venerdì 13 giugno 2025

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE

 



 

Pv 8, 22-31; Sl 8; Rm 5, 1-5; Jo 16, 12-15

 

Paulo Cugini

 

A solenidade da Santíssima Trindade nos conduz ao Mistério de Deus. Um grande Mistério que, desde os primeiros séculos, a Igreja tem procurado explicar, compreender, também com a ajuda da cultura da época, a filosofia grega. O que daí resultou foi um conjunto de definições nem sempre fáceis de compreender e, sem dúvida, a homilia não é o lugar para nos aprofundarmos nesse labirinto de redes conceituais. Portanto, confiamos na Palavra do dia.

Quando ele lançou os fundamentos da terra,
eu estava ao seu lado como um artesão
; eu era diariamente o seu deleite;
eu brincava diante dele em todo o tempo;
eu brincava na esfera da terra
 (Provérbios 8:30).

Confiar na Palavra significa crer que, dentro de discursos que também provêm da cultura de um povo e de uma época, há também um sopro misterioso, divino, um conteúdo que remete a algo mais, que não pode ser encerrado nos simples dados humanos. Há algo mais que, se escutado, revela conteúdos que desmantelam nossas construções conceituais ou devocionais sobre Deus que, com o tempo, formam preconceitos, conceitos indestrutíveis. O que a Palavra nos diz, então, sobre o mistério de Deus? A página do livro de Provérbios que escutamos nos revela que no início de tudo não há um pecado, um erro, como afirmava Agostinho quando falava do pecado original, mas um jogo. " Eu brincava diante dele a todo momento, eu brincava no globo". No início de tudo, há o olhar sorridente de Deus Pai e Mãe para sua filha, uma criança (a sabedoria é feminina), que brinca. Na origem de tudo há um jogo, um sorriso de alegria, que brota da relação alegre do Pai-Mãe com a filha, cujo nome é Sabedoria, que, como nos lembra o versículo inicial do capítulo 8 do livro dos Provérbios, foi criada pelo Senhor como o início de sua atividade. No caminho da fé, o Mistério se revela no jogo: ele gosta de nos observar enquanto jogamos. É no jogo que a Sabedoria que provém do Mistério se liberta.

A Sabedoria que provém do Mistério brinca diante dele: o que significa esse brincar? Não é por acaso que, no Evangelho de João, a vida pública de Jesus se abre com uma festa de casamento, cumprindo assim a profecia de Isaías 24-27. O Evangelho é alegria, é festa. A ideia de brincar, de fato, expressa pela bela passagem do capítulo 8 do livro de Provérbios, abre caminho para uma série de significados que costumam ser deixados de fora dos discursos religiosos. Brincar significa felicidade, alegria, criatividade, paixão, prazer, liberdade, amizade. Situações existenciais que marcam profundamente o cotidiano das pessoas, mas que a religião não considera como tal, porque está muito acostumada a se fechar em si mesma e a se identificar com uma aparência de seriedade falsa e hipócrita. O teólogo protestante Bonhoeffer disse em seu belo livro Resistência e Rendição que devemos aprender a reconhecer Deus não apenas em situações de sofrimento, dor, doença, como estamos acostumados a fazer, mas também e sobretudo, em situações em que a vida se manifesta como alegria, na arte, por exemplo, em uma bela música ou, por que não, em uma festa com amigos.

Vêm à mente as cenas do Evangelho em que há crianças brincando diante de Jesus e os discípulos, irritados, querem afastá-las. Não só isso. Jesus brinca com nossas doutrinas. Ele abraça os leprosos, mesmo sabendo da lei da impureza, que não permitia que os impuros, como os leprosos, se aproximassem do templo, o que, de um ponto de vista simplesmente lógico, é absurdo. O mesmo pode ser dito no caso em que Jesus toca a mulher que sangrava há 14 anos. Também neste caso, quem toca uma mulher que está perdendo sangue e que, por isso, se torna impura, é ele próprio impuro. Jesus brinca com nossas doutrinas rígidas, que nos tornam pessoas rígidas e, muitas vezes, desumanas. Novamente. Jesus frequentemente e de bom grado brinca com o eixo das leis da Torá, a lei por excelência, que sustenta todas as outras: o sábado. Parece ser feito de propósito, mas Jesus, com frequência e de bom grado, realiza milagres no dia em que é proibido fazer qualquer coisa, a ponto de um líder fariseu lhe perguntar se ele não poderia realizar aquele milagre em outro dia. Jesus, em vez disso, realiza milagres justamente no sábado para brincar com a nossa rigidez, com as nossas tradições humanas, que tivemos a ousadia de trocar, para colocar no lugar da Palavra de Deus (Mc 7,2s).

A Santíssima Trindade nos toma pela mão hoje para nos fazer brincar, para fazer um círculo, para nos livrarmos da aparente seriedade doutrinária, que nos torna pessoas obscuras e rígidas, para entrarmos no caminho da humanização, que não é feito apenas de razão, mas também de paixão e sentimentos. Entrando neste jogo em que o Mistério da Trindade nos convida a entrar, será mais fácil captar os sinais da Sua presença e, assim, abandonar as fantasias religiosas para nos deixarmos abraçar pela realidade da vida que Ele nos dá.

 

sabato 31 maggio 2025

ASCENSÃO DO SENHOR/C – SOLENIDADE

 




 

Atos 1,1-11; Sl 47; Ef 1,17-23; Lc 24,46-53

 

Paolo Cugini

 

A solenidade da Ascensão do Senhor, que celebramos hoje, deve ajudar-nos a compreender o significado da missão da Igreja no mundo e também do nosso batismo, pois é neste sacramento que recebemos o Espírito Santo. De fato, é na Ascensão do Senhor que os discípulos recebem o mandato de anunciar o Evangelho a todos os homens. A tarefa da Igreja, portanto, é ser testemunha de Cristo. Além disso, a Ascensão do Senhor ensina-nos que o Evangelho não é apenas um anúncio terreno, que se encerra na terra. O Evangelho não é um código de conduta moral, mas a indicação de um caminho que tem como meta o encontro com o Pai. Assim como Jesus passou, através da sua paixão e morte, deste mundo para o Pai (Jo 13), este é o significado da sua Páscoa: nós também devemos ouvi-lo para passar com Ele deste mundo para o Pai. Por isso, somos convidados a anunciar o seu Evangelho ao mundo, o seu único caminho de salvação. E aqui surge o problema: como é possível anunciar este caminho de salvação?

 

Foi a eles que Jesus se mostrou vivo depois da sua paixão (At 1,3).

