandes figuras do passado, que tiveram um papel importante na história do povo de Israel, mas nada revelam do presente que Jesus veio trazer. O próprio João Batista, considerado o maior dos profetas por ter podido ver e conhecer Jesus, ainda permanece ancorado no Antigo Testamento. A resposta de Pedro também vem do passado. Na verdade, ao dizer “Tu és o Cristo”, ele não passa das projeções do passado para o presente. Cristo, de facto, é o título atribuído ao futuro messias, o ungido de Deus. Jesus descobre, portanto, que, apesar das suas palavras e obras, ninguém compreende a novidade da sua mensagem. Jesus descobre que até agora não houve nenhum esforço para compreender o que realmente está acontecendo com a sua vinda, mas todas as suas palavras e ações são derramadas em odres velhos.

O que esses versículos significam? Revelam-nos algo muito profundo nos homens e nas mulheres, nomeadamente a dificuldade de abertura ao novo. É como se o presente estivesse obstruído pelo passado, como se a consciência identificasse a reprodução do passado, de alguns momentos significativos, como a felicidade da vida. Preencher o presente com o passado, adoçando-o, é um mecanismo que surge do instinto de sobrevivência, que leva ao apego ao que dá segurança.

O primeiro passo, portanto, num caminho de conversão, que nos permite captar a novidade da proposta de Jesus, consiste em libertar-nos dos desperdícios do passado, que obstruem pesadamente o nosso presente. Existe uma surdez psicológica e existencial, que não nos permite apreender a novidade do presente e que se desenvolve precisamente quando a pessoa se apega progressivamente ao passado, às tradições do lugar onde vive, que ainda permanecem humanas tradições.

E começou a ensinar-lhes que o Filho do homem devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas, ser morto e, depois de três dias, ressuscitar.

A incapacidade de nos libertarmos do passado não nos permite compreender o sentido profundo da vida que Jesus veio manifestar. Seguir Jesus, abraçar a novidade da sua Palavra, significa entrar no caminho do amor, da busca da justiça, que se manifesta como misericórdia. Significa também abandonar o caminho da agressão, para nos colocarmos ao serviço do projecto de construção constante da paz. Seguir Jesus significa também abandonar a mesa de quem procura a felicidade na riqueza a qualquer preço, e decide colocar-se ao serviço dos pobres, dos excluídos, daqueles que não têm importância para a sociedade. Este caminho tem consequências muito duras, nomeadamente sofrimento, rejeição e morte. No futuro, a ressurreição. Compreendemos, então, como funciona o instinto de sobrevivência que não quer dar ouvidos à novidade presente na história: faz de tudo para ficar longe dos problemas, daquilo que põe em risco a existência, buscando constantemente a tranquilidade. Este estilo de vida é a morte da alma, porque impede a coragem de entrar no caminho do amor que se dá gratuitamente, da vida que se perde para os outros, da libertação das tradições que sufocam o presente.

Ele fez esse discurso abertamente. Pedro chamou-o de lado e começou a repreendê-lo. Mas ele, voltando-se e olhando para os seus discípulos, repreendeu Pedro e disse: «Para trás de mim, Satanás! Porque você não pensa segundo Deus, mas segundo os homens"

Satanás é toda aquela realidade, aquelas situações que atrapalham a Palavra de Jesus, tirando-a do coração das pessoas. O pensamento de Pedro é sintomático da rejeição do caminho proposto por Jesus, que exige também a capacidade de rejeitar as consequências. Quem se deixa levar pelo instinto de sobrevivência e procura o caminho da tranquilidade e da segurança nunca conseguirá não só compreender a mensagem de Jesus, mas sobretudo segui-la.