O primeiro critério para dar testemunho de Jesus no mundo é conhecê-lo, conhecê-lo. Jesus não é uma ideia abstrata, mas uma pessoa concreta; Jesus não é uma criação literária, não é fruto da imaginação humana. Jesus é Deus que se fez homem e veio habitar entre nós: é Deus que se aproximou de nós. É por isso que é impossível conhecer Jesus a não ser através de uma experiência viva, autêntica e profunda. Jesus não envia os seus discípulos para anunciar uma ideia, ou algo do género, mas aquela experiência específica que tiveram com o Senhor. Não é por acaso que Jesus, após sua morte e ressurreição, apareceu apenas aos seus discípulos, isto é, àqueles que foram capazes de reconhecê-lo. Portanto, na raiz do nosso testemunho – porque este é o significado do nosso batismo! – deve estar a nossa experiência com o Senhor Jesus. Não podemos anunciar Cristo se não o conhecemos. Em sua primeira carta, João relata esta mesma reflexão: o que ouvimos, o que as nossas mãos tocaram, isso vos anunciamos (cf. 1 João 1:1-4). A vida cristã não se faz apenas de palavras, mas de experiência autêntica com Cristo. É o conhecimento dEle que nos permite conhecê-lo e, portanto, comunicá-lo ao mundo.

 

Vocês receberão poder ao descer sobre vocês o Espírito Santo (Atos 1:8).

O conhecimento experiencial e pessoal do Senhor, porém, não é suficiente: é necessário o Espírito Santo. Somente o Espírito de Deus pode dar aos discípulos a coragem de proclamar, de testemunhar o Senhor ressuscitado em um mundo que o odeia, que o massacra, que odeia a Deus e, consequentemente, odeia todos aqueles que falam do Filho. Essa coragem não é uma força psicológica, de origem humana, mas algo que vem de Deus, do seu Espírito.

 

Há algo mais. Para ser testemunha, precisamos da força que vem de sermos credíveis. Isso significa que, se queremos ser testemunhas do Senhor, nosso encontro com Ele deve ter mudado significativamente nossas vidas. Como podemos, de fato, proclamar o amor de Cristo aos nossos inimigos se odiamos alguém? Como podemos ser testemunhas da comunhão de Cristo se somos instrumentos de luta e dificuldade? Como podemos ser testemunhas da morte de Cristo que perdoou nossos pecados, se não somos capazes de perdoar? Como podemos proclamar o amor de Cristo aos pobres se gastamos nosso tempo acumulando riquezas, tornando-nos instrumentos de injustiça? Testemunhar significa contar o que Jesus fez não apenas com palavras, mas também e, sobretudo, com a nossa própria vida. A verdade do que anunciamos deve ser claramente visível na nossa carne, na nossa história. Testemunhar não significa dizer o que Jesus fez, mas o que Jesus fez por mim, a salvação que Ele trouxe para a minha vida. Se somos chamados a anunciar a Salvação que Cristo realizou na história através da sua paixão, morte e ressurreição, então tudo isso deve estar escrito na nossa vida, deve ser claramente visível na nossa carne, no nosso modo de ser, de viver, de pensar. Isso só se torna possível se o encontro com o Senhor tiver verdadeiramente trazido a salvação para a nossa existência. Só então as palavras se tornam credíveis, alcançando um peso e uma força impressionantes, que penetram o coração do mundo, perturbando-o, preocupando-o, levando-o a sério. Por isso, São Lucas, pouco depois, nos Atos dos Apóstolos, no quarto capítulo, narra como se estruturou a comunidade dos primeiros cristãos, seguindo a pregação dos discípulos.

 

A multidão dos que tinham chegado à fé era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que suas propriedades eram o que possuía, mas entre eles tudo era comum (Atos 4.32).

É por isso que a pregação dos discípulos atraía multidões: não se tratava de discursos e habilidades retóricas, mas de testemunho. O que os discípulos anunciavam, isto é, a salvação pelo Evangelho de Jesus (cf. 1 Cor 15,1-3), era claramente visível em suas comunidades, compostas por pessoas que viviam o nome de Jesus de uma maneira totalmente nova, não mais animadas pelo egoísmo humano que só causa divisões e rivalidades, mas pelo amor de Jesus que inspira caridade e partilha entre si.

Quais são os sinais que o Espírito Santo produz em nossa humanidade que tornam nosso anúncio crível?

Em primeiro lugar, a humildade. De fato, somente Deus deve ser glorificado por meio de nossa ação. Somente o Espírito pode produzir em nós esse sentimento fundamental da vida cristã, tão presente na vida de Cristo.

Em segundo lugar, a alegria. Os cristãos são alegres não por causa de sua conta bancária ou outros bens materiais, mas porque vivem com Jesus. É isso que Santa Teresa de Jesus queria dizer quando escreveu: “Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta.”

Peçamos a Deus que, nesta Eucaristia que celebramos, o Espírito Santo produza em nossas vidas aquela humildade e alegria tão necessárias para o testemunho autêntico do seu Evangelho.

sabato 24 maggio 2025

VI Domingo da Páscoa/C

 



 

Paolo Cugini

No tempo da Páscoa, a liturgia nos oferece uma reflexão sobre o significado da presença do Ressuscitado na vida da comunidade cristã, na vida daqueles que o encontraram. De fato, este deveria ser o sentido da Igreja, isto é, do grupo de pessoas que fizeram a experiência do encontro com o Ressuscitado e que o testemunham com um novo estilo de vida, que apresenta características específicas. Na narrativa dos Atos dos Apóstolos, cada vez que Paulo é chamado a se defender diante das autoridades romanas das acusações dos judeus (Atos 22 e 26), ele o faz narrando a mudança operada por seu encontro com o Ressuscitado. Esta é então a pergunta que busca abrir o sentido das leituras propostas pela liturgia de hoje: o que deve acontecer com as pessoas que encontraram o Ressuscitado?

As duas primeiras leituras nos oferecem material semelhante para a nossa resposta, que poderíamos formular assim: o encontro com o Ressuscitado nos liberta da religião falsa, aquela feita de normas e prescrições, que escravizam os homens em vez de libertá-los. Esta foi a experiência de Paulo que ele procura compartilhar em suas viagens missionárias, afirmando que o Evangelho de Jesus libertou a humanidade de todas aquelas prescrições que, em vez de aproximar a humanidade do Pai, a afastam. É justamente neste ponto que Paulo e Barnabé encontrarão forte resistência dos judeus convertidos ao cristianismo, que queriam impor as leis mosaicas também aos pagãos convertidos. 

Naqueles dias, alguns homens desceram da Judeia e ensinaram aos irmãos: “Se não vos circuncidardes, conforme o costume de Moisés, não podeis ser salvos” (Atos 15:1). O Concílio de Jerusalém, do qual se relata um trecho do documento final na primeira leitura, discutirá justamente este ponto e serão fundamentais os testemunhos de Pedro e Paulo sobre a descida do Espírito Santo também sobre os pagãos. Em sintonia com este caminho, estão as palavras do Apocalipse relatadas na segunda leitura, que afirma que, na nova Jerusalém, segundo a visão de João, não haverá templo, porque: “o Senhor Deus Todo-Poderoso e o Cordeiro são o seu templo”. (Ap 21, 22). O templo de Jerusalém, especialmente o segundo templo, aquele reconstruído após o retorno do exílio na Babilônia, havia se tornado o símbolo de uma religião composta de tantos preceitos e regras que um relacionamento pacífico com Deus era impossível. Por isso, no diálogo com a samaritana, Jesus dirá que, para um diálogo autêntico com o Pai, não haverá mais necessidade de templos porque: «os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade» (Jo 4, 23).

A comunidade daqueles que encontraram o Ressuscitado, além de se libertar da falsa religião dos preceitos, torna-se uma presença de paz no mundo. Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou. Não vo-lo dou como o mundo o dá (Jo 14,25-26). A Sagrada Escritura considera a paz não apenas como a ausência de guerra, mas sobretudo como um dom de Deus e a plenitude de todas as suas bênçãos. Esta é a mensagem central da esperança messiânica anunciada pelos profetas, que a veem realizada na harmonia das origens entre o homem e a criação: "O lobo habitará com o cordeiro..." (Is 11,6-9; cf. Is 65,25) e na convivência pacífica e fraterna: "Forjarão das suas espadas relhas de arado, e das suas lanças, foices... e não aprenderão mais a guerra" (Is 2,4). É essa paz que Jesus trouxe entre nós, como rejeição a toda forma de violência. Jesus, de fato, como nos diz São Paulo, reconciliou os povos em conflito atraindo o ódio deles para a sua própria carne (cf. Ef 2,14ss). A vida do Ressuscitado é visível, então, no esforço que fazemos todos os dias para construir a paz, para reconciliar as pessoas, para fazer com que os opostos possam coexistir.

domenica 18 maggio 2025

DOMINGO V DE PÁSCOA TEMPO/C

  



 

Paulo Cugini

O que o tempo da Páscoa significa para a comunidade cristã? O que a ressurreição de Cristo deve trazer para seus discípulos, tanto homens quanto mulheres? Parece-me que esta é a pergunta que pode abrir a compreensão das leituras que ouvimos.

Então eles constituíram anciãos para eles em cada igreja  (Atos 14:21). A primeira resposta encontra-se nos Atos dos Apóstolos. Na passagem de hoje, Lucas nos fala sobre o primeiro esboço da estrutura da comunidade. Paulo e Barnabé não apenas proclamam o Evangelho e exortam seus ouvintes, mas também estão preocupados com o futuro das comunidades que criaram. A luz do Ressuscitado se manifesta na inteligência de quem a acolhe, o que se materializa na reflexão sobre como dar continuidade à mensagem do Evangelho após a ausência dos missionários. Há um desígnio que, antes de ser sinal de eficiência exasperada, se torna manifestação visível de amor às pessoas encontradas no caminho da evangelização.

Eu, João, vi um novo céu e uma nova terra; o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe (Ap 21:1). A segunda ideia significativa que emerge das leituras de hoje sobre a novidade produzida pela luz do Ressuscitado nas pessoas que a acolhem é a capacidade de ver a novidade. Assim como os profetas eram visionários, pessoas capazes de ver vida onde se pensava apenas na morte, assim também a comunidade cristã que encontrou o Senhor da vida é caracterizada por essa atitude, que se manifesta no dom de ver paz onde a humanidade vê guerra, de ver amor onde só se pode discernir dinâmicas de ódio. Querendo atualizar a mensagem, nesta situação aparentemente desesperadora da guerra na Ucrânia, enquanto os governos propõem medidas de rearmamento como forma de alcançar a paz, a única voz que se destaca parece ser a do Papa Francisco, que insiste em afirmar que a paz se faz através do diálogo, da diplomacia e que as armas só produzem morte e guerra. Por isso renovo o meu apelo: chega, paremos, silenciemos as armas, negociemos seriamente pela paz (Papa Francisco, Angelus, Domingo 27.3.2022).

Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros (Jo 13,34). O terceiro indício significativo que as leituras nos comunicam sobre os sinais da presença do Ressuscitado na comunidade é o processo de essencialização que ele produz. Qual é, de fato, o mandamento do amor que Jesus indica aos seus discípulos pouco antes de sua morte na cruz, senão o sentido mais profundo da vida? Pode parecer trivial e infantil, mas é a única coisa que realmente dá sabor à existência. Às vezes percebemos isso depois de passarmos por experiências dolorosas de solidão, causadas por nossas escolhas egocêntricas, na ilusão de que podemos fazer tudo sozinhos. Ter amor uns pelos outros é tanto um dom quanto uma tarefa. É o dom que o Senhor nos oferece com o seu Espírito, o seu ensinamento. É também e sobretudo uma tarefa que construímos todos os dias, colocando gestos de generosidade e serviço junto das pessoas que estão ao nosso redor ou mesmo junto daquelas que encontramos no nosso caminho. Pode parecer pouco, e é a sensação que nos vem quando buscamos o julgamento dos outros, no processo de construção da nossa identidade. É um grande presente, ao contrário, e o percebemos quando aprendemos com a vida a saborear a beleza e a riqueza de um sorriso, de um olhar atento dado e recebido. São esses pequenos gestos que, além de falar da verdade e da autenticidade dos nossos relacionamentos, permitem que a luz do Ressuscitado se torne visível, para que o mundo creia.

 

sabato 3 maggio 2025

III DOMINGO DE PÁSCOA / C

 




Paolo Cugini

 

A Páscoa é o tempo do ano em que a Igreja nos convida a refletir, de modo novo e original, sobre o sentido da existência. A Páscoa, de fato, ao apresentar o tema do Ressuscitado, provoca a reflexão sobre o tema da vida, seu sentido e sobre aquilo em que realmente vale a pena gastar as próprias energias. Por fim, o Pai ressuscitou o corpo de seu filho Jesus que, durante sua vida, havia escolhido uma vida pobre, humilde e discreta; isto é, ele não buscava glória mundana, poder ou dinheiro. Este aspecto, na minha opinião, deve nos fazer refletir. A ressurreição de Jesus lança uma nova luz sobre a história da humanidade e expõe a pobreza da proposta, totalmente desequilibrada em relação ao material, deixando muito pouco espaço para a dimensão espiritual. Vejamos, a este respeito, o que nos dizem as leituras de hoje.

Eles mandaram açoitar [os apóstolos] e ordenaram que não falassem em nome de Jesus. Então eles os soltaram. Então eles saíram da presença do Sinédrio, regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer desonra por causa do nome (Atos 5:40-41).

A situação narrada na primeira leitura é indicativa do que aconteceu com aqueles que conheceram o Senhor e o encontraram ressuscitado. Houve uma clara mudança na perspectiva existencial. De fato, eles passaram de uma atitude de medo e abandono diante do Mestre, a ponto de terem que entregá-lo, negá-lo e abandoná-lo, para uma atitude em que se sentem felizes por terem sido ultrajados em nome de Jesus. É a realidade dessa mudança que deixa admirado e se torna um testemunho que vale a pena ouvir para aprofundar a discussão sobre a ressurreição de Jesus, que tem consequências significativas para as pessoas que o encontram. O que aconteceu para provocar uma mudança tão radical? Como é possível que pessoas tão frágeis e medrosas se tornem corajosas e capazes de argumentar sobre suas ações em tão pouco tempo? Encontrar o Ressuscitado significa, entre outras coisas, precisamente isto: testemunhar uma passagem na própria humanidade que deixa uma marca profunda capaz de mudar o caminho. Mudança que não tem explicação humana, que não pode ser explicada com instrumentos científicos, psicológicos: há mais.

Eu, João, vi e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos. E o seu número era dez mil vezes dez mil, e milhares de milhares; e disseram em alta voz: Digno é
o Cordeiro, que foi morto,
de receber o poder, e riquezas,
e sabedoria, e força, e
honra, e glória, e ações de graças (Ap 5:1ss).

João vê a vitória de Cristo sobre a morte; ele não vê a cruz, mas um trono, um sinal de vitória, e no trono o próprio Deus com o cordeiro sacrificado ao seu lado. O fato interessante é que esse cordeiro sacrificado, que claramente se refere a Jesus, está de pé, em sinal de vitória: ninguém conseguiu dobrá-lo, quebrá-lo. O ódio do mundo não prevaleceu sobre o amor de Jesus, simbolizado pelo fato de ele ser imaginado como um cordeiro abatido. Os cristãos que seguem o Senhor e se alimentam dEle, nutrem a consciência com Suas palavras, com Sua mensagem, não veem no mundo sinais de morte, mas de vitória. Onde o mundo vê morte, os cristãos veem vida. E já que o cordeiro está de pé e venceu o ódio com amor, ele é digno de ser reverenciado para receber poder de Deus Pai. Ser no mundo sinal da vitória de Cristo sobre o ódio e a dinâmica da morte: esta é a tarefa dos cristãos no mundo.

Disse-lhe pela terceira vez: “Simão, filho de João, tu me amas?” Pedro ficou triste porque lhe perguntou pela terceira vez: “Você me ama?” E ele lhe disse: “Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo.” Jesus respondeu-lhe: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17).

Na jornada da fé, não somos testados pelo número de ritos e procissões dos quais participamos, mas exclusivamente pelo amor que damos. É preciso acrescentar que se podemos dar amor é porque o recebemos gratuitamente do Filho, por meio do Espírito Santo que o derramou em nossos corações (cf. Rm 5,5). O bálsamo da misericórdia cura as feridas da alma de Pedro que havia negado o Senhor três vezes. Não há culpa, nem desespero, mas apenas misericórdia que cura as feridas. Os relacionamentos que Jesus cria têm esta marca inconfundível: ele não mexe com os homens e mulheres para fazê-los sentir-se mal, mas para trazer à tona o bem que há em cada pessoa. 

 

sabato 12 aprile 2025

DOMINGO DE RAMOS 2025

 




 Paulo Cugini


Neste domingo que abre o caminho da Semana Santa, gostaria de oferecer algumas chaves de compreensão a partir das leituras que ouvimos.

 

1.      A superficialidade de uma religião que é vivida apenas externamente e não influencia nas escolhas da pessoa. O que chama a atenção é a superficialidade das pessoas que primeiro louvam Jesus quando ele entra em Jerusalém e depois clamam por sua crucificação. O que vale a pena é esse caminho de fé que permite que os conteúdos escutados se fixem no coração, de modo que modifiquem os pensamentos e orientem as escolhas.

 

2.      Princípio educacional. Para nos comunicar o caminho da vida autêntica, Ele se aproximou de nós, se fez um de nós: este é o maior ensinamento educativo. É o que nos explica São Paulo na segunda leitura de hoje: Fl 2,5-11. Jesus não nos ensinou o caminho da salvação e da verdadeira vida do alto de um púlpito, mas das profundezas da vida cotidiana, vindo caminhar entre nós.

 

3.      A solidão do homem, da mulher de Deus; mal-entendido, traição. Somente no julgamento do mundo. A tremenda solidão de Jesus nas últimas horas de sua vida é impressionante. Abandonado por todos, traído, entregue, humilhado, insultado: sozinho diante de tudo e de todos. Mas Jesus permaneceu em seu lugar e não tentou escapar. A autenticidade de um caminho espiritual se verifica nas situações de crise, ou seja, na capacidade de permanecer firme, no seu lugar.

4.      A verdade vem da atenção à realidade. Os Evangelhos não esconderam a dureza e o drama das últimas horas de Jesus: não esconderam a realidade dos acontecimentos. Isso significa que a verdade do Evangelho vem através da aceitação da realidade como ela é, contra todas as formas de negacionismo, que são todas formas patológicas da razão.

 

5.      Um olhar de amor infinito . Pai, perdoa-lhes. Uma humanidade que ama dessa maneira revela algo que vai além do humano. Máximo, o Confessor, apoiou isso no século VII d.C. C. A humanidade de Jesus não se fecha em si mesma nem nas horas mais difíceis da sua paixão, mas permanece aberta, capaz de um olhar amoroso também para com os seus assassinos. Esse amor impressionante tem o sabor de algo que não pode ser enquadrado nas realidades humanas.


mercoledì 2 aprile 2025

V DOMINGO DA QUARESMA/ C




Paulo Cugini 


Há uma novidade que somos chamados a abraçar neste tempo da Quaresma, uma novidade de vida nova, capaz de dar sentido à nossa existência, de fornecer água no deserto dos nossos caminhos áridos. Parece incrível, mas é verdade. Para compreendê-lo, porém, é preciso um requisito fundamental, indicado pelo profeta Isaías na primeira leitura de hoje, ou seja, parar de pensar no passado.

Não vos lembreis das coisas passadas,

nem considereis as coisas antigas!

Eis que faço uma coisa nova;

agora ele brota, você não percebe? (Is 43,18).

Encontramos a mesma ideia na segunda leitura de hoje, quando Paulo afirma: Considero tudo como perda, por causa da excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor. Por amor de Deus, perdi todas as coisas e as considero como lixo, para ganhar a Cristo e ser encontrado nele (Fp 3:8). Há, portanto, uma atitude espiritual que não nos permite captar a novidade de Jesus, sua mensagem inovadora, sua presença salvadora para a humanidade. Aqueles que permanecem ancorados em formas tradicionais de religião são incapazes de compreender completamente a novidade que é Jesus.

O que é essa novidade e qual é a profundidade qualitativa dessa novidade é expresso na passagem do Evangelho de hoje, que conta uma história que levou séculos para ser admitida no cânon. O perdão de uma adúltera por Jesus foi, de fato, considerado inadmissível porque, de acordo com os detratores de Jesus, teria criado um clima de negligência que abriria caminho para justificar a traição das esposas aos seus maridos. Também é interessante a natureza chauvinista da cena, na qual apenas a mulher é levada perante Jesus para julgamento: e o homem, e o adúltero, por que não foi acusado? É o resultado dessa cultura patriarcal que cavou um abismo entre as condições masculina e feminina ao longo dos séculos, um abismo feito de injustiças e abusos.

Eles disseram isso para testá-lo, para que pudessem ter alguma acusação contra ele. 

Os escribas e fariseus procuram Jesus não para ouvi-lo, como o povo faz, mas para testá-lo. Curiosamente, o verbo que o Evangelho usa para explicar o motivo da aproximação deles com Jesus é o mesmo usado para explicar a atividade de Satanás: testá-lo. Os escribas e fariseus não estão interessados em ouvir Jesus, eles querem desacreditá-lo diante do povo, porque com suas ações e suas palavras, ele está perturbando aquelas tradições religiosas, que dão poder e apoio à classe sacerdotal. Há, portanto, o mal nas ações dos escribas e fariseus, aquele mal que vem daqueles que estão cegos pelo próprio passado, daqueles que não querem olhar para a novidade do presente, porque isso significaria questionar-se, colocar-se numa perspectiva de mudança de vida.

À provocação dos escribas e fariseus, Jesus responde escrevendo no chão em silêncio: por quê? O que essa atitude significa? Na realidade, é um gesto profético que remete a uma passagem de Jeremias: "aqueles que vos abandonarem serão envergonhados; aqueles que se afastarem de vós serão escritos no pó, porque abandonaram o Senhor, a fonte de água viva (Jr 17,13). Afinal, havia pouco a dizer, porque do lado dos fariseus não havia a menor vontade de ouvir e se envolver. É por isso que Jesus não entra no campo da diatribe teológica, mas provoca um caminho de interiorização. Ele se levantou e disse a eles: "Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro a atirar uma pedra nela". É na consciência pessoal que Jesus provoca a reflexão dos ouvintes, porque é ali que está a possibilidade de ouvir aquela voz interior que revela o sentido autêntico das coisas.

«Mulher, onde estou? Ninguém te condenou? E ela respondeu: “Ninguém, senhor.” E Jesus disse: “Eu também não te condeno”.

 Este é o escândalo, a afirmação que os escribas e fariseus não queriam ouvir e que durante vários séculos deixou esta passagem fora do cânon: nem eu te condeno . Jesus é só amor, só misericórdia, é a possibilidade para todos recomeçarem, retomarem o caminho. Esta é a palavra que a Igreja deve saber dizer ao mundo: eu também não te condeno e, assim, abrir caminhos de misericórdia, libertando os homens dos sentimentos de culpa que os escravizam e que produzem a imagem de um Deus terrível, herança de medos ancestrais.

O sentido do caminho quaresmal deveria ser precisamente este: fazer-nos descobrir o rosto totalmente bom e misericordioso do Pai. Nenhuma condenação, nenhuma imposição, mas a possibilidade de um novo caminho.



sabato 22 marzo 2025

QUARTO DOMINGO DA QUARESMA/C

 



(Js 5:9-12; Sl 34; 2 Co 5:17-21; Lc 15:1-3.11-32)


Paolo Cugini


1. As leituras do domingo passado nos convidaram a não adiar o tempo da nossa conversão, mas a considerar o tempo presente como o momento favorável para o nosso encontro com o Senhor. Hoje, quarto domingo da Quaresma, a liturgia da Palavra vem ao nosso encontro procurando explicar-nos o conteúdo desta conversão. As perguntas que podemos tomar como pano de fundo para a liturgia de hoje poderiam ser as seguintes: afinal, o que significa converter-se ao Evangelho? O que o Senhor requer de nós? Quais são os passos que devemos dar no presente da nossa existência, para tornar verdadeira e autêntica a nossa adesão ao Senhor?


2. A primeira resposta que podemos dar a essas perguntas é que não podemos ficar neutros diante da proposta do Senhor. O Evangelho de hoje, de fato, abre com esta mesma imagem. Diante dele estão, de um lado, os fariseus que o criticam e, do outro, os pecadores que se aproximam para ouvi-lo. Qualquer um que se sinta muito justo nesta Quaresma  provavelmente já começou  a se distanciar de seguir  Jesus  , julgando-o ultrapassado ou muito radical. Quem, por outro lado, está deixando a Palavra do Senhor penetrar em si mesmo, não estará  se  sentindo muito bem. E então  ele sentirá  a necessidade de se aprofundar mais no assunto, para entender melhor o que  Jesus  quer dizer. Aqueles que decidem levar a vida a sério e, portanto, deixam de se esconder atrás das máscaras construídas ao longo do tempo, para não se sentirem mal por toda a vida e vislumbram na  proposta de Jesus  uma possível saída positiva,  tentarão  ouvi-lo.  A humildade  é a base de uma jornada espiritual e  a humildade  é medida pela ideia que temos de nós mesmos. Se nos sentimos bem com o Evangelho, isso significa que estamos em má situação, que nossa jornada espiritual realmente perdeu força. Somente Cristo é de fato o Santo de Deus e, diante do Santo, todos nós somos pecadores e necessitados de uma salvação que não podemos dar a nós mesmos com nossas próprias mãos, mas que vem  do alto  como um dom puro e gratuito de Deus (cf. Rm 3). Se, pelo contrário, nos sentimos mal ao ler uma página do Evangelho,  significa  que ainda estamos bem, porque ainda estamos em contato com a  realidade  de nós mesmos, que é a percepção de algo que deve ser mudado em nossa existência. Se, ao ouvir estes primeiros versículos do Evangelho, nos identificamos com os publicanos e pecadores, podemos continuar ouvindo, porque  Jesus  nos  revelará  algo importante para o nosso caminho de conversão. Se, pelo contrário, nos identificamos com os fariseus, com aqueles  que  pensam saber  mais  que  Jesus , podemos tranquilamente fechar o Evangelho e sair da Igreja: o Evangelho não é coisa de seres superiores, mas de pequenos. 


3. Para aqueles de nós que permanecemos na Igreja, porque nos sentimos pequenos, pecadores e necessitados da misericórdia do Senhor, o que o restante do Evangelho tem a nos dizer? Ela revela algo sobre nós mesmos e algo sobre Deus.

Em primeiro lugar, a figura dos dois irmãos revela algo sobre nós mesmos. Ela nos diz, de fato, por um lado, que nossas cabeças são  tão  duras, nossos corações  tão  fechados pelo orgulho e nossas almas  tão  cheias de nós mesmos e do egoísmo, que para entender que estamos indo no caminho errado, precisamos cair no fosso. O filho que sai da casa do pai e vai embora pensando em fazer a própria vida, somos nós toda vez que queremos fazer as coisas do nosso jeito, que achamos que somos os protagonistas absolutos da nossa vida e não queremos ouvir nada nem ninguém. Cada vez que agimos dessa maneira, estamos nos aproximando mais  do  abismo da falta de sentido e da insignificância da vida. E assim, enquanto pensamos que estamos criando uma vida cheia de sucesso, na  realidade  estamos destruindo-a ao preenchê-la com nada. E  então , de repente, no meio da jornada da nossa vida, nos sentimos estranhamente vazios, sem nada dentro. Quem conseguir, nessa situação existencialmente catastrófica, entrar em si mesmo, reconhecer os próprios erros, assumir  a responsabilidade  pelo próprio fracasso e pedir ajuda a Deus,  conseguirá  se levantar e, com dificuldade, retomar o caminho. Aqueles que, pelo contrário, continuam a não aceitar o próprio fracasso de uma  vida egocêntrica  e egoísta, procurando por todo o lado pontos de referência onde descarregar  a sua  raiva, precisam de comer mais alguns quilos de bolotas juntamente com os porcos.


4. O   filho  mais velho  que, em vez de se alegrar com o pai pelo retorno do irmão, fica tão irritado que não quer participar da celebração, é o símbolo de uma vida religiosa que não é gratuita, mas egoísta. A história deste filho mais velho  deve  nos levar a nos perguntar: por que vamos à igreja? O que buscamos dentro dos muros da paróquia? Se ainda não entendemos que em Cristo Deus nos deu tudo de si e que na Igreja encontramos todos os meios de salvação e, apesar  disso,  sempre temos algo a dizer, a criticar, a julgar tudo e todos, significa que nosso caminho espiritual é um pouco material, interesseiro,  ou seja,  pouco claro e autêntico. O tempo da Quaresma torna-se então para nós o tempo privilegiado para nos libertarmos de todas as nossas pretensões religiosas, de todo o nosso materialismo espiritual, para caminharmos  mais  livres e serenamente atrás do Senhor.


5. O que esta página do Evangelho nos diz e nos ensina sobre Deus? Sem dúvida,  já  entendemos  que  Deus é um Pai imensamente bom, que nos faz querer correr para Ele e abraçá-Lo. Ele é um Pai que nunca olha para o lado negativo do filho, mas que confia na sua  capacidade  de realizar o bem. Ele é um Pai que não julga, que não condena, mas que espera pacientemente que nós, seus filhos, corramos para seus braços misericordiosos. Ter  um Pai assim  é realmente uma graça imensa. É seu amor infinito que de repente destrói todos os nossos falsos ídolos, todas as nossas ideias loucas de Deus. Como podemos, de fato, ter medo de  um Deus assim ? Quem colocou em nossas cabeças que deveríamos ter medo Dele? É lindo e fantástico poder contar com um Deus  assim   , que sempre nos espera, que perdoa pacientemente todos os nossos pecados, que não se escandaliza com os nossos pecados, que envolve as nossas sombras com a sua luz, que cobre o nosso egoísmo com o seu imenso amor. Então, vamos nos ajoelhar e orar. Vamos cair de joelhos e chorar por nossa  estupidez . Vamos cair de joelhos e agradecer ao Pai por seu imenso amor por nós. Joguemo-nos de joelhos pedindo ao Pai  com humildade que nunca mais  nos abandone  .



DOMINGO III QUARESMA/C

 




(Is 3:1-8, 13-15; Sl 103; 1 Co 10:1-6, 10, 12; Lc 13:1-9)




Paolo Cugini


1. A Quaresma se apresenta como um caminho espiritual que deve ser percorrido em todas as suas etapas, se se deseja atingir o objetivo que é a celebração da Páscoa do Senhor.

A Páscoa para a qual caminhamos, que é celebração da passagem de Jesus deste mundo para o Pai (Jo 13,1), passagem que aconteceu na obediência ao Pai e na sua morte na cruz, revela também o sentido do nosso caminho que estamos a fazer com a Igreja. Se quisermos passar com Jesus e como Ele deste mundo para o Pai, devemos respeitar as indicações que a liturgia da Palavra nos oferece. Na primeira semana, a liturgia nos ajudou a enfrentar a realidade da nossa fragilidade, para não nos fecharmos em nosso egoísmo, mas nos abrirmos ao ensinamento de Jesus. No último domingo, o Evangelho nos mostrou que a confiança em Jesus é bem colocada, dado que Ele não é apenas um homem, mas nele é o próprio Deus que se manifesta. O mistério da Transfiguração do Senhor, além de nos revelar a grandeza da sua identidade, mostrou-nos também o sentido da nossa dignidade de filhos de Deus, que só podemos redescobrir confiando-nos a Ele. E é por isso que a liturgia da Palavra de hoje, no meio do caminho, em que já não podemos voltar atrás e, ao mesmo tempo, ainda lutamos para ver o destino final, clama-nos a plenos pulmões: Despertai! Se desejamos ardentemente levar a nossa humanidade deste mundo ao Pai, não basta saber quem é Jesus, mas é preciso clamar a Ele todas as nossas necessidades, sacudir a preguiça dos nossos hábitos e correr ao encontro de Jesus, mostrando-lhe o nosso desejo de mudar de vida.

 E aqui reside o problema central: já nos sentimos salvos? Para além da consciência barata da nossa fraqueza humana, que nunca parece se levantar e por isso precisa continuamente deitar-se nas confortáveis poltronas dos nossos vícios e caprichos, queremos realmente mudar de vida? Queremos realmente nos levantar? Queremos realmente uma vida mais digna? Queremos realmente quebrar nossas máscaras hipócritas de uma vez por todas para sermos mais autênticos? Por onde começar?


2. “ Se não vos arrependerdes, todos vós também morrereis” (Lc 13,3).

O primeiro passo no caminho para adquirir nossa dignidade de filhos e filhas de Deus é crer na Palavra de Deus. Foi o que ouvimos no último domingo no Evangelho: “ Este é meu Filho; escutai  o que  ele diz ” (Lc 9,35). Ouvir a Palavra de Deus com o coração cheio de fé significa crer que ela é a única Palavra capaz de mudar o nosso coração, de penetrar na nossa alma de modo a curar profundamente os nossos erros pela raiz. Jesus é   a única Palavra que  pode  converter nosso caminho errado. É por isso que tenho que ouvi-lo. Pelo contrário, nossa religião sem palavras nos deixa na superfície, na confusão de palavras e tradições mundanas (o que aconteceu com nossos festivais!?). É essa ausência da Palavra em nossa vida religiosa que nos leva a nos sentirmos bem no mundo, a justificar tudo, deixando nossas almas vazias, porque é somente a Palavra de Jesus que enche a vida de sentido. Quando entendemos esse fato básico? Se não tivemos a humildade e a paciência de dedicar tempo à Palavra desde a infância e a juventude, vivendo esta experiência de fé de forma positiva, sem dúvida a sentiremos quando o vazio da vida nos apertar o estômago. “ Todos vocês morrerão da mesma maneira” significa exatamente isso. Jesus sabe muito bem que as pessoas superficiais, além  das aparências  , sentem em si a presença ameaçadora e devastadora da morte. Uma morte percebida não como uma passagem, mas como a destruição e o fim de uma vida vazia e inútil. Mudar de vida, converter-se, significa levar a Palavra de Deus a sério, ouvi-la, meditar nela, deixar que ela penetre em nossa alma, deixar que ela nos faça sentir mal, deixar que ela nos diga a  verdade  sobre nós mesmos, o que nem sempre é algo agradável de ouvir. A Palavra de Deus não é uma brincadeira, não é uma  brincadeira  para ser ouvida confortavelmente numa poltrona. A Palavra de Deus é a Cruz, é o sofrimento do Justo inocente, é a verdadeira história do Cordeiro sacrificado por nós. Beber este cálice amargo  pode  salvar nossas vidas da morte eterna. Vale então a pena sentir-se mal, deixando que a Palavra penetre (Jo 8,40ss) em nós para nos mostrar os nossos erros e nos oferecer a possibilidade de sair deles. Fé em Deus é crer que somente a Sua Palavra tem o poder (Rm 1,16) de ler dentro de nós de tal forma que nos ofereça ao mesmo tempo o caminho para sair da morte. Então por que você não sai do sofá agora mesmo, se ajoelha e medita na Palavra?


3. “ Senhor, deixa a figueira também este ano.  Eu cavarei  ao redor dela e  colocarei  estrume sobre ela.  Talvez ela dê  frutos  mais tarde  ” (Lc 13:8-9).

Obrigado Senhor por este versículo! Agradecemos a Ele porque Ele nos revela toda a Sua misericórdia. Deus Pai, de fato, não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva! Por isso, Ele ainda nos oferece tempo, Ele ainda nos dá um período para voltar atrás, para sacudir nossa vida equivocada, nossa religião sem Palavra, nossas palavras vazias de sentido, nossas escolhas desprovidas de amor, nossa casa mal construída na areia da nossa estupidez e presunção. Ainda nos dá um clima favorável, o que significa parar o trem de ilusões e decolar. “ Hoje a salvação entrou nesta casa ” (Lc 18). Deus Pai enviou seu Filho que veio viver entre nós para falar conosco, nos abraçar e nos dar seu beijo santo, mas nós não estamos lá, nunca estamos em casa, estamos sempre fora (em todos os sentidos!). O tempo da Quaresma é um tempo propício para parar, para deixar de projetar a nossa vida num futuro improvável, para colocar os pés no chão, na realidade. Ao pararmos com nossos sonhos, com nossas ilusões, para viver o presente da vida, talvez tenhamos a oportunidade de nos deixar envolver pela misericórdia do Pai e parar de fugir de nós mesmos.


4. Estamos no meio do tempo da Quaresma, assim como Moisés estava no meio de sua vida quando Deus se revelou a ele na sarça ardente (Êxodo 3,1ss: primeira leitura de hoje). Assim como Moisés, nós também queremos nos aproximar para ver qual é esse mistério. Estamos ao redor da mesa eucarística porque somos atraídos pelo amor do Pai, que em Cristo nos convida a entrar em sua comunhão. Deixemo-nos converter pelo Senhor! Aceitemos o Seu convite e entremos em comunhão com Ele: agora. Paremos de antecipar o momento da nossa mudança, como se fosse possível fixar uma data para isso, porque hoje é o tempo da nossa salvação. E assim, uma vez que Deus estabeleceu um novo “hoje” para a nossa salvação (cf. Hb 4,1ss), não endureçamos os nossos corações, não resistamos ao amor de Deus que nos quer, deseja visitar-nos agora, e não amanhã. Ele está ali batendo à porta da nossa alma (cf. Ap 3): abramo-la depressa para que Ele entre e se sente à mesa conosco, tirando-nos assim da nossa solidão.


sabato 8 marzo 2025

SEGUNDO DOMINGO DA QUARESMA C

 

 



Lc 9,28b-36

 

Paolo Cugini

 



 

O caminho quaresmal que começou na semana passada nos colocou imediatamente no caminho da humanização de nossas vidas, mostrando claramente que a vida de fé não se limita ao culto, mas nos leva ao contato com nossos irmãos e irmãs. É uma nova mentalidade que Jesus nos apresenta e que propõe aos seus discípulos, um estilo de vida que envolve todos os aspectos da existência humana.

Deus levou Abrão para fora e disse-lhe: “Olhe agora para o céu e conte as estrelas, se você for capaz de contá-las.” E Deus lhe disse: “Assim será a sua descendência.” Ele creu no Senhor, e isso lhe foi creditado como justiça (Gn 15:5s).

      Antes de ser uma experiência de interiorização, de fechamento em si mesmo, o caminho da fé nos faz sair de nós mesmos. Deus conduz Abraão para fora: este é o primeiro passo da jornada. Sair das nossas certezas, dos nossos lugares onde temos controle sobre tudo: só assim podemos estar abertos à novidade do relacionamento com Deus e às Suas necessidades. São as situações de precariedade, de insegurança que provocam um pedido de ajuda e, ao mesmo tempo, uma vontade interna de escuta. Uma vez fora, Abraão é instado a olhar para cima e contar as estrelas. É o contato com a realidade. A aliança com Deus ocorre no plano da realidade, em contato com a concretude da vida. Uma realidade vista com novos olhos, pronta para a surpresa, para a novidade e não lida com conhecimento prévio.

 Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte para orar (Lc 9,28).

      Jesus faz a mesma coisa com seus discípulos: tira-os do seu contexto habitual, faz-os subir ao monte. Jesus se mostra na oração, em um novo relacionamento com Deus, não filtrado por ritos ou mitos, mas em um relacionamento pessoal, profundo e contínuo. Nessa relação o rosto de Jesus se transforma. O rosto indica a identidade da pessoa, seu ser. A verdade da oração, do relacionamento autêntico com Deus, se manifesta no rosto, na identidade pessoal, no modo de vida, no estilo. Moisés e Elias, ou seja, o Antigo Testamento, também entram em cena nessa nova relação. É um diálogo que revela a continuidade e, ao mesmo tempo, a novidade de Jesus, que leva à plena realização a Aliança entre Deus e a humanidade. Os apóstolos, que testemunham a cena, estão cansados e confusos. O mistério da identidade de Jesus, de fato, só será compreensível na perspectiva da ressurreição, isto é, da vida plena e definitiva. É nesse evento que ficará claro que o amor é a essência da vida e é indestrutível.

Porque a nossa cidadania está nos céus, de onde aguardamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará os nossos corpos de humilhação, para serem conformes ao seu corpo glorioso, pelo seu eficaz poder de até sujeitar a si todas as coisas (Fp 3).

Paulo entende que a jornada que Jesus fez, deste mundo ao Pai, não é exclusiva, não diz respeito somente a Ele, mas Ele a fez por todos. Jesus mostrou o caminho que nos permite viver uma vida autêntica que nem mesmo a morte pode minar: é o caminho do amor livre e altruísta, o caminho da busca da justiça e da solidariedade com os irmãos mais pobres. A luz do Ressuscitado transfigurará os corpos daqueles que o buscam e vivem como ele. 


PRIMEIRO DOMINGO DA QUARESMA/C

 





Lc 4,1-11

Paolo Cugini


O primeiro domingo da Quaresma, em todos os três ciclos litúrgicos, começa com a página das tentações de Jesus. Para compreender a profundidade da mensagem contida nesta narrativa, devemos tentar contextualizá-la. O que significa, então, ler esta página em um contexto pós-cristão? Como o paradigma pós-teísta pode nos ajudar a compreender novos conteúdos? Há toda uma leitura religiosa e devocional que há séculos orienta a interpretação desta página, destacando os aspectos penitenciais e sacrificiais, como se a penitência e o sacrifício fossem instrumentos indispensáveis para ganhar a vida eterna. Na realidade, a experiência humana de Jesus narrada nesta página está esvaziada de qualquer elemento religioso. Os eventos, de fato, não acontecem em uma sinagoga, em um espaço sagrado, mas no deserto, que poderíamos definir como um não-espaço, no sentido de que não se identifica com nenhum espaço em particular. O que Jesus vivencia no deserto é uma antecipação do que ele vivenciará durante sua vida pública. Jesus é um homem que nunca foi atraído por desejos de glória humana, de poder. Jesus é um homem cuja liberdade lhe permitiu não ficar preso à força dos seus instintos, que sempre soube direcionar para o objetivo que havia estabelecido. 

Esta é, em essência, a proposta que emerge da página das tentações e que nos é dirigida no início da Quaresma, que é um caminho para apreender com maior consciência o mistério da vida plena, que se manifestou nas escolhas de Jesus. É possível viver a própria humanidade de forma livre e plena, sem se deixar atrair por aquelas propostas que, a longo prazo, causariam escravidão interna e externa. Existe a possibilidade de uma vida plena, realizada no dom livre e gratuito de si mesmo, uma vida boa e justa que se tornou visível na vida de Jesus e, por isso, ao alcance de todos. 

O problema, neste ponto, é conseguir compreender o método que permitiu a Jesus viver dessa forma livre e plenamente realizada no amor e na justiça. Na página em questão há algumas indicações que podem nos ajudar. Jesus permaneceu “no deserto durante quarenta dias”: este é o primeiro fato. Para poder viver livremente, você precisa dedicar muito tempo ao seu eu interior; para usar as palavras de Sócrates, você precisa cuidar da sua alma. Esta é uma tarefa que está ao alcance de todos e não é específica dos religiosos: todos nós temos uma dimensão interior. O fato de essa experiência ocorrer no deserto é outro fato importante, porque nos diz, como afirmei acima, que ela não ocorre em um contexto religioso. “Ele não comia nada naquela época.” Esta não é uma indicação penitencial, mas existencial. Qualquer pessoa que tenha dedicado longos períodos à meditação e à cura interior sabe muito bem que uma vida sóbria e a atenção para não exagerar na comida auxiliam no caminho espiritual de contato com a própria consciência. “Tentado pelo diabo”: podemos traduzir esta expressão com a percepção que a força dos instintos exerce sobre nós, principalmente quando estamos imersos nas preocupações cotidianas, dando pouca atenção à nossa vida interior e, portanto, mais vulneráveis no plano existencial. 

Há uma possibilidade de vida autêntica que nos é oferecida no início do caminho quaresmal. Para entrar neste caminho, devemos libertar-nos das incrustações religiosas que, ao longo dos séculos, identificaram a Quaresma com ações penitenciais, perdendo o verdadeiro horizonte da Quaresma, que é a humanidade de Jesus, a sua liberdade, a sua vida de amor livre e desinteressado. Dedicar tempo a esta mensagem, assimilar diariamente as páginas propostas do Evangelho, significa cultivar o desejo de ser pessoas novas, mais autênticas, como Jesus. O mundo precisa de pessoas assim mais do que nunca. Aproveitemos, então, o tempo da Quaresma para sacudir o pó da religião e vestir a veste nova do Evangelho de Jesus.